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29 de Julho, 2006 Palmira Silva

Botox e o Islão

Mecanismo de acção da toxina do botulismo, BoNT. Clique na imagem para aumentar. Vídeos sobre o referido mecanismo podem ser encontrados aqui.

por várias vezes referi a crescente islamização da Malásia, apontada por muitos como um exemplo de um país islâmico com uma relação de sucesso com o mundo moderno e em que os 40% da população não islâmica são supostos coexistir pacificamente e em liberdade religiosa. Na realidade, os últimos tempos têm sido palco de um crescente poder dos clérigos islâmicos que ameaça uma talibanização deste país.

As lucubrações expressas na letra da lei do conselho islâmico sobre os mais diversos assuntos não se restringem aos seguidores do Corão, as aberrações islâmicas em matéria de direitos humanos são impostas a todos os malaios, muçulmanos ou não muçulmanos. Por exemplo, foi proibida a música «Black Metal» sob a acusação de que os seus seguidores se desviam dos princípios islâmicos. Um porta-voz do Conselho islâmico nacional justificou o seu édito afirmando que a cultura «Black Metal» pode levar quem a ouve a rituais religiosos satânicos que incluem beber o próprio sangue misturado com sangue de cabra e queimar o Corão.

De igual forma, as «leis da decência», isto é o código de conduta islâmico, foi imposto a toda a população, arriscando-se a penas de prisão, punições físicas ou pesadas multas os que não o sigam. Como uma cantora que foi acusada de «insultos ao Islão» por cantar num bar que serve bebidas alcoólicas, dois colegas de escola, um rapaz e uma rapariga, que foram condenados a 25 vergastadas cada pelo crime de falarem um com o outro em público ou um casal de chineses que foi processado, e pode ser preso, por se ter abraçado e beijado em público…

Agora os clérigos malaios decidiram ser anti-islâmico o Botox, substância que para além de ser usada em tratamentos de beleza, é muito utilizada no tratamento de uma série de condições médicas, desde o estrabismo a dores agudas de costas, passando por transpiração excessiva.

Por uma razão qualquer obscura, talvez porque o Botox foi testado em ratos e porcos, os clérigos decidiram que o Botox pode conter derivados de porco (?!), uma abominação mais execrada que o adultério ou a bebida. Assim, é expectável que esta deliberação do conselho islâmico seja transcrita em breve numa nova lei da Malásia que proibe o uso desta substância. Suponho que a ideia de consultar a comunidade científica local nem sequer tenha passado pela cabeça dos iluminados clérigos.

De facto, o Botox, o nome comercial da toxina do botulismo tipo A, uma neuro toxina produzida pelo grupo de bactérias anaeróbicas Clostridium botulinum, não tem nada a ver com os tão anatemizados suínos. A proteína é expressada pela bactéria apropriada e depois purificada sem ver porcos pelo caminho.

Existem 7 tipos da toxina, de A a G, sendo apenas utilizados como terapêutica os tipos A e B. A BoNT é o patogéneo mais tóxico que se conhece, sendo a dose fatal entre 200-300 pg/kg – um picograma, pg, são 10-12 grama, ou seja cerca de 100 g da toxina seriam suficientes para matar todos os seres humanos à face do planeta.

As amostras terapêuticas comercializadas contêm cerca de 0.005% da dose letal, pelo que a sua utilização como arma biológica é impraticável. Por outro lado, a sua produção «caseira» é extremamente difícil, por se tratar de uma bactéria anaeróbica, isto é, que cresce na ausência de oxigénio, é expressada (produzida) em quantidades muito reduzidas, o processo de purificação da proteína «wild type» é um pesadelo, o que torna a sua produção e purificação virtualmente impossível fora de um laboratório especializado.

28 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Os prosélitos da fé

No pântano da fé germinam com fulgor os fundamentalismos. À medida que Deus se esvai pela rede de saneamento do secularismo, uivam de raiva os crentes que sobram, ganem latim os padres que sobrevivem e ululam imprecações os bispos reunidos nos covis das Conferências episcopais.

Do antro do Vaticano, de sapatinhos vermelhos e camauro, o líder da seita ameaça as democracias e roda o vestidinho, de má catadura, vociferando contra a investigação de células estaminais, a interrupção da gravidez, o preservativo e a pílula do dia seguinte.

