Loading

O padre Serras Pereira

O anúncio pago (1386 euros) do padre Nuno Serras Pereira já fez correr imensa tinta e, tão cedo, não se apagarão os ecos da devota catequese do santo asno franciscano. Os dislates eram canónicos, a intolerância obedecia à mais sã tradição católica, a ignorância era adequada ao múnus e a intenção era pia.

Então o que levou alguns meios eclesiásticos a reagir com incómodo e fingida vergonha a um texto cuja ortodoxia é inatacável e que faria as delícias do Papa JP2? Não foi o português rudimentar em que se exprimiu, a pontuação anárquica que usou ou a ignorância de quem chama «crio perseveração» à «crio-preservação». Também não foi certamente o ataque às leis da República quando a ICAR aconselha os seus membros a revoltarem-se contra a democracia sempre que esta desobedeça à lei de Deus, seja isso o que for.

O que exasperou a hierarquia eclesiástica foi o facto de semelhantes despautérios serem um direito episcopal, usurpado por um simples padre, a publicidade escrita substituir o que se deve dizer nos confessionários e nas missas, na ausência da comunicação social, e o exagero da retractação pública pelas mulheres que tomam a pílula, usam DIU ou praticam a contracepção. Não que lhes não desse gozo ver as mulheres humilharem-se em público, não que não fosse uma prática com excelentes tradições católicas, não que os não excitasse, sob o manto da sotaina, a confissão pública dos pecados e a sua descrição pormenorizada. O problema de tal prática é o efeito contraproducente e o estímulo sexual que produz em vez da castidade que pretende.

Com a eucaristia em queda, as legítimas exigências canónicas podem tornar-se um prejuízo para o negócio e afastar a clientela. É por isso que, nos próximos dias, vamos assistir à suavização da doutrina e à insinuação de que o padre Serras Pereira vai ser admoestado.

A ICAR está disposta a sacrificar algumas verdades com receio de fechar as portas.