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Mês: Junho 2005

24 de Junho, 2005 Palmira Silva

Submissão II

A deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, que escreveu o argumento da curta-metragem «Submissão – Parte I», sobre a repressão sofrida pelas mulheres no Islão, afirmou à BBC que pretende continuar os planos originais e filmar a sequela do filme, não obstante o perigo envolvido em tal propósito.

De facto, «Submissão» foi a causa do bárbaro assassinato do realizador Theo Van Gogh, morto em Novembro último por um fundamentalista islâmico e a razão porque até hoje Ayaan Hirsi Ali continua rodeada de rígidas medidas de segurança. Mas para a parlamentar não realizar a continuação do filme «Recompensaria os assassinos de Theo van Gogh, recompensaria a violência, sugerindo que (os terroristas) conseguem impor às pessoas o comportamento que querem que estas apresentem».

Assim, Hirsi Ali pretende cumprir os objectivos do filme, «colocar uma lente nos detalhes dolorosos do Islão».

Detalhes nos quais está incluído que, como consequência da realização deste filme, com ou sem continuação, a vida desta holandesa nunca retornará à normalidade, perseguida até à morte pelos fanáticos islâmicos, tal como ainda acontece a Salman Rushdie pela publicação em 1989 dos «Versículos Satânicos». Mas segundo ela, «Independentemente dos riscos, vou fazer o filme, para mostrar que não nos devemos submeter à violência».

E considera que «É o que acontece – quando, como muçulmano, alguém afirma que não é muçulmano ou afirma algo que os radicais consideram apostasia, então eles acreditam que matar essa pessoa os levará para o Céu. Por isso vou viver, para lhes provar que não existe Céu – ou Inferno, já agora».

22 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Vaticano em busca de milagres

O Vaticano pede aos fiéis que lhe comuniquem as graças recebidas por intercessão do defunto Papa JP2 que, já em vida, tinha experiência no ramo.

Não se tinham apagado ainda os ecos do tumor cerebral curado a um crente que estendia a língua para a rodela de pão ázimo benzida, que JP2 lhe ministrou, e já outros milagres nasciam como cogumelos nas terras férteis da ICAR.

Agora que o bem-aventurado se finou, depois da mórbida exploração a que foi sujeita a sua longa agonia, o Vaticano pede que lhe sejam comunicados pela Internet os milagres que o cadáver de João Paulo II anda a fazer por esse mundo de Cristo.

Já não faltam milagres para que B16 o canonize, mas entusiasmar as hostes de fanáticos e supersticiosas é um truque que beneficia o proselitismo e rende benefícios à seita.

Enquanto as multidões rezam, não pensam e, quanto menos pensam, mais acreditam.

22 de Junho, 2005 pfontela

Perseguições e mitos III

Continuo os dois artigos antecedentes, onde expus os mitos que predominavam na sociedade romana imperial sobre o cristianismo, sendo que alguns deles já foram analisados e desmontados. Espero com este artigo dar conclusão à série.

O último artigo não chegou a analisar as acusações de orgias incestuosas e como tal vamos começar por aí.

A explicação habitual para estes rumores é que os pagãos faziam confusão entre seita cristã e certos movimentos gnósticos. Mas as provas disso não são muito sólidas. Irenaeus, escrevendo depois do massacre de Lyons, afirma que os cristãos foram confundidos com os carpocratianos(1), que eram uma seita gnóstica que supostamente não reconheceria os conceitos de bem e mal e como tal seriam promíscuos. No entanto foi Clemente de Alexandria, em cerca de 200 DC, que primeiro associou o rumor de orgias ao movimentos dos carpocratianos(2). Eusébius, dois séculos mais tarde, repete exactamente os mesmo rumores citando exactamente as mesmas fontes. Independentemente da veracidade dos rumores à volta dos carpocratianos as acusações omnipresentes de orgias incestuosas que eram lançadas aos cristãos não podem ser explicadas de forma credível por uma confusão com uma qualquer seita obscura.

