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Dia: 17 de Setembro, 2012

17 de Setembro, 2012 Carlos Esperança

ANÁLISE LAICISTA DA CONCORDATA (4 DE 5)

Por

João Pedro Moura

Artigo 19

1. A República Portuguesa, no âmbito da liberdade  religiosa e do dever de o Estado cooperar com os pais  na educação dos filhos, garante as condições necessárias para assegurar, nos termos do direito  português, o ensino da religião e moral católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de discriminação.

Não concordo! De modo nenhum!
A escola do Estado não é local de profissão religiosa ou filosófica particular!  O Estado tem de ser laico, portanto, neutro, em tais matérias!
Porque o Estado é a expressão política duma comunidade pluralista em matéria religiosa e filosófica. Por isso, não tem que facultar meios seus para a propaganda duma certa concepção de “deus”, defendida por uma associação religiosa.     E muito menos ser o Estado a pagar a essa gente para professarem numa escola pública! Que desaforo! Que prebenda!
Quem quiser religião que a compre! Que vão aos sítios onde ela está e se professa!     O Estado não tem nada que ver ou a haver da religião!

2. A frequência do ensino da religião e moral  católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior depende de declaração do interessado, quando para tanto tenha capacidade legal, dos pais ou do seu representante legal.

Há cada vez menos alunos de Educação Moral e Religiosa Católica, o nome de tal disciplina na escola…

… Seguindo, de resto, a decadência do catolicismo…

3. Em nenhum caso o ensino da religião e moral católicas pode ser ministrado por quem não seja considerado idóneo pela autoridade eclesiástica competente, a qual certifica a referida idoneidade nos termos previstos pelo direito português e pelo direito canónico.

Claro! Suas eminências escolhem o professor da doutrina. O Estado paga.

4. Os professores de religião e moral católicas são nomeados ou contratados, transferidos e excluídos do exercício da docência da disciplina pelo Estado de acordo com a autoridade eclesiástica competente.

A Igreja nomeia e o Estado paga!

 5. É da competência exclusiva da autoridade eclesiástica a definição do conteúdo do ensino da religião e moral católicas, em conformidade com as orientações gerais do sistema de ensino português.

Sim, sim! Decerto que não seria o Estado a definir tal
conteúdo…

Artigo 20

1. A República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de constituir seminários e outros estabelecimentos de formação e cultura eclesiástica.

Certamente! Faz parte da liberdade religiosa…

 2. O regime interno dos estabelecimentos de formação e cultura eclesiástica não está sujeito a fiscalização do Estado.

Mau! Então, é só sacar do Estado??!!  Não se pode fiscalizá-los?! Às vezes… podia-se apanhar por lá uns  pederastas…

 3. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos obtidos nos estabelecimentos de formação e cultura eclesiástica é regulado pelo direito português, sem qualquer forma de discriminação relativamente a estudos de idêntica natureza.

Isto é: a IC forma os padres e, depois, lança-os na concorrência, com os mesmos efeitos civis, quero dizer, com o reconhecimento da matéria “científica” leccionada…
Ainda gostava de saber o verdadeiro alcance deste parágrafo!…

Artigo 21
1. A República Portuguesa garante à Igreja Católica e às pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos dos artigos 8 a 10, no âmbito da liberdade de ensino, o direito de estabelecerem e orientarem escolas em todos os níveis de ensino e formação, de acordo com o direito português, sem estarem sujeitas a qualquer forma de discriminação.

Já começo a perceber o verdadeiro alcance!…Temos aqui ovos da serpente clericalista…  … Com esta, posteriormente, a deslizar subrepticiamente… e a alimentar-se do cofre do Estado…
2. Os graus, títulos e diplomas obtidos nas escolas referidas no número anterior são reconhecidos nos termos estabelecidos pelo direito português para escolas semelhantes na natureza e na qualidade.

Claro! A “ciência religiosa” é uma ciência igual às outras…

3. A Universidade Católica Portuguesa, erecta pela  Santa Sé em 13 de Outubro de 1967 e reconhecida pelo Estado português em 15 de Julho de 1971, desenvolve a sua actividade de acordo com o direito português, nos ternos dos números anteriores, com respeito pela sua especificidade institucional.

 Lá vêm outra vez as erecções!… A especificidade dessa erecção institucional também tem f***** o erário público…

Artigo 22

1. Os imóveis que. nos termos do artigo VI da  Concordata de 7 de Maio de 1940, estavam ou tenham sido classificados como «monumentos nacionais» ou como de «interesse público» continuam com afectação7 permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e restauro de harmonia com plano estabelecido de acordo com a autoridade eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na direcção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo Estado.

