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15 de Setembro, 2004 jvasco

Cepticismo na Scientific American

Já aqui alertei para o artigo Mustangs, Monists and Meaning da Scientific American sobre o «preconceito da alma».

Mais tarde, vim a descobrir que o mesmo autor escreve regularmente uma coluna, sempre dedicada ao tema do cepticismo.

Assim sendo, descobri lá uma lista de artigos sobre os seguintes assuntos:

Milagre na rua das probabilidadescomo ocorrências extraordinárias acontecem regularmente

O número de Deus é superiorquais as probabilidades de Deus existir?

Morte por teoriacomo o obscurantismo médico pode matar

E os restantes, que ainda não li.

15 de Setembro, 2004 Palmira Silva

Fundamentalismos

Um post do Boss no Renas e Veados alertou-me para a extensão do campo de acção dos auto designados grupos pró-vida (humana, claro) americanos à trivial pílula contraceptiva. Com o pretexto de que a pílula tem uma eficiência de 70% na inibição da ovulação e impede a implantação no útero de um possível óvulo fertilizado, farmacêuticos e médicos fundamentalistas recusam-se a fornecer ou prescrever o atentado às leis divinas do “crescei e multiplicai-vos” ao abrigo de recentes leis estaduais, que o permitem por razões morais.

Um dos principais sinais históricos que encontramos invariavelmente em épocas de crise é a adesão de pessoas a vertentes (religiosas ou políticas) que se caracterizam por um radicalismo extremo e uma inflacção do sentimento de pertença a um grupo que assuma o papel de protector e detentor da VERDADE ou MORAL absolutas. Um maniqueísmo exacerbado dos nós (os bons) e dos outros (os maus), do Bem contra o Mal.

Não subscrevo a tese do choque civilizacional de Samuel Huntington (que previa há uma década que este seria inevitável no pós guerra fria), mas acho que de facto o maniqueísmo ou lógica bipolar existente antes da queda do muro era um elemento aglutinador que prevenia a eclosão dos conflitos regionais a que agora assistimos e o ressurgimento dos fundamentalismos religiosos, a praga anacrónica do século XXI.

De certa forma, o vazio emocional que a queda do muro proporcionou, e que destruiu um meme ideológico e, por arrastamento, todos os memes ideológicos que se construiram por oposição, foi rapidamente ocupado pelo memeplexo sempre subliminar da religião

No caso da religião católica a resposta (muito rápida) foi um negar crescente do concílio Vaticano II. Procura-se agora restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com uma integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do espiritual representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica (mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares). O inimigo a combater é a modernidade, com as suas liberdades e o seu laicismo.

Este é apenas mais um caso recente em que a laicidade, neste caso no Direito, é ameaçado por fundamentalistas religiosos. Que só vem reforçar o meu post anterior…

15 de Setembro, 2004 Palmira Silva

Direito e Ética

«Considerai o príncipe no seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, sentado no seu trono no mais alto dos céus, governa a natureza inteira… Enfim, reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis ideia da majestade real» Jacques Bossuet(1627-1704), A Política segundo as Santas Escrituras.

Subjacentes à teoria moderna do Estado existem conceitos teológicos secularizados, presentes por exemplo na relação Direito e Moral, já que o Direito é permeável a discursos morais para se legitimar. Por outro lado, a Moral pode utilizar-se do Direito para que os discursos por ela produzidos ganhem uma força vinculativa e de implementação efectiva. Como temos assistido no caso do Borndiep e, mais genericamente, no debate em relação à Interrupção Voluntária da Gravidez.

No seguimento dos meus posts sobre moral e ética e sobre as relações entre o Vaticano e o poder político (I, II, III, IV) vou tentar analisar numa breve abordagem histórica esta secularização.

A lei básica da ética e da moral, a chamada «Regra de ouro», comprovada por Heródoto em distintos povos da antiguidade, foi formulada nos Vedas, há pelo menos quatro milénios, por Confúcio, 500 a.C., no Zoroartrismo e em muitas outras religiões com vários enunciados:

«Eis a síntese do Dharma (Lei): não façais nada aos outros que, se fosse feito a vós, vos causaria mágoa» Mahabharata

«Não magoeis os outros com aquilo que vos magoa a vós» Shakyamuni

«Não imponhas aos outros o que tu próprio não desejas» Confúcio, Analectos 15,24

Na cultura grega, especialmente para Platão e Aristóteles, os filósofos que mais influenciaram a teologia cristã, a ética está intimamente vinculada à vida política (polis). Aliás, Aristóteles refere-se à ética como sendo um ramo da política, já que a primeira trataria do bem-estar individual, enquanto a segunda se ocuparia do bem comum. Na cultura grega, Direito, Moral e Política, são aspectos de uma mesma totalidade.