A explicação mais provável é novamente uma mistura de dois elementos: a realidade de um ritual religioso cristão misturado com um estereótipo já existente. O ritual em questão era a ágape, o festim do amor. Durante os dois primeiros séculos de cristianismo era prática comum um cidadão privado convidar cristãos baptizados para uma refeição comunal. A refeição era suposto ser uma celebração de fraternidade cristã e incluía a celebração da eucaristia. A orgia imaginária descrita por Minucius Felix era precisamente a caricatura deste ritual. A verdade é que a celebração da ágape era muitas vezes motivo para comer e beber em excesso (todo o processo era catalisado por visões da segunda vinda de Cristo que, como sempre, para os cristãos primitivos era algo que estaria para muito breve) mas não para ritos orgiásticos. Esses fazem parte do segundo elemento da explicação: o mito pagão da bacanália. Supostamente a bacanália seria um ritual religioso que foi importado da Grécia para a Etrúria e depois levado para Roma e aí o culto teria crescido em dimensão até incluir orgias nocturnas em larga escala. Em 186 AC o Senado chegou mesmo a aprovar legislação a proibir a bacanália. Veja-se o que Tito Livio diz sobre o tema:

«Existiam ritos iniciáticos…Ao elemento religioso foram adicionados os prazeres do vinho e do festim para que maior número de mentes pudesse ser atraído. Quando o vinho já tinha inflamado as suas mentes e a noite e a mistura entre machos e fêmeas, novos e velhos já tinha destruído qualquer sentimento de modéstia todos os tipos de corrupção começaram a ser praticados, já que cada um tinha ao seu dispor o prazer para o qual a sua natureza mais se inclinava… Se algum deles não estava inclinado para ser abusado ou se mostrava relutante em cometer um crime ele era sacrificado como uma vitima. Considerar que não existe mal… era a mais alta forma de devoção religiosa que existia entre eles.»(3)

Mas a bacanália não foi condenada apenas como uma orgia com traços homicidas. O cônsul romano encarregue de esclarecer o povo afirma ainda o seguinte:

«Eles ainda não revelaram todos os crimes dos quais foram parte…o mal cresce diariamente e expande-se para o exterior. Neste momento ele já é demasiado grande para poder ser considerado como um assunto puramente privado: o seu objectivo é o controlo do estado…Agora como indivíduos eles têm medo vós, reunidos aqui nesta assembleia: quando voltarem para as vossas casas e quintas eles irão reunir-se e vão tomar medidas que serão simultaneamente para a sua própria protecção e para a vossa destruição: e aí vocês, como indivíduos, terão que os temer enquanto grupo… nada é mais enganador em aparência do que uma falsa religião.»(4)

Em resumo: os participantes da bacanália eram considerados como conspiradores políticos e como tal o Senado tomou acção rápida e brutal para suprimir a bacanália. Independentemente da sua supressão o que isto prova é que ao assimilarem a ágape à bacanália os romanos pagãos estavam mais uma vez a considerar os cristãos como conspiradores sedentos de poder (sendo em tudo semelhantes às acusações de canibalismo).

Todas as acusações que vimos até agora (orgias incestuosas, canibalismo, infanticídio ritual e regular) apontam numa mesma direcção: desumanizar os cristãos até eles se transformarem na incarnação de tudo o que era considerado pelos romanos como anti-humano.

A explicação para tudo isto está na absoluta incompatibilidade do cristianismo primitivo com a religião de estado romana. Para os romanos a religião não era uma questão de devoção pessoal mas antes uma espécie de culto nacional em que os deuses eram os protectores de Roma e os detentores dos altos cargos da nação sempre foram identificados com os deuses. Com o advento do Império e a deificação do Imperador (em parte derivada da tradição romana de poder e em parte da tradição grega de monarcas divinizados) as diferenças tornaram-se ainda mais óbvias. O culto Imperial unia o mundo romano, o aniversário do imperador era um feriado nacional e os deuses nacionais transformaram-se na garantia da eternidade do Império. Ao negarem violentamente todo este passado e estas ligações os cristãos tornaram-se impopulares, isolados, temidos e odiados. Eles efectivamente não faziam parte do mundo greco-romano.

