Loading

Dia: 2 de Setembro, 2012

2 de Setembro, 2012 Ludwig Krippahl

O que tem de mal.

A religião é má. Apesar de ser uma afirmação simples, é fácil deturpá-la para refutar espantalhos. Por isso, antes de a justificar tenho de a esclarecer. Por “é má” não quero dizer que tudo na religião seja mau, das tocatas de Bach às freiras que vivem na minha rua. A religião é má como a segunda guerra mundial foi má. Teve alguns aspectos positivos, como o progresso na aeronáutica ou alertar para o perigo do nacionalismo. Mas o saldo foi negativo e o que teve de bom seria ainda melhor sem a guerra. É assim que digo que a religião é má. Tem mais mal do que bem e o mal é dispensável. E por “religião” quero dizer especificamente o sistema de poder pelo qual umas pessoas regulam crenças, disposições e comportamentos das outras. Não tem nada que ver com o usufruto individual do direito de acreditar no que se quiser.

A religião é má por três características intrínsecas que corrompem quaisquer boas intenções. Ou boas pessoas. A primeira é o fundamentalismo dogmático que dá identidade a cada religião. Não pode haver católicos que rejeitem a autoridade do Papa, protestantes que aceitem o Papa como autoridade infalível ou muçulmanos que acreditem que Jesus era Deus. Não é apenas uma definição de termos, como dizer que não há capitalistas comunistas. São normas com consequências reais para pessoas como as freiras nos EUA (1) ou os clérigos Shia na Indonésia (2). Pela sua natureza, uma religião não pode ser uma organização democrática e pluralista onde todos membros tenham voz e liberdade para discordar da hierarquia.

O segundo problema é que, dentro de cada religião, os sacerdotes são o poder executivo, legislativo e judicial. Até de um clube recreativo esperamos que a direcção seja separada do conselho fiscal e que os regulamentos sejam aprovados em assembleia geral. Numa religião, seja a Igreja Maná ou a Igreja Católica, é tudo controlado pelos mesmos. A falta de órgãos independentes que possam refrear tendências menos louváveis favorece os conhecidos abusos de poder, desfalques e ocultação de crimes, além dos casos que não conhecemos. Só quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro…

Finalmente, não existe um limite bem definido para o âmbito da religião. Pode regular tudo. Actos públicos, actos privados, valores, disposições, intenções e até o que cada um pensa acerca dos factos. Qualquer coisa pode fazer a diferença entre o paraíso e o inferno. Por isso, as religiões sistematicamente desrespeitam aqueles direitos pessoais que hoje consideramos fundamentais, como a igualdade, a liberdade de consciência e a privacidade.

Alguns dirão, como se fosse evidência em contrário, que há regimes hediondos declaradamente ateus, invocando Mao, Pol Pot, Estaline ou os praticamente divinos Kim. Mas estes são exemplos dos mesmos defeitos: intolerância dogmática; concentração de poder sem controlo independente; e ingerência em todos os aspectos da vida pública ou privada. Estes sistemas atraem os piores facínoras e corrompem as melhores intenções. E se bem que as religiões que agora temos em Portugal sejam muito menos malignas do que eram antigamente ou do que ainda são em países como o Irão e a Arábia Saudita, só melhoraram à força e ainda há problemas a resolver.

Isto não tem nada que ver com a crença. Se alguém acreditar que vai viver depois da morte, que Júpiter influencia o seu namoro ou que o universo foi criado por um hipopótamo de tutu, pois que acredite. Posso criticar ou fazer troça, mas também podem criticar ou fazer troça das minhas crenças. O que eu quero é uma sociedade laica, em que todos possam adoptar, louvar, criticar ou fazer troça das crenças que quiserem sem ninguém privar outros desses mesmos direitos. O problema está nestas organizações, e é um problema que elas não resolvem por si. O que distingue um judeu, um cristão, um muçulmano e um cientólogo são crenças sem fundamento e, tendo o diz que disse como única forma de legitimação, nenhuma religião irá voluntariamente tornar-se democrática, admitir uma pluralidade de opiniões ou abster-se de impor dogmas porque, num ambiente de discussão critica e aberta, não convenceria ninguém.

Por isso é que a solução só pode vir da sociedade, que deve exigir das religiões o mesmo respeito pela Lei e pelos direitos humanos que exige de qualquer organização. Não é permitido a uma associação excluir as mulheres de qualquer cargo. O mesmo devia aplicar-se às religiões. Angariar associados insinuando que alguém lhes vai partir as pernas com um barrote se não se fizerem sócios é crime (3). Também devia ser quando a coacção é pela ameaça de sofrimento eterno. Eu não quero condenar pessoas pelo que acreditam nem as quero privar das crenças que as confortam, mesmo que não abdique do meu direito de chamar disparate aos disparates que encontro. Nem sequer quero impedir que os crentes se organizem em igrejas, cultos, clubes ou o que quiserem. O que quero é que a crença no sobrenatural não seja desculpa para formar organizações como estas. Deve ser possível organizar procissões, ajudar os pobres, rezar em conjunto e participar em rituais sem violar os princípios fundamentais da democracia, da igualdade e do respeito pelos direitos de cada um. O que quero é que as religiões tenham os mesmos deveres e direitos que tem qualquer outra organização na nossa sociedade.