Com larga experiência de celibato, o clero dá conselhos sobre a família; com séculos de repressão sexual determina a frequência, duração e intensidade das relações amorosas e decide sobre a finalidade das mesmas; habituado à indissolubilidade do celibato deseja estender a regra ao matrimónio.

Os parasitas de Deus vêem fugir-lhes o poder que já tiveram e têm ciúme dos dementes que julgam que Deus é grande e Maomé o seu profeta, pelo poder que conservam. A Al-qaeda está para os sunitas como o Hezbollah para os xiitas ou o Opus Dei para a ICAR. Só os métodos diferem de acordo com as sociedades onde se acoitam.

Os apaniguados da hóstia, crentes supersticiosos e tartufos em busca de benefícios que a ICAR confere, percorrem o ciberespaço à procura de réprobos a quem zurzir. Infiltram-se nas caixas de comentários, como as beatas outrora na sacristia, grunhem impropérios, crocitam e palram ameaças.

Tal como na Inquisição, para denunciar judeus, bruxas e sodomitas, usam o anonimato como prova da coragem que Deus lhes dá ou vergonha da religião que têm.

Os beatos esquecem-se de que, há séculos, Deus deixou de se transformar em cometa e viajar pelos céus para anunciar catástrofes, intimidar os simples e dar força aos padres.

Hoje, as catástrofes, cada vez mais perigosas e iminentes, são provocadas pela demência mística dos homens, na luta contra os infiéis, no desvario de quem pretende o Paraíso e quer levar consigo, à arreata, ateus de pituitária alérgica ao incenso e pele avessa à água benta.

28 de Julho, 2006 lrodrigues

Um problema de saúde pública

Como qualquer outro problema de saúde, a crença num Deus ou a prática de uma religião deveriam ser tratadas como uma doença.

É, de facto, uma epidemia, ou melhor, uma pandemia que paralisa as pessoas individualmente, e até as nações no seu conjunto, e as impede de agir de modo racional.
E constitui uma ameaça cada vez maior para quem pretende viver simplesmente como um homem livre.
Porque as pessoas que acreditam em Deus não se contentam em viver, elas próprias, de acordo com os cânones que imaginaram que lhes foram divinamente transmitidos e que lêem babados num livro que lhes transmite uma mensagem de morte, de raiva e de medo.

Não: pura e simplesmente desconhecem o significado da palavra tolerância, e exigem que todas as outras pessoas vivam da mesma forma.

E persistem em formatar as sociedades e todos os cidadãos, crentes ou não, de acordo com as leis de alguém que não passa, afinal, do produto da sua infantil imaginação.
E que, pobres coitados, não imaginam sequer que não existe!
Quem acredita em Deus nem sequer se apercebe de que não é livre.
Vive a sua vida com uma espécie de «câmara de vídeo» permanente atrás de si, que o vigia, que lhe espiolha os gestos e até mesmo os pensamentos.
Vive num medo constante.
E vive em constante remorso.
Vive diariamente em pânico de desagradar, de pecar, de sair dos eixos, de “cair em tentação”.
E de pagar por isso na «vida eterna» que imagina que existe, sem sequer saber muito bem onde.
E, por isso, vive em constante troca de favores e em negociações abjectas com Deus, pedindo-lhe humildemente perdão de mãos respeitosamente postas e entre duas orações standardizadas, sem se aperceber da ridícula indignidade que isso representa para um ser humano.
Mas mais: quem acredita em Deus nunca saberá ao certo se é verdadeiramente uma pessoa honesta.
Porque se a honestidade é também «aquilo que as pessoas fazem quando ninguém está a ver», então um crente nunca saberá que não roubou, que não enganou, que não fez batota num jogo de cartas simplesmente por uma questão de ética ou de princípio pessoal, ou se não o fez porque algures “alguém o estava a ver” ou porque isso é “pecado”.

E o “pecado” é uma coisa terrível: até o sexo é pecado!!!

E o que é mais triste, é que quem acredita em Deus nem sequer se apercebe de como tudo isto é tão ridículo, tão patético e tão pouco saudável.
Como é de facto muito pouco saudável passar a vida a pedinchar, a entoar cânticos ridículos, a auto-amesquinhar-se, a bajular e, das formas mais abjectas, a louvaminhar imbecilmente alguém que pura e simplesmente… não existe.

E tudo isto para quê?
Para endrominar Deus e comprar-lhe um lugar “no outro mundo”!