Eventualmente com a conversão de membros da aristocracia Imperial e de um grande número de plebeus o cristianismo ganhou aceitação no mundo. Tornou-se impossível acusar os grandes senhores e senhoras de conspiração contra o estado devido à sua conversão ao cristianismo. Ao mesmo tempo que o número de conversões aumentava exponencialmente a Igreja ganhava poder, os bispos tornaram-se jogadores na arena da política Imperial e não estando contentes com isso acabaram por levar a cabo a solução final para o paganismo: a erradicação.

A história da perseguição do cristianismo primitivo foi o prelúdio para o que se seguiu em séculos posteriores. Os mitos que alimentaram as perseguições aos pais da Igreja mutaram e foram usados como munição contra outros. A partir do momento que a Europa é cristianizada (com a excepção do norte e leste da Europa que permaneceram ferozmente pagãos até muito tarde) e o poder da Igreja começa a aumentar as acusações de heresia tornam-se comuns, nasce a figura sinistra da Inquisição, os templários são destruídos sob acusação de manterem pactos demoníacos e praticarem sodomia e, por fim, todo este mundo de mitos, medo e política culmina na insana cruzada contra as bruxas nos séculos XVI e XVII.

(1)- Irenaeus, Adversus Haereses, lib. I, cap. XXV
(2)- Clemente de Alexandria, Stromateis, lib. III, cap.II
(3)- Livio, Ab urbe condita, lib. XXXIX, cap. VIII
(4)- Livio, Ab urbe condita, lib. XXXIX, cap. XVI

22 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Correio dos leitores – Um milagre


É frequente ouvirmos relatos de pessoas que dizem que foram agraciadas com milagres e atribuírem essas graças a intervenção de Deus, Jesus Cristo, Virgem Maria ou qualquer outro Santo dos milhares que povoam os Céus, a quem essas pessoas recorreram, pedindo ajuda, em momentos de aflição.
É de um desses milagres que quero aqui dar testemunho. Porém, não foi qualquer Divindade ou Santidade que operou esse milagre, mas sim uma cadelinha, a minha Kika, que eu venero como a uma Santa, mas que não a quero no Céu (pelo menos por enquanto).

Eis o milagre:
A minha Kika estava doente: Ela que sempre “dava sinal”, ladrava, mal sentisse alguém próximo da porta; Desatava em grandes correrias, e latidos, quando ouvia o tropear de algum cavalo; Que comia a ração dela e queria, ainda, comer a ração da Pantufa (a gata que, tal como ela, foi adoptada pelo mesmo dono e, com quem andava sempre na brincadeira, desarrumando toda a casa);
A Kika, então: Não comia, não ladrava, não corria ao ouvir o tropear dos cavalos, nem brincava com a Pantufa.
Foi ao médico (médica veterinária) que diagnosticou intoxicação alimentar, talvez devida a algum alimento mais condimentado que o dono (eu) lhe tivesse dado a comer.
Foi-lhe aplicado, nas veias, soro biológico, sujeita a medicação, dieta alimentar e recomendado algum repouso. A Kika começou a melhorar e, ao fim de alguns dias, ao sentir o ruído da carroça dos ciganos e dos cascos do burro, que a puxava, “desatou” a correr e a ladrar com um nervosismo tal que, devido ao estado ainda débil em que se encontrava, caiu “morta”!..
Eu, transtornado, peguei-a nos braços numa aflição indescritível e, chorando convulsivamente, supliquei-lhe:
KIKA!.. Não morras!.. Não morras!.. KIKA!..
Decorridos alguns momentos, que para mim foi uma eternidade, deu-se o milagre!…
A minha Kika começou a dar sinais de vida; As pupilas, que se tinham dilatado, começaram a reagir e aqueles olhinhos tão meigos e tristes começaram a fixar-se nos meus que, embaciados, pelas lágrimas que deles derramavam, me deixavam na dúvida se eu estaria ver bem, mas, para confirmar o “milagre” a minha Kika começou a lamber-me a cara como que para enxugar o fluído lacrimal que me escorria pelas faces.
Nessa altura, emocionado, como nunca, nos 63 anos da minha vida, balbuciei:
Obrigado!… KIKA!… Obrigado!…

