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Concordata não serve

O EXPRESSO de hoje, edição antecipada por causa do feriado, publica em «Correio Azul», com o título em epígrafe, um texto da minha autoria, já editado neste «Diário» com redacção ligeiramente diferente.

Assinalo em itálico o parágrafo não publicado.

O mundo árabe é um exemplo trágico da promiscuidade entre o sagrado e o profano, o que deveria evitar fenómenos de regressão no processo de secularização que se verificou nos países ocidentais e, em particular, na Europa.

É por isso que a Concordata, negociada entre Portugal e a Santa Sé, assume foros de anacronismo. Não se sabe o que ganhará o Estado democrático com ela e sabe-se o que ganhou a ditadura e perdeu a Igreja com a de 1940, para não falar do que ganharam outras ditaduras com idênticas concordatas.

A religião não se impõe por tratados nem a propagação da fé se confia aos Estados. A Concordata, não pode ser um tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um país a que a Cúria trace o meridiano.

Esta revisão fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela. Acresce que é difícil harmonizar-se com a lei geral na medida em que a Igreja católica apostólica romana (ICAR) exige tratamento especial no que lhe diz respeito e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento.

Por ser bizarro, cite-se o n.º 2 do Art. 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio». Imagine-se que, por dever de reciprocidade, havia um n.º 3 com esta redacção: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Ou ainda o n.º 5 do Art. 9, onde se lê: «A Santa Sé declara que nenhuma parte do território da República Portuguesa dependerá de um bispo cuja sede esteja fixada em território sujeito a soberania estrangeira». Será a forma ínvia que o Estado Português encontrou para reconhecer a soberania espanhola a Olivença?

É minha firme convicção de que esta concordata não serve e outra não é precisa.

Talvez só o facto de ter sido assinada apenas entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano nos tenha poupado à primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».