Contudo, ao longo da História dos Homens o que é verdade é que Deus tem servido de pretexto para a maior parte das guerras e como desculpa para os maiores e mais inimagináveis massacres.
Ao mesmo tempo, esse mesmo Deus, e ainda hoje assim é, tem servido de barreira e de persistente entrave ao desenvolvimento das ciências, das artes, da cultura e da civilização humanas.
Penso que já é tempo de se fazer uma verdadeira avaliação do papel que Deus desempenha nas sociedades modernas.
Porque Deus é, de facto, uma doença.
Uma doença com cura, mas uma doença.
Deus é um vírus.
Uma vírus que se espalha, que é contagioso, que infecta tudo, e corrói até a dignidade humana.
Por isso, mais ainda do que uma doença, Deus é, acima de tudo e cada vez mais, um problema de saúde pública!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

27 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Se…

Se a virgem Maria, farta de roncos e do abandono a que a votara o carpinteiro de Nazaré, não tivesse o hábito de dormitar à soleira da porta, descomposta, a rezar a Jeová;

Se não fosse noite de lua cheia quando uma pomba suspeita (as outras voam de dia) por ali passou e olhou e viu o que não devia;

Se a dita pomba continuasse a trajectória do voo em vez de poisar e ficar ali a humilhar o humilde carpinteiro;

Se a natureza não tivesse seguido o seu curso como soía;

Não seria necessário que um anjo de nome Gabriel, alcoviteiro de serviço ao Paraíso, fizesse tão longa viagem para avisar Maria de que era prenhez o volume que sentia.

Se quem conta um conto não acrescentasse um ponto;

Se a criança, em vez de ajudar na oficina, não tivesse enveredado pela pregação e feito carreira no ramo dos milagres;

Não teria florescido um negócio que leva dois mil anos de prosperidade e igual tempo a divulgar as peripécias de um curandeiro que fazia milagres à beira do lago Tiberíades e falsificava vinho para casamentos.

27 de Julho, 2006 lrodrigues

O Divórcio Católico

Como toda a gente sabe, o casamento católico é indissolúvel.

Por isso, está completamente fora de questão que a Igreja Católica permita a dissolução por divórcio de um casamento celebrado canonicamente.
Ou seja, numa escala de valores, mesmo em casos comprovados de infelicidade conjugal, mesmo em casos, por exemplo, de extrema violência doméstica, a Igreja Católica dá mais importância ao sacramento religioso e continua impor o casamento para toda a vida.
É como se dissesse a uma mulher que é regularmente sovada pelo marido:
– Casaste-te pela Igreja? Pois olha, ninguém te mandou. Agora aguenta-te à bronca, continua a levar no focinho para o resto da tua vida, e bico calado que a mulher deve obediência ao homem.
Que muitas pessoas que se casaram pela Igreja, e que são católicas, acatem esta santo princípio, acho muito bem: isso, apesar de tudo, compete à sua liberdade individual.
O pior é quando a Igreja Católica faz valer a sua doutrina num determinado país, através de concordatas celebradas com piedosos governantes, e consegue impor a sua doutrina à generalidade dos cidadãos, proibindo-lhes mesmo a dissolução civil de um casamento que foi simultaneamente celebrado pela Igreja.
Era precisamente o que sucedia em Portugal até ao 25 de Abril.
Mas enganam-se os que pensam que isto fica por aqui.
Porque se todas as leis têm excepção, as leis de Deus não lhes podem ficar atrás.
Com efeito, se o casamento católico não pode ser dissolvido por divórcio, pode em vez disso ser… anulado.
E o raciocínio é extremamente curioso:
O casamento canónico pode ser anulado em dois casos distintos: quando houve simulação ou incapacidade de um dos cônjuges.
E, no Código de Direito Canónico, o cânone 1095 estabelece que são incapazes de contrair matrimónio:
1º os que carecem do uso suficiente de razão;
2º os que sofrem de defeito grave de discrição do juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimónio, que se devem dar e receber mutuamente;
3º os que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimónio.
Então, se o divórcio é proibido pela Igreja Católica, engendram-se umas desculpas esfarrapadas quaisquer, nem que seja um atestado médico falso a atestar uma virgindade há muito perdida, e então recorre-se à anulação do casamento.
É tudo a fingir, tudo a fazer de conta, claro, à boa maneira católica, mas toda a gente vive feliz e contente.
Mas atenção que isto não é para toda a gente.
Não!
Esta brilhante solução está reservada somente para aquelas pessoas que tenham umas massas jeitosas para lubrificar a máquina da justiça católica e para contratar um bom advogado especialista em direito canónico, e o problema está resolvido.
E pronto: o que Deus uniu, já pode ser separado!
E já se podem casar outra vez pela Igreja, e começar tudo de novo.
De tal forma que as autoridades eclesiásticas estão já preocupadas com o crescente número de pedidos de anulação de casamento por esse mundo fora.
Só no ano 2000 foram feitos 56.236 pedidos de anulação, sempre com os tais fundamentos em simulação ou incapacidade.
Por isso, cada vez que passarmos por uma Igreja e virmos um casamento católico a decorrer, é bom pensarmos no alto grau de probabilidade de que um dos cônjuges possa ser maluco ou em vez disso, quem sabe, que esteja ali a fingir…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