Podem crer que este milagre não foi obra de qualquer Divindade ou Santidade. Não foi, mas podia ter sido. Garanto-vos que, naqueles momentos de aflição:
Se eu fosse devoto da Nossa Senhora de Fátima, as minhas súplicas teriam sido dirigidas à Virgem Maria e, no dia 13 de Maio, seria mais um peregrino na Cova da Iria, talvez a oferecer uma cadelinha de cera – comprada lá – e uma oferta, em euros, bem generosa á Nossa Senhora, para engrossar as receitas do Santuário.
Se eu fosse um dos fieis da Igreja Universal do Reino de Deus, teria suplicado a intervenção do Espirito Santo, em nome de Jesus Cristo, e na próxima sessão de culto, lá estaria eu no “Centro de Ajuda Espiritual” a dar o meu testemunho aos “irmãos” na fé, e a oferecer a “Deus” (Edir Macedo) uma oferta exemplar, a pagar 100 euros por um frasquinho do “Santo Óleo” – “vindo especialmente de jerusalém, do monte das oliveiras” (azeite que os fieis compram em garrafas de litro e entregam aos “obreiros”) e, talvez um dia destes aparecesse frente ás câmaras da TV Recorde Internacional, a dizer que Jesus entrou na minha vida e salvou a minha Kika.
(Não sei é que resposta eu encontraria, se me perguntassem porque Jesus salvou a minha cadelinha e não salvou, tantos milhares de crianças que pereceram, na Ásia, vitimas do Tsunami.)

Nota final: Análises posteriores ao sangue da Kika, concluíram que a minha “menina” padecia de uma terrível anemia que lhe provocava desmaios ao menor esforço.
Está assim explicado o milagre, que em principio foi obra da própria Kika, porque venceu o desmaio e posteriormente, para ela sobreviver, foi o milagre da Ciência Humana que desenvolveu o conhecimento da medicina, que inventou equipamentos, e técnicas, que permitem realizar as análises e o milagre da Natureza que cria a matéria prima para a industria Farmacêutica desenvolver os medicamentos que combatem as enfermidades.
GRAÇAS A ELES!… LOUVADOS SEJAM!….

A Kika e a Pantufa
Autor: atento

21 de Junho, 2005 Palmira Silva

100 anos de Jean Paul Sartre

«O existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as consequências duma posição ateísta coerente» Jean Paul Sartre

Completa-se hoje o centenário do nascimento de um dos pensadores mais polémicos do século XX, pelas reflexões antagónicas que ainda hoje provoca, Jean-Paul Sartre. O intelectual que melhor encarnou a figura do intelectual, o único laureado que até hoje recusou um Prémio Nobel, o da Literatura, o ateu convicto e coerente!

A «reabilitação» recente de Sartre por um dos seus maiores críticos, Bernard Henry-Lévy, no livro «Le Siécle de Sartre», reflecte a conjuntura actual em que problemas como a exclusão social, o advento de fundamentalismos sortidos, incluindo movimentos nacionalistas ou identitários, de certa forma derrubaram os paradigmas pós-existencialistas. Depois da crítica violenta à filosofia sartreana por Henry-Lévy e André Gluksmann na década de 80, assistimos agora ao regresso à ribalta da reflexão filosófica, política e ética do sujeito de Sartre: um produto do livre arbítrio e como tal destinado a ser livre e a lutar pela sua liberdade.

21 de Junho, 2005 Ricardo Alves

O ateísmo contra o espírito de rebanho

Ser ateu, por si só, não é sinónimo de ser de esquerda ou de direita, democrata ou republicano, de ter princípios éticos ou de ser um facínora. No entanto, quem lê o Diário Ateísta sabe que os ateus que aqui escrevem assumem o seu ateísmo como um ponto de vista que permite combater quer os preconceitos que as várias religiões institucionalizaram, quer a ignorância obscurantista que alimenta injustiças por esse mundo fora, quer as paixões irracionais que pretendem fomentar o ódio entre grupos.

