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O Kitsch religioso da semana

Esta pequena maravilha encontra-se na minha modesta colecção de kitsch religioso. Trata-se um abridor de cartas em versão de «espada de cruzado».

Durante as férias estive nos Picos de Europa no norte de Espanha. Trata-se de uma zona fidelíssima ao credo católico. Aliás, a bandeira das Astúrias inclui a cruz e as letras que a denunciam como cruz católica. E claro, quem vai aos picos, aproveita para visitar o santuário de Covadonga a caminho do lago Enol.

Diz a história, que foi naquele lugar que Pelayo, rei das Astúrias, aí teve uma visão da virgem que lhe ordenou recomeçar a reconquista. O santuário tresanda a militarismo…

Desde os cartazes evocativos, que falam em «combate espiritual», a «espada da fé», etc, naquela linguagem já esquecida da mente da maioria dos católicos de hoje. Pelayo nem sequer foi original. A tradição de iniciar guerras e conquistas com visões e revelações divinas era já no seu tempo, uma velha tradição que remonta ao império romano (hei-de falar sobre isso em futuros posts) e que culminou na adopção do cristianismo como religião de estado.

Hoje, a aristocracia espanhola «pelasse» pelo santuário. Os reis de Espanha visitam-no frequentemente e o jovem Delfim e a sua esposa, depois do seu casamento foram fazer uma obrigatória visita. Os reis de Espanha consideram-se herdeiros de Pelayo e parte de uma linhagem com uma relação especial com Deus. Mas vendo as figuras eclesiásticas e obscuras que orbitam à volta do Palácio da Zarzuela, ficamos com dúvidas sobre a capacidade religiosa da monarquia espanhola de lidar com a democracia e a tolerância.

Mas eis-me em Covadonga. Cometi o erro de levar uma t-shirt com dizeres ateístas em inglês e comecei logo a ter companhia. Discreta, mas que ao ler as palavras «Support science, not supersticion» ficou com uma expressão psicopata. Não há inocentes em terras de Espanha. Ao lado da cueva propriamente dita, numa escadaria encontrei uma deliciosa boutique com lembranças. E foi lá que comprei esta espada, que passei a chamar de «a minha espada espiritual», lembrando-me da histeria espiritual que os livros do Paulo Coelho geraram à volta de Santiago de Compostela (ainda me lembro de espanhóis e portugueses que consultavam «O Diário de um Mago», como certos pastores protestantes consultam a bíblia, para saber a vontade de Deus. Depois de uma oração ou meditação, de olhos fechados abriam o livro e onde o dedo caísse, procuravam a verdade…). A espada é de aço barato, com um selo encastrado na lâmina, em alumínio com a efígie da santa. No topo a coroa lembra ao fiel dos lideres da reconquista.

É com agridoce ironia, que ao abrir a minha correspondência, imagino um burocrata franquista, repetindo os meus movimentos, com a sua espadinha igual abençoada pelo bispo, que ao violar a correspondência alheia, se achava a realizar uma reconquista e a ser um «cavaleiro da fé».

As espadas converteram-se em abridores de cartas. Os monges guerreiros em burocratas.

Continuaram mortais.

Post Scriptum:

Depois de escrever este post fiquei a matutar porque é que o raio do selo da santa é em alumínio. E cheguei a uma hipótese interessante: para fazer um milagre.

O alumínio têm um potencial de passivação extremamente elevado, por outras palavras, oxida-se muito rapidamente. Tão rapidamente que cria uma camada protectora de óxido de alumínio à sua volta impedindo a entrada de mais oxigênio, à semelhança do ouro. Ora, o aço onde o escudo está cravado oxida-se mais lentamente, permitindo que o oxigênio se infiltre e enferruje o aço. Ou seja…

Enquanto a lâmina enferruja, o escudo da virgem mantêm o seu aspecto virginal. Para o ignorante, isto toma a aparência de um milagre ou de uma protecção divina.

Afinal Deus encontra-se nos pequenos pormenores!