26 de Julho, 2006 Palmira Silva

Investigação em células estaminais na Europa

No passado dia 15 de Junho os deputados do Parlamento Europeu votaram o aumento do orçamento comunitário para a investigação científica e resistiram aos esforços envidados pelos países mais católico-dependentes para que fosse proibido o financiamento de investigação em células estaminais embrionárias. A decisão teria de ser ratificada pelos ministros da Ciência para depois voltar ao Parlamento para uma segunda leitura.

No início do mês, numa manobra explícita de pressão política para boicotar essa decisão, o expoente da tolerância, honestidade intelectual e demais «virtudes» católicas que dá pelo nome de Alfonso Lopez Trujillo, o cardeal responsável pelo Conselho Pontifical da Família, fez saber que pretende que a excomunhão latae senentiae, isto é automática, seja aplicada aos cientistas que trabalham com células estaminais assim como aos políticos que aprovem leis permitindo a investigação em células estaminais.

As ameaças do Vaticano não surtiram efeito e hoje soubemos que os ministros da Ciência da União Europeia concordaram com a decisão e assim parte do orçamento europeu para ciência será devotado a investigação nesta área. No entanto, a decisão tomada é um compromisso na medida em que os ministros concordaram em não financiar actividades que destruissem embriões excedentários da fertilização in vitro (que terão de ser destruídos com outro financiamento) apenas investigação nas células embrionárias resultantes.

Apenas 5 países votaram contra a decisão – Áustria, Lituânia, Malta, Polónia e Eslováquia.

Há exactamente uma semana o defensor «intransigente» do direito à vida de células indiferenciadas (e doentes terminais sem actividade cerebral) G. W. Bush utilizou o seu veto presidencial para impedir que uma resolução análoga do Congresso americano fosse aplicada.

O ministro português, José Mariano Gago, que já anteriormentes se tinha declarado em favor da investigação em células estaminais embrionárias, foi um dos ministros que votou favoravelmente a proposta.

Esperemos que em breve seja alterada a posição oficial do país, expressa em 2004 por Sebastião Póvoas, membro da Missão Permanente de Portugal junto da ONU e representante da posição nacional perante a instituição, que apoiou a proposta (que não foi para a frente) apresentada às Nações Unidas pela Costa Rica – onde se defendia a proibição da clonagem reprodutiva e da investigação e terapêutica com células estaminais.

Já na altura a comunidade científica nacional expressou a sua indignação por não ter sido consultada. Ou seja, por o governo de então, ter tomada decisão baseada em «uma posição política sobre o tema, que é o despacho político elaborado pelo anterior ministro, Martins da Cruz» que o MNE reconheceu ser «uma posição ultrapassada» em vez de consultar quem de direito.

Recentemente, o Presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapias Celulares (SPCE-TC) urgiu o ministro Mariano Gago para que Portugal finalmente produza legislação sobre o assunto, de preferência «algo tipo modelo inglês ou até espanhol seria o ideal. Este último contraria a célebre discussão sobre a dificuldade de fazer certas coisas nos ‘países católicos’»

A decisão hoje tomada é mais um indicativo que de facto a Europa está no bom caminho, o caminho da laicidade, sacudindo nesse percurso as teias de aranha obscurantistas impostas pela Igreja de Roma.

26 de Julho, 2006 Carlos Esperança

O azedume dos crentes

O Diário Ateísta é um espaço predominantemente ateu onde os crentes podem vir dar testemunho da sua fé e agredir os ateus. Claro que não nos seria permitido frequentar em liberdade os actos litúrgicos das diversas religiões e contestar os rituais esotéricos, o cantochão e as ladainhas. Nem, ao menos, comentar os pios textos de acção de graças que eventualmente escrevam na blogosfera.