As congregações clericais alimentam o espírito de rebanho. O pastor católico, protestante ou muçulmano que se arroga pensar em nome e em vez da multidão que o ouve, pretende arregimentar pessoas que deveriam ser livres e autónomas para os seus objectivos de poder. A submissão de um grupo à hierarquia é uma especialidade clerical, e muitas vezes prepara a manipulação identitária desse grupo por outras hierarquias e outros totalitarismos. É por isso que os fascismos, mesmo quando algo pagãos, sempre se deram bem com as igrejas, particularmente a católica.

A minha militância ateísta neste blogue pretende exactamente destruir o espírito de rebanho. Só quando cada cidadão pensa livremente, liberto dos dogmas religiosos, pseudo-científicos, ou das opiniões políticas contingentes, é que se descobre aquilo que pode unir todos os cidadãos civicamente, desligando-os das comunidades da «sociedade civil» a que se pode aderir livremente, mas que, tantas vezes, oprimem os indivíduos. A mim, a autoridade estatal não me causa problemas de maior, desde que seja democrática e republicana. Não posso dizer o mesmo de determinadas «associações da sociedade civil» em que a autoridade resulta da «palavra revelada» ou do culto da violência.

Respeito todas as pessoas, mas não determinadas ideias, como o fascismo ou o clericalismo. Quer o fascismo quer o clericalismo são manipulações identitárias que pretendem substituir a capacidade individual de pensar autonomamente pelo espírito de rebanho. São dois totalitarismos que devem ser igualmente combatidos.
20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Propaganda da morte

A morte ao serviço do fanatismo e da manipulação das emoções é um fenómeno recorrente na política e explorado de forma obscena pelas religiões.

As monarquias, sempre ligadas a uma Igreja, fazem da morte de um príncipe ou de um rei um espectáculo popular, com cenas de histerismo colectivo e mórbida comoção de multidões. A comunicação social ajuda, como se viu na morte da princesa Diana.

Em Portugal lembro-me da encenação da morte de Salazar como tentativa de oxigenar um regime que não demoraria a segui-lo num funeral que provocou alívio e explosões de alegria. Em Espanha o cadáver de Franco ainda serviu para reunir multidões fascistas e dignitários eclesiásticos na esperança de que o regime se eternizasse e os seus crimes ficassem impunes.

Já em democracia, a morte de Sá Carneiro foi instrumentalizada para alterar o sentido de voto nas eleições presidenciais que decorriam em Portugal.

Nada disto é novo. A morte é uma arma carregada de emoção. No quadrante oposto Engels apelou à luta junto ao túmulo de Marx, Lenine junto ao de Lafarge e Staline, com experiência de ex-seminarista, procedeu a uma colossal manipulação de massas no enterro de Lenine. Em França o PC fez da morte de Maurice Thorez uma gigantesca manifestação. O mesmo aconteceu em Itália com Palmiro Togliatti, na China com Mao ou, recentemente, em Portugal, com Álvaro Cunhal.

São muitos os exemplos, mas ninguém bate as religiões. O funeral do ayatola khomeini reuniu multidões de fanáticos que choraram copiosamente o sinistro dignitário islâmico. A morte de Maomé é celebrada com peregrinações gigantescas e fanatismo demente.

No cristianismo a morte do fundador é festejada todos os anos, apesar de ser incerta a data e ignorado o destino do cadáver. A ICAR, na desvairada tendência para a idolatria papal, faz da morte de cada Papa um espectáculo mórbido e uma propaganda imensa.

A agonia de JP2 foi vendida às televisões, minuto a minuto, até à apoteose da morte. A exploração do sofrimento fez lembrar os mendigos que alugam deficientes para ampliar a piedade e o óbolo dos transeuntes que dobram as esquinas de uma cidade do terceiro mundo.

O Vaticano falhou a morte em directo, o cadáver a sair do avião, o estertor perante as câmaras, mas não renunciou às multidões em Roma nem ao espectáculo montado para garantir a emoção e a propaganda para telespectadores de todo o mundo. JP2 foi o primeiro cadáver exibido e explorado, à escala planetária, como gadget promocional.

