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É grave

O Carlos Esperança publicou há tempos um texto em que referia a atitude complacente (senão de encobrimento activo) da ICAR perante os casos de abuso sexual de menores em que estão implicados padres. Não faltaram os católicos, visitas habituais das caixas de comentários, que protestaram. Referi na altura que existia um documento secreto do Santo Ofício exigindo o segredo absoluto nestes casos. Puseram em dúvida a existência de tal documento. Está aqui.

Lido o documento, fica claro que a ICAR entende que o abuso sexual cometido por um sacerdote (sobre menores ou não) não deve ser denunciado às autoridades civis. Deve apenas ser tratado internamente, e no maior secretismo. Efectivamente, tais casos são considerados «segredos do Santo Ofício» que não podem ser revelados sob pena de excomunhão (parágrafo 11). Os defensores, juízes e testemunhas do processo fazem um juramento que os obriga ao silêncio absoluto sobre o processo excepto se o Santo Ofício ou o Sumo Pontífice os desobrigarem (Anexo). Além disso, as denúncias devem ser efectuadas até um mês após o abuso sexual (parágrafos 15 a 19) e os documentos do processo devem ser destruídos se o tribunal do Santo Ofício concluir que a acusação é falsa (parágrafo 42). O juiz do Santo Ofício deve exortar o acusado à confissão, mas não o pode comprometer a dizer a verdade por intermédio de um juramento (parágrafo 52)!

Tudo isto é muito grave, mas esclarece porque a ICAR se tem revelado incapaz de punir padres pedófilos. O entendimento é claramente o de que a lei canónica (a de «Deus» via ICAR) está acima das leis civis. Um padre que saiba de um colega que abusa sexualmente de menores é encorajado a nada revelar à polícia, e se tomar parte no processo fica mesmo sujeito à pena de excomunhão se falar. O prazo (ridiculamente curto) de um mês para a realização de uma denúncia protege igualmente os padres contra crianças abusadas que habitualmente só no final da adolescência ganham coragem para denunciar estas situações.

A ICAR tem colégios e instituições de solidariedade social protegidas e financiadas pelo Estado. As famílias que lá colocam as suas crianças deveriam ser informadas do «código deontológico» interno da ICAR. E o facto de a Concordata estipular que os padres podem legalmente não revelar os crimes de que tomem conhecimento durante a confissão (artigo 5º da nova Concordata) é particularmente grave à luz destes factos.