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Delírios Astrais (II)

Aos olhos de muitos, as rigorosas regras da Astrologia têm um aspecto sério, científico. Este é o primeiro erro ao avaliar a qualidade científica de uma dada prática. A seriedade laboratorial e o respeito pelas normas de trabalho são obviamente parte do trabalho científico. Mas isso não é tudo. É que as regras da Astrologia são perfeitamente arbitrárias. E porquê?

Por várias razões. Só é possível calcular o mapa astrológico de alguém que tenha nascido à superfície da Terra. Para quem nasceu, hipoteticamente, em Vénus, com período de rotação contrário ao da Terra, qual será o seu ascendente? O que dizer então de quem nasce a orbitar Aldebarã, uma estrela da constelação zodiacal do Touro? Para essa pessoa o seu signo será sempre Escorpião, já que é a constelação oposta ao Sol? Poderá eventualmente argumentar-se que uma possível projecção topográfica na superfície da Terra daria as coordenadas correctas. Nesse caso a necessidade de saber exactamente a posição geográfica desvanecer-se-ia! Seja como for, o que dizer então de quem nasça no centro da Terra? Será uma singularidade astrológica? Entrando mais em detalhe, já que a Astrologia permite calcular mapas de quaisquer eventos, qual é o mapa astrológico da formação do Universo? E o do Sistema Solar? E quem viaja a velocidades suficientemente grandes (só para contrariar a noção clássica de simultaneidade) necessitará de uma correcção relativista?
Se tivermos ainda em conta a precessão dos equinócios (a trajectória elíptica da Terra em torno do Sol roda em relação ao fundo de estrelas) então as coisas complicam-se ainda mais. Na Antiguidade o Sol não passava nas mesmas constelações que passa hoje na mesma altura do ano e hoje em dia os signos estão todos desfasados.

E o que dizer de Urano, Neptuno e Plutão, que só foram descobertos em 1781, 1846 e 1930 respectivamente? Se a distância de um astro não é relevante, isso significa que todos os mapas astrológicos feitos antes destas descobertas estão errados?

Todas estas questões algo pueris partem de um detalhe muito simples. A Astrologia baseia-se numa hipótese de geocentricidade absoluta e de um Universo imutável. A invariabilidade da esfera celeste é imprescindível. Daqui a poucos milhares de anos a estrela polar não estará mais no Pólo Norte mas um pouco ao lado. As constelações desvanecer-se-ão. O próprio Sol não é eterno. Os antigos não sabiam disso. Hoje em dia como pode uma pessoa continuar a acreditar piamente neste tipo de previsões?

Há quem argumente que a Astrologia não é mais que uma compilação de sabedoria antiga, uma mnemónica mística. Mas já entre os antigos havia sábios que não iam nas cantigas dos astrólogos. O próprio Kepler, teorizador da Astrologia que teve de sobreviver parte da sua vida à sua custa, considerava-a um assunto «oco e estúpido». É que na Antiguidade já havia charlatanice. Este tipo de intrujice é naturalmente mais fértil num clima de ignorância e credulidade.

A Astrologia é uma farsa. Pode ser interessante conhecer as suas origens, a sua mitologia. Fora isso é uma disciplina estéril e supersticiosa. Mas a charlatanice continua e o grave disto tudo é haver quem a leve a sério.

Publicado em simultâneo no Banqueiro Anarquista