A ICAR ganhou a batalha da globalização vendendo o seu produto – a morte. B16, menos supersticioso e narcisista, mais tenebroso e calculista, dirige sub-repticiamente uma campanha de proselitismo através dos bispos, padres e idiotas úteis cujo fanatismo se assemelha ao dos talibãs.

O laicismo está em perigo. A liberdade religiosa corre perigo. A hóstia pode tornar-se de consumo obrigatório, como era o óleo de fígado de bacalhau nas escolas de há meio século. Deus morreu mas a santa mafia, incapaz de arranjar um produto novo, tudo fará para o impor, não olhando a meios.

É preciso estar atento.

20 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e a moral

Tenho para mim que a «moral» é a ciência dos costumes e que a humanidade, no seu progresso constante, se tem tornado mais exigente e justa à medida que a diversidade se afirma, a instrução se democratiza e as religiões recuam.

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), frequentemente referida no Diário Ateísta, está longe de ser a pior. Há pior, infelizmente. Apenas conseguiu ser a pior de Portugal durante oito séculos e meio por não ter deixado medrar outras.

Até se compreende que a ICAR, como fenómeno empresarial de sucesso, perdidas as armas repressivas, desabituada da tortura e esquecidos os autos de fé, procure a via legal, ganhando na secretaria, com o Estado, o que perdeu com a deserção dos créus.

Em Portugal, o ultraje à liberdade e à igualdade de todas as crenças tem origem na Concordata negociada nas alfurjas do poder por prelados sonsos e governantes pios. Sempre que se concedem privilégios alguém ganha e alguém perde e a Concordata é a capitulação do Estado, dito laico, perante a última teocracia europeia – o Vaticano.

A ICAR gosta de apresentar-se como defensora da moral e dos bons costumes, apesar da sordidez do seu passado e das misérias do presente. Nos últimos tempos o divórcio, o aborto, a eutanásia e os casamentos homossexuais fazem parte da sanha persecutória da última ditadura europeia.

O Vaticano esqueceu a facilidade com que no passado anulou casamentos em que único obstáculo era o custo da decisão, só ao alcance dos muito ricos.

Mas há um episódio interessante da nossa História que convém lembrar. A Igreja que se baseia na Bíblia, onde o incesto e outros crimes aparecem com natural condescendência é a mesma igreja que abençoa o adultério e incensa os adúlteros.

Quem passar por Alcobaça vá ver os magníficos túmulos de D. Pedro e D. Inês, junto ao altar-mor, para mais facilmente os amantes se encontrarem face a face, no dia de juízo final, quando no Vaje de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, o criador do Céu e da Terra vier julgar os vivos e os mortos.

D. Pedro preferiu a bela Inês à rainha D. Constança, teve quatro filhos da adúltera, e a Santa Madre Igreja sepultou os amantes juntos, para gozarem as delícias da eternidade junto ao altar-mor do convento de Alcobaça, perante a indiferença de Deus e a cumplicidade dos padres.

Boa gente.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Crucificação exorcista

A freira romena que morreu na sequência de um exorcismo mal sucedido, conduzido pelo padre Daniel com ajuda de quatro freiras, sofria de esquizofrenia, condição que os piedosos membros do clero acharam ser indicação concludente da sua possessão pelo mafarrico.

O padre Daniel, acusado de ser o responsável pelo crime, declara que não tem nada de que se arrepender: «Deus realizou um milagre com ela e finalmente a Irina foi libertada do mal». Claro que o pequeno pormenor de a infeliz freira de 23 anos ter sido também «libertada» da vida é irrelevante para o devoto padre, certamente mais preocupado com a salvação da alma que a preservação de uma vida tão maculada pelo demo.

O padre acrescentou ainda que «Não percebo porque razão os jornalistas estão a dar destaque a isto. O exorcismo é uma prática comum no coração da Igreja Ortodoxa Romena e os meus métodos não são de todo desconhecidos dos outros padres».

Considerando os métodos utilizados é de perguntar quantos mais infortunados com doenças do foro psicológico terão sucumbido nas mãos destes exorcistas!