Os conceitos filosóficos da moral grega evoluíram na cultura romana para uma distinção entre Direito, Religião, Política e Moral. E o Direito romano é a pedra basilar do Direito nas sociedades ocidentais.

Os teológos cristãos cristianizaram a ética grega, a versão platónica por Agostinho de Hipona que reinterpreta a purificação e imortalidade da alma sugerida por Platão na elevação ascética indispensável para a compreensão dos desígnios de Deus.

O inescapável Tomás de Aquino retomou o conceito supremo da felicidade da ética aristotélica readaptado com Deus como fonte única da felicidade e descartando a razão que para Aristóteles era o caminho para a perfeição moral. Para a moral escolástica o bem comum deve subordinar-se ao bem supremo da salvação da alma. Ou seja, a Política e o Direito devem submeter-se ao direito divino e transcrever a moral cristã.

Com o Renascimento houve uma retoma do humanismo que voltou a reflexão ética para a esfera humana. No Iluminismo os filósofos defendem que a moral deve ser fundamentada não em valores religiosos e sim na compreensão sobre a natureza humana. A concepção mais expressiva é a natureza racional de Kant. Foi o falhanço do projecto renascentista que forneceu o pano de fundo no qual a nossa cultura se torna inteligível: uma cultura onde o debate moral é visto como indissociável da religião e esta continua transposta para o Direito, mesmo em Estados supostamente laicos.

Uma ética secular racional será muito mais forte que uma moral dogmática, até porque o que tem acontecido nos últimos tempos corrobora Feuerbach: «quando a moral se baseia na teologia, quando o direito depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser justificadas e impostas».

Quer a reflexão ética contemporânea (séc. XIX e XX), que recusa uma base exterior, transcendental para a moralidade, quer a base biológica dos comportamentos morais que o progresso científico demonstrou inequivocamente não permearam a nossa sociedade do século XXI. Pelo contrário, há cada vez mais exemplos perfeitamente anacrónicos da mistura dos obsoletos códigos morais religiosos no direito que rege uma série de países. E não falo apenas daqueles onde a Sharia é uma realidade, ou por exemplo, da Turquia, que desde Ataturk (1881-1938), é um estado laico, pretendia reintroduzir no seu código penal o adultério (feminino, especialmente) como um crime punido com pena de prisão. Como o artigo da Mariana recorda mesmo na Europa, que se diz laica, assistimos a grande pressão pela ICAR para a negação do laicismo, com ênfase a nível do Direito.

Urge uma intervenção ética capaz de criticar dogmas dominantes que, parafraseando Georges Bastide, possibilite a construção de novas formas de convivência humana através de um «esforço de lucidez, que separe, sem equívoco, a liberdade da alienação». Este é o desafio ético da contemporaneidade: a realização de um diálogo ético livre e igualitário numa sociedade marcada pela desigualdade, nomeadamente entre teístas e ateístas! E, especialmente, é fulcral que o direito seja absolutamente laico. Devemos respeitar as morais individuais mas não se deve deixar que a ética de um determinado grupo seja imposta a toda a sociedade.

14 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Beato J. César das Neves

Sob o título «Manipulação de massas», na sua habitual coluna no Diário de Notícias, João César das Neves (JCN) voltou ontem ao tema do aborto, com a sanha do talibã católico, com as repetidas imagens do assassínio de bebés, para definir a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Na sua homilia (site indisponível), coloca-se no papel de vítima, de quem é acusado de «extremista e fanático», por se opor à despenalização do aborto e lamuria-se também de serem assim tratados os que, no passado, «se opuseram à escravatura, à pena de morte e à discriminação da mulher».

A sua posição, a favor da condenação e prisão das mulheres que recorram à IVG, é respeitável, mas é intelectualmente desonesto que misture IVG, escravatura, pena de morte e discriminação da mulher, porque a ICAR e os seus sequazes, que tanto gostam de condenar mulheres na sequência do aborto, foram normalmente, no passado, os que se opuseram à abolição da escravatura e da pena de morte e são, ainda hoje, os que mais discriminam a mulher.

Basta ver como a ICAR impede o acesso das mulheres ao sacerdócio para exigir a JCN um pouco mais de pudor.

