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Mês: Outubro 2009

20 de Outubro, 2009 Fernandes

Saramago e a Bíblia

A origem e a função da escrita, supunha-se, que como todas as artes, fosse um invento dos deuses. O povo analfabeto, na sua maioria, sentia uma espécie de veneração por tudo o que fosse “escrito”, por isso não era difícil fazer crer que os “livros sagrados” pelo simples facto de estarem escritos, eram ditados e inspirados pelos deuses.

Os “livros sagrados inspirados por Deus” são numerosos, toda a religião que se preze, os tem. Podemos citar: os Veda da Índia, os Ching da religião imperial chinesa, os Sidhanta do jainismo, o Tipitakam do budismo tibetano, o Tao-Tê-King dos taoistas, o Avesta do zoroastriano persa, o Corão do islamismo, o Granth dos sijs, o Ginza do mazdeísmo, o Livro dos Mortos do antigo Egípto, a Bíblia dos judeus e cristãos e os Evangelhos dos cristãos.

Existem várias bíblias: a hebraica, a grega, a católica, e muitas cristãs, que na realidade se reduzem a duas: a bíblia rabínica, que inclui a Torah oral, e a bíblia cristã, que inclui o Novo Testamento. Os exegetas afirmam que a bíblia está muito acima de qualquer outro livro sagrado, não se sabe porque razão, a não ser pela auto-complacência e intolerância judeo-cristã. Claro que a mesma opinião, têm do seu livro todas as outras religiões.

O chamado Antigo Testamento é uma selecção aleatória e fragmentada das tradições transmitidas oralmente, como canções, provérbios, oráculos, lendas, etc., escritas em hebraico, aramaico e grego. Uma boa parte do que na bíblia se anuncia como inspirado por Deus, já havia aparecido anteriormente no “Código de Hammurabi” da Babilónia, escrito aproximadamente dezoito séculos antes da Nossa Era.

A bíblia é uma colecção de diversos géneros literários, o seu pluralismo corresponde ao pluralismo da sociedade judaica da época. O término grego “biblos” fazia referência a qualquer tipo de documento escrito. Entre os judeus e os primeiros cristãos, o término – livro sagrado -, designava exclusivamente o Antigo Testamento. Os cristãos, mais tarde, utilizaram o mesmo término no plural, – bíblia -, para designar as escrituras, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

A religião do antigo Israel, como a de todos os povos semitas da época, não era monoteísta, como se pretende fazer crer, – era politeísta. As religiões sumérias, babilónicas, egípcias e gregas, contribuíram com muitas ideias, como, o monoteísmo, a figura do profeta ou do reformador, a esperança no que “há-de vir”, a ideia da imortalidade, a ordenação da vida religiosa através de uma lei e a conseguinte conversão da religião em lei ou Torah.

O judaísmo é a lei da dupla Torah: A escrita, constituída pelo Tanak – término formado com as iniciais da Torah (Peutateuco), Nebi`im (Profetas) e Ketubim (Escritos). A oral, formada pela Misnah (legislação judia) e os Talmud (comentários à Misnah) de Jerusalém e Babilónia.

O crítico moderno, separa o Antigo Testamento, da “tradição” posterior. Considera-o um legado de uma religião do Antigo Oriente. Os textos bíblicos foram escritos separadamente, o seu conteúdo era jurídico, profético, histórico, narrativo, mítico ou sapiente, mas não eram nem se consideravam sagrados, e muito menos revelados por Deus.

Não percebo pois, o porquê de tanta polémica acerca do último livro de Saramago.

20 de Outubro, 2009 Carlos Esperança

Papa teimoso

O Papa Bento XVI recordou as raízes cristãs da Europa” e solicitou nesta segunda-feira a seus dirigentes “não deixarem seu modelo de civilização se desfazer”.

O pedido do pontífice foi transmitido ao novo embaixador da União Europeia no Vaticano.

Comentário: O modelo de civilização europeia baseia-se na laicidade e na tolerância. A fé já fez demasiadas mortes.

19 de Outubro, 2009 Carlos Esperança

Tomás da Fonseca – Reeditado

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19 de Outubro, 2009 Carlos Esperança

condestavel

Prefácio João Macdonald Novidade Outubro 2009

112 pp | pvp €13,00 | ISBN 978-972-608-206-4

18 de Outubro, 2009 palmirafsilva

As questões sobre a laicidade continuam a inflamar opiniões, como indicam os mais de 200 comentários que os posts «De afirmações extraordinárias sobre a laicidade e liberdade religiosa na 1ª República» e «Lixos muito tóxicos» mereceram conjuntamente.

Em relação ao tema em apreço nos dois posts, as pretensões extraordinárias do padre João Seabra sobre ter sido a Igreja que obrou «a verdadeira separação do Estado e da Igreja em 1911 e não o governo republicano», seria certamente desejável que os defensores insistentes desta pretensão imbecil tivessem assistido à conferência do cardeal-patriarca Policarpo «Laicidade e laicismo: Igreja, Estado e Sociedade», debitada em 10 de Outubro de 2007 no Centro Cultural de Belém (e da qual tenho uma cópia que posso fornecer aos interessados).

