Loading

O Diário Ateísta e os seus críticos

Face ao artigo «Ainda a respeito do Diário Ateísta» de Filipe Alves, publicado na Terra da Alegria, blogue que integra o segmento da Teosfera do DA, dado que me refere expressamente repetidas vezes, apraz-me esclarecer e comentar algumas afirmações, de forma sucinta:

1 – O nome, Carlos Esperança, corresponde efectivamente ao «blogger» cuja foto, idade e morada aparecem clicando no nome que se encontra na lista de colaboradores do DA e é o mesmo que deu a entrevista à Agência Lusa sobre a criação da Associação Ateísta Portuguesa de que é activista.

2 – O Diário Ateísta (DA) existe baseado na liberdade de expressão, direito recente em Portugal, aparecido há 30 anos sobre os escombros de uma ditadura cuja longevidade a cumplicidade da ICAR prolongou. Convém referir que o ensino da religião católica era obrigatório nas escolas do Estado e a sua prática severamente exigida e fiscalizada pelos Directores das Escolas do Magistério aos futuros professores.

3 – Na opinião de Filipe Alves, o DA integra pessoas «moderadas e bem educadas», donde parece excluir-me, mas, na sua diversidade, o DA não inclui ninguém que não aceite a «Declaração Universal dos Direitos Humanos», frequentemente postergada por todas as religiões, como um conjunto de princípios que é dever observar.

4 – Não tenho legitimidade para falar em nome do DA, mas, na qualidade de ateu praticante e militante, garanto que me empenho para que os homens e mulheres de todo o mundo possam abraçar qualquer religião, tenham a permissão de mudar e o direito de não professarem qualquer uma.

5 – A violência que atribuo às religiões baseia-se na perseguição e penas infligidas aos que as abandonam ou que as não praticam de acordo com a vontade do clero. A apostasia e a blasfémia são «crimes» exclusivamente de natureza religiosa que todos os credos se esforçam por criminalizar e que só a vitória da laicidade subtraiu ao braço da lei. Mas, de violência, estão a Tora, a Bíblia e o Alcorão cheios.

6 – Não pretendo «converter» ninguém ao ateísmo. O proselitismo é uma tara exclusiva da evangelização a que as religiões se dedicam. Chegam ao ponto de baptizar crianças recém-nascidas sem o mínimo respeito pela autodeterminação religiosa das pessoas, entrando em concorrência pela hegemonia, sem hesitarem no recurso à guerra. Não falo da Idade Média, falo do milénio que há pouco começou, da Europa, do catolicismo, do islão, do protestantismo e da Igreja Ortodoxa.

7 – Dizer que não há publicações católicas fundamentalistas é ignorar centenas de publicações paroquiais que pululam pelo país e cuja leitura faz corar de vergonha qualquer crente urbano ou alfabetizado. Falo de publicações actuais e não no diário «Novidades», órgão do patriarcado de Lisboa que desapareceu após o 25 de Abril. Podia ainda referir as posições do poderoso cardeal Joseph Ratzinger da cúria romana.

8 – Reconheço que também há crentes tolerantes mas, apesar da linguagem vigorosa que uso, fui incapaz de referir às autoridades democráticas o padre da Covilhã que em 1961 me denunciou à PIDE e era incapaz de ficar indiferente à prisão ou ao assassinato de um crente. Ao contrário, a Igreja portuguesa silenciou crimes desses, cometidos durante a ditadura, com a excepção honrosa de um único bispo, António Ferreira Gomes, que pagou com o exílio a honradez.

9 – A tolerância existe mais nas atitudes do que nas palavras. Pode considerar-se tolerante uma igreja que exige uma concordata que reserva para si privilégios que nega às outras religiões? Que pretende servir-se das escolas públicas para se promover? Que reservou direitos para a sua Universidade que nenhuma outra, particular, possui?

10 – Acerca de Deus, sobre quem os crentes fazem recair a suspeita de ter criado o mundo, não há o mais leve indício da sua existência nem o mais insignificante esforço da sua parte para provar que, depois disso, tenha feito o que quer que seja. Assim, não é possível provar a sua não existência mas cabe-lhe a ele fazer prova de vida.

Correcção – «A religião quer-se como o sal na comida, nem de mais nem de menos» são palavras de António Alves Martins, bispo de Viseu no reinado de D. Luís, palavras frequentemente apagadas da sua estátua, durante a ditadura salazarista, e de novo repostas clandestinamente por anónimos. Para mim, a religião está como o sal para os hipertensos – a mais pequena dose é prejudicial, mas o bispo acreditava em Deus. Ninguém é perfeito.