14 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Funerais civis

Vital Moreira, um dos mais lúcidos intelectuais portugueses, escreve no blogue Causa Nossa que «se as exéquias religiosas fazem parte da liberdade religiosa dos crentes, em contrapartida os não crentes têm direito a exéquias não religiosas em espaços civis. O exemplo francês, onde existem serviços públicos funerários a cargo dos municípios, ilustra um exemplo de civilidade laica, onde os não crentes não têm de recorrer forçadamente às capelas funerárias das igrejas e à liberal generosidade da igreja católica (aliás, louvável), como sucede entre nós».

Eis uma advertência à República portuguesa que não encontrou ainda forma de respeitar os não crentes.

14 de Setembro, 2004 André Esteves

Sta Maria e a Capital Nacional da Cultura 2005

De dois blogs de ateus conhecidos (obrigada, O vento lá fora e Lâmpada Mágica ) chega-nos a notícia da escolha da imagem da Santa Maria, para símbolo da Capital Nacional da Cultura, Faro 2005.

Esquecendo a questão da utilização de figuras religiosas, por parte de acontecimentos organizados e financiados pelo estado (Uma questão de laicidade), creio que a Câmara de Faro escolheu mal. É uma imagem datada e que não diz nada aos potenciais frequentadores dos eventos do Faro 2005 – Capital Nacional da Cultura.

O Algarve, antigamente um lugar recôndito e esquecido, graças aos esforços de Câmaras como a de Faro, transformou-se numa região desenvolvida. É certo que os tempos áureos do turismo já lá vão… Mas a criatividade e incentivo autárquico têm contribuído para a manutenção e crescimento, além do período estival, do turismo no Algarve.

Podemos ver a profusão de bares, discotecas, clubes de strip, lutas de mulheres nuas na lama e na geleia, bem como a contínua luta pela limpeza das praias de dejectos plásticos pequenos e a recepção de braços abertos a tantas emigrantes que se constata por todo o Algarve.

Estranho assim, que os responsáveis por este pequeno milagre económico não tenham escolhido um símbolo a condizer com os tempos de que foram parteiros, e que também fosse facilmente percebido pela multidão de algarvios e de turistas a quem a Capital da Cultura é dirigida.

Apresento assim, à vossa esquerda, e procurando um compromisso, uma singela sugestão ao público, (mantendo a escolha autárquica, mas respeitando os tempos que correm no Algarve). Se a escolha não satisfizer às autoridades, a empresa que fornece estes santos objectos, também oferece outras alternativas…

14 de Setembro, 2004 André Esteves

O teste do balão não engana!!!

Da Croácia chega-nos a notícia de que irá ser implementada, na condução de automóveis, a tolerância zero aos níveis de álcool no sangue do condutor. Para quem conhece os hábitos alcoólicos dos países balcânicos, não é nada de estranhar (e sinceramente.. depois da última guerra, a mais estúpida e irracional da Europa, têm razões para beber…)

Imaginem a quem é que não agradou a medida! – à classe eclesiástica católica.

Dizem os padres croatas, que não é justa a medida de tolerância zero, porque ao domingo muitas vezes andam afectados. Com efeito, muitos padres têm que se deslocar entre várias celebrações da eucaristia e o sangue do Cristo sobe à cabeça.

De modo que pedem compensações monetárias por irem ser incomodados!

Do que os padres croatas não se lembraram é que com tanta esperteza saloia e mesquinhice, acabaram por se ridicularizar e destruir as suas próprias crenças. Alguém ainda se lembra, do dogma católico, que o pão e o vinho (hóstia) se transformavam no corpo de Cristo para lavar do crente os seus pecados?

Afinal, o teste do balão não engana!!!

A notícia [Inglês]

13 de Setembro, 2004 André Esteves

Cover-up pedófilo pelo cardeal Sodano?

Sete padres americanos fugidos das suas paróquias, foram descobertos pelo jornal Dallas News a trabalhar e a oficiar em Roma. Pelo menos dois deles, foram reclamados de volta pelos seus bispos para serem investigados pela polícia americana. O pedido realizado ao Cardeal Sodano, prior da Opus Dei e número dois do Vaticano foi ignorado, tendo as cartas com o pedido, sido remetidas de volta com o carimbo »Devolver ao remetente».

Claro que devemos presumir uma certa inocência do bom cardeal. Um homem cujo magistério na Opus Dei exige a excelência no trabalho! Muitas cartas perdem-se.

