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Enviesamentos Cognitivos VIII – A religião está para durar?

Aproveito todos os artigos desta série para responder (um pouco fora de prazo…) à pergunta lançada para debate pelo Helder «será a religião eterna e inevitável?».
É pouco provável que a humanidade seja eterna. Nesse sentido, a religião não o será.
Mas será que vai acompanhar toda a história da humanidade daqui em diante? Que relevância terá?

Com os artigos anteriores espero ter mostrado que vários enviesamentos cognitivos são naturais no ser humano. E a religião decorre naturalmente deles, pelo que a religião também é natural (o que por si não tem nada de bom: a doença também é natural e não é por isso que deixamos de querer os «artificiais» medicamentos). Por várias razões, não é de esperar que o ser humano deixe de ser vítima destes enviesamentos cognitivos.

Mas, apesar destas tendências para o engano, o ser humano conseguiu aprender bastante sobre o mundo que o rodeia. Encontrou formas de contornar e menorizar tais enviesamentos cognitivos, e o empreendimento científico é um bom exemplo disso – apesar de cada cientista poder ser vítima de tais enviesamentos, a investigação vai sendo menos e menos afectada por eles.
A ciência não tem de – nem deve – ser a única história de sucesso. Numa democracia, numa sociedade do conhecimento, é vital que cada indivíduo tenha uma imagem adequada do mundo que o rodeia, uma imagem que não seja muito distante da realidade. Por isso, acredito que a humanidade vai aprender cada vez mais a lidar com estes enviesamentos, e a minorar as suas consequências.
Como a religião se alimenta deles, o treino e a capacidade de minorar estes enviesamentos vai tender a tornar a religião menos poderosa e influente. Em 1500, na Europa católica, era comum acreditar-se que as bruxas se podiam transformar em gatos, ou provocar tempestades (e havia gente a ser condenada pela inquisição com base em tais disparates…), e é possível que nessa altura tais crenças parecessem indisputadas e naturais. Mas com o nosso conhecimento do mundo, as coisas mudaram. A religião não faz hoje as alegações que faziam, e milagres como o de Fátima são coisas do passado: com os meios de comunicação e verificação, qualquer «milagre» com a mesma amplitude será rapidamente desmascarado enquanto fraude.

O nosso conhecimento acerca do mundo, e a nossa capacidade de o transformar num lugar melhor, cada vez menos prejudicada pelos vários enviesamentos cognitivos, também surtirá outro tipo de efeitos. Um grande apelo psicológico da religião, não referido nesta série de artigos, é a vontade de fugir às agruras da vida, a vontade de fugir a uma realidade que pode ser vista como cruel. E realmente existe muita evidência empírica de que quanto pior vivem as pessoas, mais religiosas são.
Mas quando, ao invés de fugir, lutamos com sucesso para tornar a realidade menos cruel, a religião ressente-se.

Existe a questão demográfica de muitas religiões (e não é por acaso…) encorajarem os crentes a ter muitos filhos, e as ideias dos pais terem sempre muita influência sobre os seus descendentes, mas ainda assim creio que a tendência, com o passar do tempo ao longo dos séculos, é que a religião vá perdendo aderentes, poder e influência.