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E entretanto no Irão

Aquando das últimas eleições eleições no Irão que deram a vitória a Mahmud Ahmadinezhad não só foi considerado por observadores internacionais que ocorreram «falhas» nas eleições, como os apoiantes de Rafsanjani e de outros candidatos reformistas afirmaram que estas foram manipuladas, os últimos acusando os Guardas Revolucionários do Irão e a segurança Basij de orquestrarem um conluio de forma a dar a vitória ao ultra-conservador.

Na página do Student Movement Coordination Committee for Democracy in Iran (SMCCDI), um movimento secularista, podemos não só inferir que eventualmente tais acusações têm alguma razão de ser como ler que as manipulações do governo iraniano, contrariamente ao que muitos poderiam pensar considerando as violentas reacções à pseudo-guerra dos cartoons em Teerão a que todos assistimos, não estão a convencer pelo menos uma boa parte dos iranianos.

De facto, o movimento laico informa-nos que afinal as manifestações «espontâneas» de repúdio pelos cartoons de Maomé foram eventos organizados pelo governo para mostrar ao mundo uma suposta indignação massiva dos iranianos pela «ofensa». Aparentemente, apesar dos denodados esforços por parte do governo e das mesquitas dominadas por clérigos ligados ao regime teocrático de Teerão, a «massa» manifestante reduziu-se a uns meros 400 (Teerão tem 12 milhões de habitantes), a maioria dos quais membros das forças para-militares Bassij, as tais que os reformistas afirmam tão providenciais terem sido na eleição de Ahmadinezhad.

Para os secularistas iranianos, o fiasco que constitui a manifestação mostra a impopularidade do regime teocrático a as aspirações seculares dos iranianos. E mostra que embora muitos iranianos rejeitem os cartoons, respeitam a liberdade de expressão de quem os publicou!

De igual forma, somos informados que outra manifestação de repúdio ao regime teocrático ocorreu ontem, dia que em que se celebrava o 27º aniversário da revolução (e o início do regime do ayatollah Khomeini).

O governo esperava trazer milhões de iranianos para as ruas apelando aos seus sentimentos nacionalistas e/ou religiosos. Mas, não obstante as centenas de autocarros que trouxeram milhares de «celebrantes», igualmente «espontâneos», para as ruas de Teerão, onde se queria uma gigantesca moldura humana ao evento, apenas conseguiram entre 70 ou 80 mil manifestantes, constituidos maioritariamente pelo que o SMCCDI designou por manifestantes «profissionais», estudantes e funcionários públicos (obrigados a tal).

O coordenador da SMCCDI, Aryo B. Pirouznia, afirmou ontem numa entrevista ao serviço persa da televisão por satélite «Voice of America» que «A geração mais nova no Irão, que é composta por milhões de indíviduos, há muito que virou as costas ao regime islâmico e anseia por modernidade, secularismo e nacionalismo… Esta afirmação é suportada pela falta de participação popular nas demonstraçõs oficiais de hoje e igualmente pela recusa dos iranianos em participarem naquelas manifestações anti-cartoons violentas».

aqui tinhamos dado conta de manifestações simbólicas contra a ditadura dos mullahs, como a recente exposição no Museu de Arte Contemporânea de Teerão de arte proíbida pelo regime, neste caso 190 quadros da colecção de Farah Pahlavi, a mulher do ex-Xá. A inusitada afluência à exposição e a reacção do público são também indicações que a sociedade iraniana não é tão monolítica como os seus teocratas governantes gostariam de fazer passar. E que são erradas e contraproducentes muitas das reacções ocidentais à pseudo-guerra dos cartoons!

As tentativas de apaziguamento e a cedência às chantagens terroristas de uma minoria fundamentalista são o pior golpe nas aspirações democráticas de muitos iranianos e certamente de muitos outros muçulmanos reféns de regime autocráticos. Como é afirmado pelo SMCCDI, entre as razões que permitem que o anacrónico regime teocrático iraniano se mantenha encontra-se a falta de um empenho real a nível mundial que apoie os iranianos na escolha de um sistema político laico! Como o Ricardo apontou, a polarização real nesta história, lá como cá, é entre laicidade e clericalismo, liberdade de expressão e delito de blasfémia. Temos de deixar claro que quer a laicidade quer a liberdade de expressão não são negociáveis nem sujeitos a qualquer tipo de chantagem!