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Dia: 23 de Fevereiro, 2005

23 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

A verdadeira Ideologia do Mal

Foi publicado hoje o novo livro do Papa, «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», que mereceu ondas de protesto da comunidade judaica pela comparação entre o aborto e o Holocausto. A dimensão do disparate, que iguala um dos maiores horrores da História da Humanidade e a recusa de um dogma da Igreja de Roma, é tal que o Cardeal-arcebispo de Colónia, Joachim Meisner, que fez a mesma comparação, já apresentou as suas desculpas à comunidade judaica pela comparação.

Claro que o Papa não se retractou e na conferência de Imprensa de ontem, o Cardeal Joseph Ratzinger afirmou que as críticas das comunidades judaicas são infundadas já que o Papa «não tentou colocar o Holocausto e o aborto no mesmo plano» mas apenas avisar que o mal é omnipresente «mesmo em sistemas políticos liberais». O que é um pouco difícil de acreditar já que o papa compara a legislação que permite o aborto ao Holocausto e afirma que ambos surgiram quando os governos decidiram usurpar a «lei de Deus»!

O pio Papa aproxima-se cada vez mais do Pio IX que beatificou e parece comungar não só do horror à democracia como à liberdade de opinião e expressão. Assim, depois de no livro ter advertido para os perigos da democracia fora dos auspícios do Vaticano e das «leis divinas», ataca os meios de comunicação numa Carta Apostólica de 20 páginas, apresentada na segunda feira. Meios de comunicação que considera precisarem urgentemente da «redenção de Cristo». E onde propõe que «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação», isto é, promove a tão católica tradição da censura. Na apresentação da carta, o bispo Renato Boccardo disse que grande parte dos media enfermava de um «processo degenerativo» em que os valores cristãos eram ignorados. Ou seja, entre outras degenerações, como aceitarem a liberdade de expressão e de opinião, não se coibem de ir contra a opinião do Vaticano exibindo filmes e programas considerados «imorais» pela Igreja.

Talvez estes programas façam parte dos tais «padrões culturais negativos» difundidos pelo Ocidente, que o Papa critica no seu livro, que o preocupam especialmente pela possível «contaminação» dos países da Europa de Leste juntamente, claro, com os casamentos homossexuais, parte destacada do que considera uma «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade.

Pessoalmente considero a verdadeira «ideologia do mal» as prosas emanadas do Vaticano, nomeadamente estas que negam as liberdades fundamentais da cidadania, que menosprezam e banalizam o Holocausto comparando-o com o não acatar dos dogmas da Igreja, que querem no fundo voltar a escravizar a Humanidade aos ditames de uma Igreja autocrática e autoritária que se considera dona e senhora da verdade e criminosos malvados os que não aceitam essas verdades!

23 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

Falemos, claro

O Diário de Notícias revela-nos um grande defensor da moral e dos bons costumes, o senhor João de Mendia que, a fazer coro com o senhor João César das Neves, torna aquela publicação num órgão propagandístico da ICAR.

O artigo de opinião do senhor Mendia está cheio de bonitas pérolas que merecem ser largamente divulgadas. A primeira é esta: «Dois mil anos antes de Marx, Lenine, Estaline, Mao, Engels, Pol Pot, ou mesmo Robespierre, Descartes ou até do dr. Arnaut, já tinha havido Alguém que veio dar sentido à Humanidade, fazendo dela uma comunidade de homens livres, esses, sim, verdadeiramente livres, onde cada um deles, se quiser, pode ser bom e justo. Suponho que este «Alguém» seja uma personagem que dá pelo nome de Jesus de Nazaré e que, segundo dizem, andou a espalhar uma mensagem de paz e amor universal, percursora do movimento hippie dos anos 60. Se essa era realmente a mensagem daquela personagem, foi completamente adulterada por uma organização que dá pelo nome de Igreja Católica Apostólica Romana e cuja filosofia e valores são bem conhecidos do leitor.