1- NY Times, Vatican Reprimands a Group of U.S. Nuns and Plans Changes
2- Human Rights Watch, Indonesia: Shia Cleric Convicted of Blasphemy
3- Artigo 154º do Código Penal, «Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»

Em simultâneo no Que Treta!

2 de Setembro, 2012 Carlos Esperança

Padres e demónios (CRÓNICA)

É paradoxal serem os crentes infestados com demónios e os ateus imunes aos espíritos malignos.

A população demoníaca tem-se reduzido ao longo dos anos com o avanço da ciência, quiçá porque os espíritos das trevas se anteciparam no planeamento familiar ou, para arreliarem o Papa, foram pioneiros no uso da pílula e do preservativo.

Mais raros, mas não extintos, os espíritos malignos existem. Os livros sagrados dedicam várias páginas a esses agitadores de almas pias. O exorcismo é a única terapia aprovada pelo Vaticano, desde que o alvará para o seu exercício seja de um padre católico e, em casos graves, só com licença episcopal.

Em Portugal há um velho especialista, com 73 anos, a tirar espíritos de corpos sofridos, padre Humberto Gama, que se dedica aos difíceis combates com o demo, das 7 às 22 horas, aliviando a carteira e as possessões demoníacas a cerca de 20 possessos diários. Com consultório em Fátima e Mirandela já foi proibido de dizer missa e teve vários dissabores, um dos quais com um marido que discordou do sítio por onde extraiu os espíritos da amantíssima esposa, na convicção de que o tamanho e a quantidade não precisavam de tão larga e recôndita reentrância. Mas o que sabe um leigo de espíritos?! O padre Gama alegou que têm de sair por algum lado e disse-o convicto à TVI onde fez exorcismos em direto antes de atuar na RTP-1.

Depois, em Figueiró dos Vinhos, o padre José Rosa Gomes passou a receber na igreja, todas as semanas, centenas de fiéis a quem purificava e resolvia problemas. As mulheres, mais atreitas ao maligno, encontraram nas mãos do sacerdote a benzina que desencarde a alma e nas orações o demonífugo que as liberta das apoquentações do demo, desmaiando ao som de cânticos enquanto o mafarrico emigra.

O reverendo Rosa Gomes exorcizava das 21H30 à 01H00 da manhã durante a cerimónia da «Adoração do Santíssimo Sacramento», à quarta-feira na igreja de Figueiró e à sexta na do Beco. Vinham camionetas de vários pontos do país cheias de crentes para serem exorcizados. Após desmaios, as endemoninhadas acordavam havendo quem precisasse de horas e orações suplementares à porta fechada mas todas ficaram com a alma a luzir como prata depois de esfregada com solarina..

O bispo de Coimbra, o falecido Albino Cleto, manifestando algum receio, aconselhou cautela com algumas situações de ordem médica e preferia designar por «orações de cura» a liturgia do exorcismo. De resto, o «grande exorcismo» só pode ser praticado por padres previamente autorizados pelo bispo da diocese e, talvez, só se justifique para demónios resistentes aos pequenos e médios exorcismos. Não sei se o reverendo Rosa Gomes ainda se mantém no ramo ou se o atual bispo já lhe retirou o alvará.

Em Figueiró dos Vinhos, onde o povo andava arredado da missa, desde que o bispo de Coimbra despediu um padre estimado pelo povo, não por ter uma filha mas por assumir a paternidade, a fé voltou com os exorcismos e conquistou novos crentes.

Os cânticos do padre indiano James Manjajackal entoavam na igreja enquanto o colega Rosa Gomes rezava para afastar o demo. A oração e a cantoria têm um efeito sinérgico e não há demónios que suportem o barulho e a ameaça da cruz. Preferem emigrar.

Nota – Em março de 2011 continuavam os exorcismos em Figueiró dos Vinhos, segundo o DN de 7-03, pág. 16, relatados por Sónia Simões. Desconheço se o padre Rosa Gomes se mantém no ramo.

2 de Setembro, 2012 Carlos Esperança

Paradoxos do Ministério dos Negócios Estrangeiros

Portugal encerra embaixadas e vice-consulados em vários países

Portugal é um país rico e com excelente saúde financeira

Como é possível não ter sido uma destas embaixadas a ser encerrada?

1,9 km é a distância que separa o n.º 21 da Viale Liegi do n.º 9 da Via S. Valentino em Roma, moradas onde estão localizadas, respetivamente, a embaixada de Portugal em Itália e a embaixada de Portugal no Vaticano. Ambas na cidade de Roma. Ambas a cerca de cinco quilómetros do bairro de 44 hectares onde se situa o único Estado sem maternidade.