Estejam à vontade. O Estado paga as obras nas igrejas, mas esta cobra e guarda para si o dinheiro das visitas…

2. Os objectos destinados ao culto que se encontrem em algum museu do Estado ou de outras entidades públicas são sempre cedidos para as cerimónias religiosas no templo a que pertenciam, quando este se ache na mesma localidade onde os ditos objectos são guardados. Tal cedência faz-se a requisição da competente autoridade eclesiástica, que vela pela guarda dos objectos cedidos, sob a responsabilidade de fiel depositário.

Certamente! O que for de despesa, o Estado paga e guarda os objectos. Quando os senhores quiserem os objectos é só dizerem…

3. Em outros casos e por motivos justificados, os responsáveis do Estado e da Igreja podem acordar em ceder temporariamente objectos religiosos para serem usados no respectivo local de origem ou em outro local apropriado.

Artigo 23

1. A República Portuguesa e a Igreja Católica declaram o seu empenho na salvaguarda, valorização e fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de pessoas jurídicas canónicas reconhecidas, que integram o património cultural português.

Não! À IC o que é da IC! Ao César o que é do César!

2. A República Portuguesa reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos deve ser salvaguardada pelo direito português, sem prejuízo da necessidade de a conciliar com outras finalidades decorrentes da sua
natureza cultural, com respeito pelo princípio da cooperação.

Aqui a “cooperação” é o Estado beneficiar a IC… descaradamente, sob o manto diáfano da concordata…

3. As autoridades competentes da República Portuguesa e as da Igreja Católica acordam em criar uma Comissão bilateral para o desenvolvimento da cooperação quanto a bens da Igreja que integrem o património cultural  português.

Idem…

4. A Comissão referida no número anterior tem por missão promover a salvaguarda, valorização e fruição dos bens da Igreja, nomeadamente através do apoio do Estado e de outras entidades públicas às acções necessárias para a identificação, conservação, segurança, restauro e funcionamento, sem qualquer forma de discriminação em relação a bens semelhantes, competindo-lhe ainda promover, quando adequado, a celebração de acordos nos termos do artigo 28.

Estais a ver um exemplo de “cooperação”, como eu a defini acima?!…

Artigo 24

1. Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto afecto ao culto católico pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, a não ser mediante acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e por motivo de urgente necessidade pública.

Concordo! Está dentro dos princípios de propriedade, liberdade e responsabilidade que eu defendo.

2. Nos casos de requisição ou expropriação por utilidade pública, será sempre consultada a autoridade eclesiástica competente, mesmo sobre o quantitativo da indemnização. Em qualquer caso, não será praticado acto algum de apropriação ou utilização não religiosa sem que os bens expropriados sejam privados do seu carácter religioso.

Correcto.

3. A autoridade eclesiástica competente tem direito de audiência prévia, quando forem necessárias obras ou quando se inicie procedimento de inventariação ou classificação como bem cultural.

Sim, mas isso de obras e inventariações é lá com a IC…

17 de Setembro, 2012 José Moreira

Humor de Verão – O Sequestro

O comboio seguia, suavemente, a sua marcha. Lentamente, se considerarmos que é lenta uma velocidade de setenta quilómetros à hora para um Alfa Pendular (…) A calma, uma calma densa, espessa, quase palpável, tinha-se instalado, silenciosamente, no interior das carruagens. Uns entretinham-se a ler, outros a mandar mensagens pelo telemóvel, aquele ali atreveu-se a ler o “Memorial do Convento”, e dava gosto vê-lo a avançar e a recuar as páginas, numa atitude de quem não tinha percebido nada do que tinha acabado de ler (…) Alguns passageiros chegavam ao ponto de criar empatia com os assaltantes, com quem dialogavam. Casos curiosos se passaram, curiosos e dignos de registo, como aquela senhora, de saia cinzenta até abaixo do joelho que, mesmo junto ao “Padre Inácio”, desfiava furiosamente um rosário, já ia a meio do segundo terço, os lábios movendo-se freneticamente, talvez porque tivesse concluído que tempo é dinheiro também nas orações, neste caso não se trataria de dinheiro mas sim de graça, sim, porque era graça aquilo que a passageira invocava, a rapidez dos movimentos labiais indicava, sem margem para dúvidas, a velocidade a que as “ave-marias” eram despachadas em direcção ao Altíssimo, as contas de prata passando pelos dedos nus, o crucifixo balançando com patética angústia na extremidade do pio objecto. “Padre Inácio” observava, curioso, o rápido movimento labial que realçava o elegante e bem aparado buço, e lembrava-se dos tempos em que, numa atitude sem precedentes nem subsequentes, o padre Celestino o incumbira de rezar as novenas do mês de Maio, frete a que Adeodato Inácio se entregou a contragosto, e do escândalo que rebentou quando os fiéis começaram a notar que o “Padre Inácio” rezava oito “ave-marias” em vez das dez estabelecidas, grande sacana, estar a gamar duas “ave-marias” entre um “pai-nosso” e uma “glória”, no fim do terço acabavam por ser dez, sim, senhores, DEZ “ave-marias” em falta, “Padre Inácio” estava-se borrifando para o que os fiéis, mais exactamente as fiéis, pudessem pensar, queria era acabar com aquele suplício o mais depressa possível, mas a passageira a que aludo rezava as contas todas, uma por uma, portanto sem qualquer arremedo de batota, movimentava os beiços à velocidade que considerava adequada, indiferente às dúvidas filosóficas do ex-sacerdote, e repetia, incansável, o terço, presumivelmente na esperançosa expectativa, passe a redundância, de que a Senhora se dignasse ouvi-la, costuma-se dizer que água mole em pedra dura tanto dá até que fura, neste caso até mereceria uma atitude positiva por parte da destinatária das orações, nem que fosse uma resposta a despachar, do tipo a ver se a gaja se cala de uma vez, até que foi interrompida por “Padre Inácio”:

— A senhora desculpe, mas não posso deixar de notar o fervor com que reza…

A passageira endereçou-lhe um olhar furibundo:

— Tem que ser! Estou a rezar para que Nossa Senhora nos proteja.

— Desculpe… Nos proteja, de quê?

— De quê?! Ora essa! Nos proteja de bandidos como você!

“Padre Inácio” sentiu como que um sopapo no estômago. Nunca ninguém lhe tinha chamado “bandido”, pelo menos assim em voz alta. Sentiu-se triste, mas decidiu que, dadas as circunstâncias, e até porque tinha vestido a respectiva pele, refiro-me à pele de lobo, era melhor engolir o insulto, mas mantendo a esperança de que não lhe desse qualquer indigestão, odinofagia, dispepsia que fosse. Ensaiou um sorriso meio idiota, e tentou ir às boas com a beata passageira:

— Mas nós já dissemos que não queríamos fazer mal a ninguém…

— Sinal de que as minhas preces foram atendidas. Nossa Senhora nunca me faltou com as suas bênçãos.

“Padre Inácio” decidiu remeter-se ao silêncio, por agora, limitando-se a observar os movimentos labiais da piedosa senhora, e indagando-se acerca da razão por que, rezando em silêncio, as pessoas movimentam os lábios. Que os movimentassem quando rezavam com o sistema de “alta-voz” ligado, compreendia-se, havia necessidade de se criar um uníssono, para que as palavras chegassem ao céu de forma apurada, num coro perfeito, não fazia sentido uma dizer “ave-maria” e outra já ir no “o Senhor é convosco”, dá para imaginar o raio da confusão, lá em cima não daria para perceber fosse o que fosse, Nossa Senhora nem conseguiria saber o que é que estavam a rezar. Mas no caso sub júdice, que é como quem diz, no caso em apreço, não se justificava, uma vez que a senhora rezava sozinha, e podia perfeitamente marcar o seu próprio ritmo, não dependia de nenhum maestro, o compasso seria o que ela decidisse, nada há como a liberdade de escolha, mas a verdade é que a senhora continuava a movimentar os lábios, cada vez mais rapidamente, como se da rapidez dependesse a execução do pedido, fosse ele qual fosse mas não se trata, certamente, de protecção já que, quanto a este tema, o esclarecimento de “Padre Inácio” tinha sido mais do que eloquente.

(…)

 

Postado de frente para o sentido da marcha, na carruagem-bar, que separava a carruagem “Conforto” das carruagens da classe turística, “Padre Inácio” observava a beata que, incansável, continuava a desfiar o terço.

— Se calhar já pode parar – sugeriu Adeodato Inácio docemente, numa tentativa de quebrar o gelo. – Como viu, não vamos fazer mal a ninguém, já não precisa de rezar mais.

— Preciso, preciso – retorquiu a pia mulher. – Preciso rezar para que Nossa Senhora mande um raio que os fulmine a todos, seus grandessíssimos bandoleiros! – prosseguiu a pia e bondosa senhora, esquecendo-se, lamentavelmente, daquela cena do “assim como nós perdoamos aos nossos inimigos”.

Já a desistir de fazer as pazes com a fanática dama, “Padre Inácio” não conseguiu conter o sarcasmo:

— E olhe uma coisa, tiazinha: tem a certeza de que essas coisas das rezas dão algum resultado? Olhe que eu tenho alguma experiência no ramo, e nunca dei fé de que isso servisse fosse para o que fosse…

Adeodato Inácio sentiu algo de estranho; atrás de si, a porta automática abria-se. Instintivamente, voltou-se, mesmo a tempo de ver uma loira bonita e um punho fechado avançando velozmente, num irrepreensível e implacável “yatsuki” . Sentiu uma pancada seca na ponta do queixo, e mergulhou na escuridão. Tão rapidamente, que nem teve tempo de ouvir a beata matrona declarar:

— Como vês, resulta, homem de pouca fé!

 

José Carlos Moreira in “O Alfa das 10 e 10”, Papiro Editora, Abril 2011