Mas, continuemos. «E a liberdade, a verdadeira liberdade, está exactamente nisto se quiser. É o amor, a fé e uma dimensão sobrenatural acima dos homens que Deus propõe, e nós aceitámos. Não aquela limitação um tanto farisaica a que chamam “direitos do homem” onde este é o princípio e o fim de tudo. E não é». Pois é, os direitos do Homem – que incluem as inalienáveis dignidade da pessoa, liberdade e igualdade -, são considerados limites hipócritas pelo autor do artigo. Isto em nome de uma vã quimera que apenas confere a respeitabilidade do Homem depois da morte e se não for parar ao fogo do Inferno.

No entanto, a opinião do senhor João de Mendia não versa sobre os direitos do Homem e a sua natureza mais ou menos farisaica. Versa, isso sim, sobre um mal muito maior do que a luta pela dignidade da pessoa humana: a Maçonaria. «A propósito da atitude do PR, a meu ver infeliz, grave e insultuosa, e o sequente aproveitamento do GOL aquando da cerimónia maçónica na Basílica da Estrela que precedeu o enterro do dr. Nunes de Almeida». O dr.Nunes de Almeida não era católico, era maçon e, pela sua posição de destaque, como juiz do Tribunal Constitucional, o funeral de Estado obrigou a que as cerimónias fúnebres fossem realizadas naquela igreja.

Continuando, «sua Eminência recordou, de forma acessível e inequívoca, a posição da Igreja face à Maçonaria. Esta posição do sr. D. José Policarpo não pode, nem deve, ser interpretada como reacção, se bem que legítima, da hierarquia da Igreja aos constantes e cada vez mais insistentes ataques que lhe vêm sendo feitos pela Maçonaria, mas tão-só, e a propósito daquele grave insulto, muito grave, para relembrar aos fiéis da sua definitiva e total incompatibilidade com qualquer obediência maçónica». Que ataques têm sido perpetrado pela maçonaria aos desígnios da ICAR não sabemos, mas suponho que seja algo de altamente conspirativo integrado num plano mais lato de dominação global. Quanto à total incompatibilidade com obediências maçónicas, ela só se verifica de um lado: se a ICAR não permite aos seus membros a participação na Maçonaria, o inverso já não é verdadeiro.

O senhor Mendia, muito vexado na sua consciência católica, afirma que o dr. Arnaut, grão mestre do Grande Oriente Lusitano não podia ter menos razão ao ter dito que «determinado bispo de Lisboa teria sido um destacado maçon», especialmente porque «não se sabe por que regras se regem os maçons, dizer que esta ou aquela personalidade é da Maçonaria só passaria a ser crível quando os nomes de todas as outras passarem a ser públicos». De qualquer maneira, para Mendia, o dr. Arnaut só tem razão «para os maçons, mas é disso que quase todos nos andamos a queixar há 200 anos». De facto, há duzentos anos há muita gente a queixar-se da defesa da igualdade, da fraternidade e da liberdade, valores caros não só à Maçonaria mas a qualquer cidadão minimamente consciente.

Após uma onda de verborreia contra o grão-mestre do Grande Oriente Lusitano e da espiritualidade que existe numa cerimónia fúnebre maçónica, encontramos esta pérola «Não se entende, igualmente, onde estará o espiritual numa organização furiosamente ateia e materialista como a Maçonaria». Não sei onde é que se foi buscar o ateísmo. Que eu saiba, não é condição para ingresso na organização em causa a recusa de um ser supremo. Na verdade, a ideia do Grande Arquitecto tem o seu quê de espiritual e de algo de divino.

Finalmente, o senhor Mendia fala no caso do padre Lereno que, indo contra a lei, falou aos fiéis, não só da sua igreja, como afirma o autor do texto, mas também os que o ouviam na rádio, «sobre os perigos reais de se poder estar a votar, nestas eleições de Fevereiro, em partidos que têm nos seus programas propostas contrárias ao preceituado pela Igreja em relação à sua doutrina e fé». Alertou e alertou bem, segundo o senhor João, «para a defesa da vida contra a cultura de morte que alguns partidos querem ver generalizada na vida portuguesa. Não só fez bem como tinha a estrita obrigação de o fazer». Independentemente de ser a favor ou não da despenalização do aborto ou do suicídio assistido, o padre de Lisboa, no exercício das suas funções, induziu os eleitores a não votarem em determinados partidos políticos. A última pérola é de morrer: «O Estado deverá ser neutro, com certeza, mas o Estado tem pessoas lá dentro. E essas pessoas, graças a Deus, em Portugal, há 900 anos que são quase todas católicas». Ora, então, o princípio da laicidade do Estado é completamente ignorado por João de Mendia que, pelos vistos, ainda não se deu conta que vivemos num Estado de Direito Democrático há trinta anos e que a carcaça de Salazar já teve tempo de se transformar em pó.