No Islão, com um Deus ainda mais arcaico e pusilânime, os dementes da fé gostam de se imolar com bombas à cintura, degolar infiéis, lapidar adúlteras e decepar membros. Têm um Deus que não é uma besta perfeita porque a perfeição é inatingível.

No judaísmo, apesar da secularização rápida dos descendentes dos que acreditaram em Jeová, há uns exemplares que exibem trancinhas com horror à água e ao sabão e que sofrem de pirose gástrica sempre que alguém desrespeita o velho que encontrou Moisés no Sinai.

No cristianismo, à míngua de fogueiras, caídas em desuso, prisões e torturas, usam a ameaça do Inferno para evitar a fuga dos que restam apegados ao dogma e tentarem irritar os ateus para agradarem ao padre da paróquia e à sogra.

Não compreendem os teodependentes que o direito que lhes assiste de difamar os ateus é o mesmo que exigimos para desmascarar o negócio da fé que dura há quase dois mil anos, que prosperou com Constantino cujos crimes lhe foram relevados e ainda lhe canonizaram a mãe.

Os crentes usam pseudónimos, salvo raras excepções, julgam verdadeiro o Deus que adoram e insultam os ateus às escâncaras. São bem o fruto do cruzamento da estupidez dos evangelhos com a boçalidade do clero que os instruiu.

O que amofina os devotos não é tanto a descrença dos ateus, é a emancipação imparável dos códigos morais que o clero quer ver obedecidos.

26 de Julho, 2006 Ricardo Alves

Israel não é um Estado laico

O Estado israelita é, desde a sua fundação, confessional. A própria declaração de independência contém numerosas referências religiosas e estabelece Israel como um «Estado judeu». Infelizmente, uma fatia importante e muito influente da população judaica continua a encarar Israel como um Estado criado por razões religiosas e para finalidades religiosas, mesmo apesar da grande diversidade religiosa de Israel (pelo menos um em cada cinco israelitas são muçulmanos ou cristãos) e da secularização dos descendentes de judeus (dos quais metade serão não religiosos). Israel permanece assim a única democracia do mundo em que não existe casamento civil, e o único Estado do planeta que outorga a nacionalidade (um vínculo público e estatal) a quem se converta a uma religião (uma opção privada e espiritual). São ainda generalizadas, particularmente entre os judeus, as mutilações sexuais impostas a menores do sexo masculino sob pretextos religiosos, uma violação grave do direito da criança a preservar a integridade do seu corpo.

O domínio público israelita continua profundamente clericalizado: o casamento, o divórcio e o enterro são competências das comunidades religiosas (judaicas, cristãs ou muçulmanas), que têm os seus próprios tribunais para questões de família, nos quais aplicam as suas anacrónicas leis religiosas (sendo a chária aplicada à comunidade muçulmana, como é evidente). As comunidades reconhecidas pelo Estado são totalmente sustentadas com dinheiro público, embora com discriminação positiva a favor das congregações judaicas. Há escolas diferentes para cada comunidade religiosa, cada uma com a sua religião obrigatória, o que ajuda a manter a segregação social de grupos entendidos como monolíticos. Como se não bastasse, o Ministério do Interior mantém um registo da «nacionalidade» de cada cidadão, que na realidade é um registo da comunidade religiosa a que se pertence pelo nascimento, e os direitos civis são distintos conforme se seja, ou não, considerado judeu pelo rabinato ortodoxo. Está assim dificultado aos cidadãos israelitas o exercício daquela liberdade de consciência básica que já quase tomamos por garantida em Portugal, que consiste em poder renunciar de todo à religião e conduzir a sua vida ignorando os sacerdotes e os seus templos (para nada dizer da privacidade das opções em matéria religiosa). A igualdade entre cidadãos também não existe: o governo discrimina os cidadãos muçulmanos ou cristãos no emprego, na educação e no alojamento, só financia a construção de sinagogas ortodoxas (discriminando negativamente todas as outras confissões religiosas) e tem demolido mesquitas em zonas onde não existe guerra. A comunidade judaica ortodoxa é actualmente a mais beneficiada, tendo mesmo o poder de dizer que imigrantes podem, ou não, tornar-se cidadãos israelitas. Não admira portanto que a tensão entre laicos e clericais na sociedade israelita seja tão grande que 80% da população tema que descambe para a violência.

