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Dois Rivera distintos

Por

Leopoldo Pereira

Miguel Primo de Rivera foi um ditador fascista espanhol, que começou por aos 14 anos ingressar no exército, prática comum dos filhos de nobres, tendo chegado ao posto de general na idade de 42 anos, por mérito em combate nalgumas colónias espanholas. Não gostava dos anarquistas catalães, nem dos seus congéneres, e desencadeou um golpe de estado de que saiu vitorioso, com a ajuda do rei (Afonso XIII), da maioria do patronato, de grande parte do clero, das forças armadas e dos conservadores.

Não aprecio ditadores, qualquer que seja a sua cor; dizem que este até foi brando, o que pouco abona em seu favor (um ditador deve ser tipo Hitler, Estaline, Pol Phot, Mussolini, Mao Tse Tung, Kim Jong, etc.), mas não deixou de perseguir anarquistas, catalães e todos quantos lhe fizessem sombra. Acabou por cair em desgraça no seio das forças armadas e perante o próprio rei. Então apresentou a demissão (estão a ver, um ditador não faz isso) e foi morrer a Paris, volvidos dois meses.

Os portugueses, sempre atentos ao que se passa lá fora e ciosos de um enorme sentimento patriótico, logo bolaram o famoso golpe do 28 de Maio de 1926, a que se seguiu a criação da não menos famosa União Nacional, tudo inspirado no General fascista espanhol.

A sociedade espanhola apresentava contrastes extremos, dos anarquistas aos fascistas, passando pelos comunistas, católicos, monárquicos, etc., e o resultado foi a Guerra Civil, que provocou muitos milhares de mortos. Como costuma suceder nestes casos, apareceu um Salvador da Pátria que, com a ajuda de aviões, barcos e homens, dos amigos Hitler e Mussolini, também com a ajuda de Deus, levou de vencida os “arruaceiros”. O ditador Franco procedeu a inúmeras prisões, fuzilamentos sumários e enviou muita gente para campos de concentração. Assim é fácil governar e, tal como Salazar, morreu no seu posto.

Durante o “reinado” de Franco, o Monarca espanhol exilou-se em Portugal, tendo o seu sucessor sido reabilitado pelo ditador (ainda em vida), passando de novo a monarquia a reinar em Espanha. Franco não fez só coisas más, evidentemente; entre as boas destaco a Falange Espanhola, fundada por José António Primo de Rivera, um dos filhos do General fascista acima referido. Foi fuzilado pelas Forças Republicanas (estes gajos também não eram bons). Franco mandou construir um imponente monumento, perto de Madrid, em memória dos mortos da Guerra Civil, o Vale dos Caídos; aí estão sepultadas cerca de 40 000 combatentes, mais os fascistas José Primo de Rivera e o ditador Franco, que quis ficar ao lado da tumba daquele.

No encalço de um Rivera diferente, viajámos até ao México, onde alguns patriotas acreditam que as suas terras já eram habitadas há cerca de 20 000 anos. Consultando a Bíblia Sagrada, facilmente verificamos que os tipos mentem. De qualquer modo têm muito de que se gabar: Olmecas, Maias, Astecas, petróleo, Los Panchos, los sombreros, narcotráfico, Zapata Salazar, Octavio Paz (Nobel da literatura), boleros, ditadores como Santa Anna e Porfírio Díaz, não esquecendo o Zorro (lenda criada quando a Califórnia deixou de ser mexicana), a Senhora de Guadalupe, tão ou mais venerada que a Senhora de Fátima e a subjugação aos espanhóis, por volta de 1500, que fizeram uma limpeza profunda naquelas civilizações antigas (não católicas).

Em 1886 nasceu no México o menino Diego Rivera, que começou a pintar aos 3 anos de idade e aos 5 deu mostras de “maturidade” ao dizer alto e bom som que a Virgem Maria não passava de uma estátua de madeira (surda às orações), quando assistia à missa dominical com os pais. Obviamente deixou a família embaraçada, nem o caso era para menos; o menino tinha cometido blasfémia, a estátua podia ser de barro (por exemplo). Viveu e desenhou em Paris, foi simpatizante do comunismo, usufruiu de uma situação económica razoável, dedicava-se sobretudo a pinturas em paredes, cobrindo os seus trabalhos grandes superfícies, dedicados quase em exclusivo às injustiças de carater social. Acreditava que a arte pode ser uma arma.

Voltou para o México. Abandonou o Partido Comunista, passando a ser duramente criticado pelos ex-camaradas e pelos conservadores (por causa dos ataques ao clero). Levava porrada de todos os lados, mas nunca desistiu. Finalmente o Partido Comunista Mexicano reintegrou-o, talvez para daí tirar proveito, mas o País reconheceu o seu valor de artista (considerado por muitos o mais célebre artista revolucionário do mundo), sepultando-o na Rotunda dos Filhos Ilustres do México.

L. Pereira, 28/06/2014