Deste artigo de opinião podemos retirar algumas conclusões:
1. Que a Igreja Católica está a reabrir as hostilidades contra a Maçonaria, como a Palmira já tinha comentado num texto publicado neste Diário;
2. Que a Igreja Católica continua a arrogar-se como defensora de uma moral suprema;
3. Que a laicidade do Estado é ignorada por muitos católicos com alguma influência no espaço público.

23 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A canonização de Nuno Álvares Pereira

Como o Diário Ateísta tinha previsto, e escrito, estava encomendado o milagre para elevar o beato Nuno Álvares Pereira à santidade. Desta vez não é de borla, precedente aberto para com os pastorinhos de Fátima, mas será fácil ressarcir a Igreja portuguesa do numerário esportulado por tão boa causa com a venda de artigos religiosos. O novo santo, não sendo conhecido no ramo, é todavia muito popular, como herói, nos manuais escolares do ensino básico.

Em rigor, segundo afirmou o patriarca Policarpo, que tem muito mais confiança nos santos cuja vida se esqueceu, do que naqueles cujas patifarias ainda estão frescas, Nuno Álvares Pereira não precisava de obrar nenhum milagre, pois já é considerado santo pelo povo português há mais de 200 anos, o que lhe permitiria a elevação administrativa.

Mas sabe-se como a ICAR é exigente nesta questão dos milagres. Ou há milagre a sério ou vai-se a santidade. Neste caso apareceram em pouco tempo sete milagres, ramo a que o Beato Nuno nunca se tinha dedicado. Durante séculos esteve a apodrecer inutilmente sem aliviar um desgraçado de uma moléstia para se redimir dos castelhanos que matou sem zelo religioso, na defesa de vários condados e numerosas mordomias que a vitória em Aljubarrota lhe granjeou.

Assim, no próximo mês de Março, dos «sete possíveis milagres» vai ser enviado o que a Congregação para as Causas dos Santos escolheu, por ser mais fácil de provar. Trata-se do processo de cura do olho esquerdo (se fosse o direito tinha o mesmo valor) de uma mulher residente em Ourém, que ficou queimado com óleo que saltou de uma frigideira a ferver. Já existem vários documentos médicos que confirmam a doença e a cura, «inexplicável segundo a ciência», de acordo com o descaramento da ICAR.

Apostila 1 – A Ordem dos Médicos e o Ministério Público não investigarão eventuais falsas declarações.

Apostila 2 – A Associação de Produtores, Exportadores e Vendedores de Azeite (APEVA), apesar do azedume por o milagre ter tido origem com óleo, desiste de reivindicar a queimadura com azeite, para não atrasar a elevação do Condestável à santidade.

23 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

Não ao monopólio

O Supremo Tribunal de Justiça alemão considerou improcedente o pedido da diocese de Karlsruhe que reclamava a proibição do título da colecção «Pro Fide Catholica», de uma editora bávara que publica livros críticos para a Igreja. Nesta colecção publicaram-se livros como «Karol Woityla als Familienvater» («Karol Woityla como pai de família») e «Falsche und Echte Papstweissagungen» («Predições papais verdadeiras e falsas»).

Aquele tribunal superior decidiu que a Igreja apenas tem o direito de reivindicar o uso da palavra «católico», tanto em alemão como em latim, quando esta é referida à denominação de instituições e a actos eclesiásticos.

Assim, os juízes entenderam que a ICAR não tem o monopólio sobre o termo em questão. Portanto, na Alemanha, poder-se-á recorrer à designação «católico» à vontade sem correr o risco de se ser perseguido judicialmente por «violação da marca registada».