A ausência de casamento civil é especialmente problemática para os descendentes de judeus, pois apenas os casamentos efectuados pela corrente mais ortodoxa do judaísmo são reconhecidos. O sacramento religioso (e portanto o contrato público) é negado a quem queira casar com um não judeu, ou a quem não frequente as aulas de preparação para o casamento dadas pelos rabis ortodoxos (também profundamente homofóbicos). Também não existe divórcio civil: uma mulher casada pela lei judaica não se pode divorciar se o marido não quiser, e portanto milhares de mulheres ficam amarradas a casamentos que não desejam. Perante esta situação, não é de admirar que milhares de judeus secularizados optem por casar fora do país, nomeadamente em Chipre.

Nas discussões suscitadas pela guerra actual, argumenta-se frequentemente que Israel é um Estado mais democrático do que qualquer dos seus vizinhos, o que é inteiramente verdade. No entanto, as relações entre Estado e religião em Israel são mais parecidas com aquelas dos seus vizinhos muçulmanos do que com as outras que, felizmente, existem na Europa laicizada.

[Publicação simultânea Diário Ateísta/Esquerda Republicana.]
26 de Julho, 2006 lrodrigues

O Casamento Católico

Durante todo este tempo que tem durado o processo do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, tenho ouvido, como é absolutamente normal, as mais díspares opiniões, quer contra quer a favor, seja do ponto de vista técnico jurídico, seja de uma perspectiva estritamente pessoal.

Mas o que mais me tem surpreendido é a frequência com que ouço, e leio até publicados em jornais, argumentos do tipo:
«Eu até acho que as pessoas deviam viver a sua vida como muito bem entendem, mas como sou católico não posso concordar com o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo».
Ou:
«O casamento homossexual é uma coisa contra-natura e vai contra as leis de Deus».
Ou ainda:
«Permitir o casamento homossexual viola a “tradição judaico-cristã” do povo português».
Como é óbvio, este tipo de argumentação encheu-me de curiosidade.
Resolvi então procurar saber em que medida o catolicismo não permite que duas pessoas do mesmo sexo celebrem um mero contrato de natureza estritamente civil, o que raio é isso da «tradição judaico-cristã», e também o que é que afinal a lei de Deus diz sobre este assunto, que os católicos pretendem seguir e obedecer com tanta fé e tanto empenho.
Fui então consultar o livro sagrado e a fonte da palavra e da lei de Deus: a Bíblia.
Fiquei então a perceber melhor o que é que significa essa tal coisa de «tradição judaico-cristã» e qual o estilo e a filosofia de vida que os católicos afinal defendem.
E, finalmente, descobri também que se os católicos são ideologicamente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo são, em contrapartida, a favor de outras coisas muitíssimo curiosas.
Então aqui vai:
O Casamento deve consistir na união entre um homem e uma ou mais mulheres (Génesis 29:17-28 e II Samuel 3:2-5);
O casamento não deve constituir impedimento ao direito de um homem tomar concubinas, mesmo para além da sua mulher ou mulheres (II Samuel 5:13; I Reis 11:3; II Crónicas 11:21);
Um casamento deve ser considerado válido somente se a mulher for virgem; se a mulher não for virgem para o casamento deverá ser condenada à morte e executada por apedrejamento (Deuteronómio 22:13-21);
O casamento entre pessoas de raças diferentes ou entre pessoas de credos distintos deve ser proibido (Génesis 24:3; Números 25:1-9; Esdras 9:12; Neemias 10:30);
Uma vez que o casamento deve ser celebrado para toda a vida, o divórcio deve ser completamente proibido (Deuteronómio 22:19; Marcos 10:9);
Se um homem casado morre sem ter deixado filhos, o seu irmão deve casar com a viúva. Se ele recusar a viúva do seu irmão ou se deliberadamente não lhe der filhos, deverá ser humilhado em público, pagar uma multa e para além disso ser condenado à morte (Génesis 38:6-10; Deuteronómio 25:5-10);
Se uma mulher não encontrar na sua terra um homem que ache adequado para com ele se casar, deve embebedar o seu pai e ter relações sexuais com ele, podendo ainda juntar à festa as irmãs que também se queiram divertir (Génesis 19:31-36).
Em suma:
Se é esta a lei e a palavra do Deus em que baseiam a sua filosofia de vida e o suporte da tal «tradição judaico-cristã», então os malandros dos católicos devem andar por aí a fazer belas coisas às escondidas…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)