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«O que pensa Alá da Europa?», por Chahdortt Djavann

No actual contexto internacional, poucas mulheres ex-muçulmanas têm a coragem de militar publicamente contra a opressão a que a religião islâmica condena as mulheres. Uma delas, já muitas vezes aqui referida no Diário Ateísta, é a ateia somali Ayaan Hirsi Ali (ler ali o resumo de uma entrevista recente). Outra, é a iraniana Chahdortt Djavann, da qual foi publicado recentemente o livro «O que pensa Alá da Europa?» (da mesma autora, já fora publicado «Abaixo os véus!»).
Neste seu último livro, Chahdortt Djavann contribui para o debate sobre a lei francesa que proíbe os símbolos religiosos ostensivos desmontando os argumentos pró-véu com desassombro e eficácia.
É impiedosa com os «intelectuais europeus» e os «sociólogos “compassivos”», que acusa de serem em parte ingénuos e em parte cúmplices. Obecados com a «identidade cultural» e o «multiculturalismo», estes intelectuais chegam a comparar o piercing e o umbigo ao léu ao uso do véu. Como nos diz, a diferença é que «nenhum regime obrigou à força de kalachnikov a totalidade das mulheres de um país a usar o umbigo ao léu (…) ao passo que o véu (…) é imposto a centenas de milhões de mulheres no mundo inteiro». Djavann recorda àqueles que afirmam que o véu é uma «expressão da liberdade individual», que o véu é «o emblema do sistema islamita», «o símbolo que permite toda a violência e toda a barbárie em relação às mulheres», que as transforma num «atractivo sexual» e «[num] bem exclusivamente reservado aos homens muçulmanos». A nossa autora acrescenta que as raparigas que aparecem na televisão a defender o seu véu como «uma escolha individual» são incapazes de condenar sem ambiguidades atentados às liberdades individuais como a lapidação de mulheres adúlteras. Só não percebe quem não quer: o véu não é só o véu, é o símbolo e a arma de todo um sistema de opressão social e sexual das mulheres.
A autora, que nunca se assume como ateia mas que o sugere ao escrever várias vezes «Alá, se existe (…)», é implacável na denúncia do Islão fundamentalista. Conforme explica, um sistema como o Islão, em que se é livre de entrar, mas em que a saída (a apostasia) é punida com a pena de morte, é um sistema totalitário. Chahdortt Djavann é portanto muito dura com uma religião e uma cultura que, afirma, só poderá evoluir se separar o pensamento filosófico do pensamento religioso. De particular interesse são as páginas que dedica aos islamitas radicados na Europa, que acusa de não quererem saber dos muçulmanos, explorados laboralmente e excluídos socialmente, pois a preocupação exclusiva desses islamitas é o avanço do Islão na sua versão mais integrista. Argumenta que estes islamitas estão em convergência objectiva com a extrema direita lepenista, algo com que não posso deixar de concordar.
Num livro de 74 páginas, escritas de forma escorreita e apaixonada, Chahdortt Djavann denuncia o racismo oportunista de alguns e defende a integração numa democracia laica dos imigrantes de cultura muçulmana (que, na sua maioria, nem serão muito praticantes da sua religião de origem), apostando, subentende-se, em que na Europa possa surgir um islão que desequilibre o fanatismo dos países de origem.
São poucas as mulheres com esta coragem. Convém ouvi-las.
(«O que pensa Alá da Europa», por Chahdortt Djavann. Editorial Teorema, 2005, 74 páginas.)