Mas poderão certamente ler o artigo de Vitor Neto «A Laicidade do Estado em Portugal», in Revista de História da Sociedade e da Cultura, nº 5, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2006, cujo resumo poderão consultar aqui. Quer este artigo quer a alocução cardeal frisam algo que deveria ser óbvio para todos com um mínimo de honestidade intelectual, que a tese do padre Seabra é completamente idiota: «Após a implantação da República assistiu-se a um movimento de laicização semelhante, em certa medida, ao que ocorreu em França. Tal encontrou uma forte resistência do episcopado, da maioria do baixo clero e da Santa Sé

Ainda em relação ao discurso cardeal referido, é no entanto curioso atentar numa confusão que continua a intrigar-me dois anos depois e que aparentemente baralha os devotos que debitam nonsense atrás de nonsense sobre o que seja laicidade, para eles entendida na versão supostamente «inclusiva» que o patriarcado nacional preferiria, na realidade nada mais que catolicismo.

Diz o Larousse, cuja autoridade não contesto, que o adjectivo grego laikos do qual deriva laicidade significa «o povo», isto é, seria a palavra de eleição para se referir a todo o conjunto de cidadãos sem excepções nem distinção de ideologias ou convicções. Pelo contrário, a sua versão latinizada, laicus, da qual derivaria o termo leigos que identifica os religiosos (prosélitos) que não pronunciaram votos, discrimina o povo original em função da sua religiosidade. O cardeal patriarca, na lição de sapiência sobre laicidade que me estonteou tanto quanto as afirmações do padre Seabra, afirmou que o vocábulo grego, não sei se pela sua inclusividade, seria o oposto do latinizado. Mais concretamente afirmou:

«Laicidade. A etimologia mais provável é o vocábulo grego “laikós”, que significa profano, em oposição ao que é sagrado. Em contextos culturais e religiosos em que todas as coisas eram consideradas sagradas, a afirmação da laicidade podia parecer chocante e, mesmo, escandalosa.»

Embora não tenha dúvidas, e muitos dos comentários aos supracitados posts o confirmem, que a afirmação da laicidade é chocante e escandalosa para alguns, deixou-me intrigada esta confusão do cardeal-patriarca, certamente muito mais erudito que eu nestas histórias de línguas mortas. Confusão que foi perpetuada na parte em que o dignitário-mor da Igreja de Roma em terras lusas explicitou a «diferença» entre laicidade e laicismo:

«Os “ismos” indicam um uso abusivo de uma dimensão defensável. Porque a laicidade, sobretudo em relação ao Estado, se afirmou ao longo de um processo dialéctico, muitas vezes recusado pela Igreja, que via nela uma ameaça à fé como atitude inspiradora do sentido de todas as coisas, os defensores da laicidade atacaram a Igreja considerando-a travão ao progresso, rejeitaram a ordem própria da fé, procuraram bani-la da sociedade, constituindo uma mundividência laica, que fundamenta a moral, inspira as leis, regula o viver comum da sociedade, tornando-se uma sabedoria laica, substituta da religião que, quando não foi proibida e perseguida, foi relegada para o estrito âmbito do privado e pessoal, sem direito a expressão na cidade. Ora um recto conceito de laicidade ressitua a dignidade e a transcendência da fé cristã. A este alargamento abusivo do âmbito da laicidade costuma chamar-se laicismo».

Não percebo muito bem o que seja laicidade quando não em relação em Estado e penso ser exactamente a contrária do que afirma Policarpo a distinção entre laicismo e laicidade , isto é, é apenas aquela que distingue entre conceito, laicismo, e praxis, laicidade. Mas este parágrafo explica o porquê da pseudo-confusão cardeal, ainda muito influencido pelas doutrinas teocráticas da Igreja de Roma, expressas, por exemplo, na encíclica Unam Sanctam, do Papa Bonifácio VIII celebrado pelo Vaticano no selo que ilustra o post, onde se afirma ser necessário para a salvação estar sujeito ao Papa em tudo, mesmo em questões políticas. Ou pelo conjunto de textos (Corpus Areopagiticum) do Pseudo-Dionísio Areopagita, que influenciaram fortemente o cristianismo medieval e cuja influência perdura até hoje.

Ou seja, o cardeal que reminesce sobre «O Reino de Israel», que reconhece ter sido «uma teocracia, embora com a pureza do Deus da Aliança, e os que exerciam o poder, juízes, reis e sacerdotes, faziam as vezes de Deus, sendo por Ele escolhidos e ungidos», execra o laicismo que se traduz numa «mundividência laica, que fundamenta a moral, inspira as leis, regula o viver comum da sociedade». Isto é, para a igreja, pelo menos em Portugal, laicidade é só a tal variante por que ululava há menos tempo ainda Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e porta-voz do episcopado, na frase excelsa da laicidade clerical inclusiva: «depois do referendo sobre a IVG a sociedade portuguesa pensou que era laica».

Assim, em pleno século XXI, a Igreja nacional e os seus seguidores mais fanáticos, que se multiplicam em afirmações extraordinárias nas nossas caixas de comentários, continuam a confundir laicidade com catolicismo e a pretender que a verdadeira laicidade é aquela que impõe uma «mundividência católica, que fundamenta a moral, inspira as leis, regula o viver comum da sociedade». Isto é, confundem uma sociedade laica, no sentido grego da palavra, uma sociedade de todos e para todos, com a sua involução latina, uma sociedade católica imposta a todos!