No máximo, ele deverá ser da mesma opinião de D. Marcelino, bispo de Aveiro, veiculada numa entrevista há uns meses no jornal Diário de Aveiro, de que o problema pedófilo na ICAR americana, não passava de uma conspiração dos judeus através dos jornais…

A notícia [Inglês]

13 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

É grave

O Carlos Esperança publicou há tempos um texto em que referia a atitude complacente (senão de encobrimento activo) da ICAR perante os casos de abuso sexual de menores em que estão implicados padres. Não faltaram os católicos, visitas habituais das caixas de comentários, que protestaram. Referi na altura que existia um documento secreto do Santo Ofício exigindo o segredo absoluto nestes casos. Puseram em dúvida a existência de tal documento. Está aqui.

Lido o documento, fica claro que a ICAR entende que o abuso sexual cometido por um sacerdote (sobre menores ou não) não deve ser denunciado às autoridades civis. Deve apenas ser tratado internamente, e no maior secretismo. Efectivamente, tais casos são considerados «segredos do Santo Ofício» que não podem ser revelados sob pena de excomunhão (parágrafo 11). Os defensores, juízes e testemunhas do processo fazem um juramento que os obriga ao silêncio absoluto sobre o processo excepto se o Santo Ofício ou o Sumo Pontífice os desobrigarem (Anexo). Além disso, as denúncias devem ser efectuadas até um mês após o abuso sexual (parágrafos 15 a 19) e os documentos do processo devem ser destruídos se o tribunal do Santo Ofício concluir que a acusação é falsa (parágrafo 42). O juiz do Santo Ofício deve exortar o acusado à confissão, mas não o pode comprometer a dizer a verdade por intermédio de um juramento (parágrafo 52)!

Tudo isto é muito grave, mas esclarece porque a ICAR se tem revelado incapaz de punir padres pedófilos. O entendimento é claramente o de que a lei canónica (a de «Deus» via ICAR) está acima das leis civis. Um padre que saiba de um colega que abusa sexualmente de menores é encorajado a nada revelar à polícia, e se tomar parte no processo fica mesmo sujeito à pena de excomunhão se falar. O prazo (ridiculamente curto) de um mês para a realização de uma denúncia protege igualmente os padres contra crianças abusadas que habitualmente só no final da adolescência ganham coragem para denunciar estas situações.

A ICAR tem colégios e instituições de solidariedade social protegidas e financiadas pelo Estado. As famílias que lá colocam as suas crianças deveriam ser informadas do «código deontológico» interno da ICAR. E o facto de a Concordata estipular que os padres podem legalmente não revelar os crimes de que tomem conhecimento durante a confissão (artigo 5º da nova Concordata) é particularmente grave à luz destes factos.

13 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Funeral de Estado

A reportagem do Expresso sobre o funeral do ilustre cidadão Dr. Nunes de Almeida, presidente do Tribunal Constitucional (TC) e, nessa condição, a quarta figura do Estado, levanta muitas dúvidas e alguma perplexidade:

– Em primeiro lugar, ser considerado pelo Presidente da República o local apropriado para um funeral de Estado, a que o defunto tinha direito, um templo católico e, no caso, a Basílica da Estrela;

– O facto de a referida basílica ser propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), donde se pode concluir que o Estado, para prestar as honras devidas, não tem casa própria;

– A possibilidade de ser dificultada ou impedida a realização de cerimónias maçónicas para cumprimento do desejo manifestamente expresso pelo defunto;

– Poder o Patriarca impedir o elogio póstumo, a fazer pelo vice-presidente do TC, como solicitado pela família, inclusive na área da capela mortuária;

– A proibição do enterro católico, como retaliação da cerimónia maçónica.

Em meu entender, a proibição do enterro católico não podia ser o efeito da retaliação do Patriarca pela cerimónia maçónica, mas um acto de respeito por quem, seguramente, se não revia na religião proprietária do templo.

O cidadão Nunes de Almeida não foi poupado à leitura de uma passagem do Evangelho pelo padre Melícias, de quem era amigo, nem a um «pai-nosso», mas livrou-se da missa, de que não era frequentador, e da «encomendação da alma».

Pela minha parte não se livra do respeito e consideração que lhe devoto pelo que a democracia e a jurisprudência constitucional ficam a dever-lhe. Preocupa-me, todavia, a promiscuidade entre o Estado e a ICAR trinta anos depois de Abril. A República não encontra o tom certo para um país laico.