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COPÉRNICO revisitado pela ICAR…

Por

E – Pá

Micolaj Kopernik, mais conhecido por Nicolás Copérnico [ou “Copernico” – sem acentuação – como pronunciou Cavaco Silva de visita à Polónia], foi um astrónomo polaco, grande impulsionador da teoria heliocêntrica, tendo influenciado de modo determinante a Astronomia no séc. XVI – é considerado o “pai” da Astronomia moderna – com a publicação da obra “De Revolutionibus Orbium Coelestium” […Sobre as revoluções dos corpos celestes ].

Esta obra científica viria a inspirar um outro grande vulto da Astronomia, Galileu Galilei, que – um século mais tarde – desenvolveu a concepção heliocêntrica do Universo, baseando-se nas teorias de Copérnico.

Na verdade, a concepção heliocêntrica defendida no livro de Copérnico é muito antiga. Remonta ao séc. III aC (Aristarco de Samos ) que apesar de não a referir expressamente, causou escândalo nos meios filosóficos, sendo acusado de “impiedade” [qualidade do que é ímpio] por Cleanto, um filósofo estoicista.

Vários séculos após, i.e., no século XVI, a ICAR [ainda] defendia a “teoria geocêntrica”, derivada de enviesadas interpretações bíblicas, da assimilação de concepções aristotélicas e da consagração do modelo ptolomaico do sistema solar.
De facto, a teoria geocêntrica servia a concepção universalista do poder emanado de Roma, sendo um sustentáculo para a afirmação do poder papal. O centro do Universo seria a Terra [onde os papas pontificavam] e tudo girava à sua volta.

Copérnico, conhecedor da ortodoxia científica e da rigidez doutrinária da ICAR [além de astrónomo tinha formação clerical], e dos vastos poderes inquisitórios, só publicou o seu livro quando sentiu aproximar-se o fim da sua vida [1543].
Aliás, as suas cautelas em relação à proverbial senda persecutória da ICAR a tudo o que é inovador levaram-no a tomar insólitas atitudes, por exemplo, recusar o convite da Igreja com vista à elaboração de um novo calendário com a escusa de ser um ignorante do movimento dos astros, quando dedicava grande parte do seu tempo em observações e cálculos astronômicos …

Estas atitudes e escusas evitaram a sua perseguição directa já que pertencendo às “famílias clericais tradicionais” [órfão aos 10 anos foi educado por um tio bispo], desempenhou, paralelamente à sua actividade cientifica, funções eclesiásticas na qualidade de cónego. Por outro lado, mesmo na época das trevas, era incómodo perseguir um morto…

Na verdade, a primeira reacção da Igreja Católica – ao contrário do Copérnico esperava – teria sido um misto de surpresa e curiosidade. A alta hierarquia religiosa, dominada pela influência da Companhia de Jesus [jesuítas], chegou a insinuar a Copérnico que desenvolvesse as suas novas ideias…

Claro, que esse desejo de desenvolvimento manifestado pela ICAR não passava de uma pura mistificação. Pouco tempo depois de publicar “De Revolutionibus Orbium Coelestium”, fruto de decénios de investigação pessoal, mantida em silêncio, Copérnico falecia [dois anos antes do Concílio de Trento].

Passado um século, Galileu Galilei, um brilhante astrónomo que divulgou e desenvolveu a teoria heliocêntrica de Copérnico e simultaneamente, um homem profundamente religioso, pagou, à ortodoxia religiosa, esta factura [adiada].
Galileu, foi investigado por um tribunal presidido pelo cardeal Roberto Francisco Belarmino [jesuíta], homem culto e moderado que evitou as mais drásticas consequências [a fogueira].
Aliás este cardeal, posteriormente tornado santo, tem um percurso eclesiástico, no mínimo curioso. No seguimento da morte do papa Paulo V, realizou-se em 1621 o conclave para a eleição do seu sucessor. O colégio cardinalício era dominado pelos chamados “cardeais sobrinhos”, i.e., familiares do papa em exercício nomeados cardeais. O cardeal Borghese, sobrinho de Paulo V, seria o homem que escolheria o próximo papa, tendo indicado para o cargo o cardeal Campori. Estava seguro desta sucessão já que tinha “arrebanhado” 29 cardeais nomeados pelo seu tio [Paulo V, um borghese]. O conclave não correu bem e os arregimentados purpurados mudaram de opinião, não concretizando os combinados acordos. Seguiu-se o escrutínio e o acima citado cardeal Roberto Francisco Belarmino obteve o maior número de votos [como aliás já tinha sucedido no anterior conclave de 1605 que pôs termo ao domínio da família Médici e catapultou os Borghese na posse da tiara pontifícia].
O cardeal Roberto Francisco Belarmino, na altura com 78 anos, recusou a dignidade papal, dando origem à posterior eleição de um papa de transição, um idoso e doente cardeal que tomou o nome de Gregório XV. À luz da doutrina religiosa não se entende como pode um cardeal rejeitar a iluminada intervenção do “divino Espírito Santo”, teologicamente responsável pelas escolhas do sacro colégio cardinalício. Desconheço se esta bizarra situação é um caso único ou se existem outros precedentes.

Depois desta deriva, voltemos às concepções heliocêntricas do Universo.

Em 1615 o Tribunal do Santo Ofício declara o heliocentrismo herético e a teoria de que a Terra se move “teologicamente errada”.
Galileu é condenado à prisão domiciliar perpétua, mas a reacção da cúria romana não fica por aí.
Os livros de Galileu entram para o Index Librorum Prohibitorum e, passado um século após a sua publicação, o livro de Copérnico [“De Revolutionibus Orbium Coelestium”] é repescado e tem o mesmo destino.

Em 1623, um novo conclave elegeu Urbano VIII, um amigo pessoal de Galileu. Este papa concede a graça [uma piedosa oportunidade] ao astrónomo de Pisa, no sentido de este escrever uma obra onde dissertaria sobre as suas teorias.
Galileu escreve, então, o livro “Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo” onde confronta os 2 sistemas: Ptolemaico e Coperniciano.
Esta publicação tem o condão de irritar profundamente o papa que se sente ofendido. Em consequência, a “santa” Inquisição, julga e condena Galileu a abjurar publicamente suas opiniões… etc. [segue-se a conhecida saga de Galileu na defesa da verdade científica …].

Em pleno séc. XX a Igreja católica retratou-se de alguns dos danos que causou à Humanidade com as suas “verdades teológicas”. Galileu foi um dos visados nessa pretensa reconciliação com a Ciência.
Desconheço se Copérnico também foi objecto de algum pedido de desculpas oriundo do Vaticano.

Todavia, neste mês de Maio e no ano da graça de 2010, a ICAR decicdiu homenageá-lo e, Copérnico, foi transladado da tumba rasa no pavimento da catedral de Fromborg – depois dos seus restos mortais serem confirmados por análises de ADN – para um elaborado e faraónico sepulcro [em granito negro e duas toneladas de peso], colocado em lugar de destaque no referido templo [sob o altar-mor].

Essa cerimónia foi presidida pelo representante do papa na Polónia, arcebispo Jozef Kowalczyk, que oficiou uma imponente cerimónia religiosa.

Enfim, um homem da ciência que no passado foi considerado, pela mesma Igreja [que hoje oportunisticamente o homenageia], um herege, embuído de satânicas ideias revolucionárias…

A evidência da mais pura hipocrisia e o testemunho histórico de uma incontornável e farisaica falsidade.
O Mundo assistiu atónito a mais esta manobra da ICAR. Será sempre assim no seio desta milenar instituição.

Per omnia saecula saeculorum…