17 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança
Julgamento de Aveiro – absolvição
A profunda humilhação de que foram vítimas as rés do julgamento de Aveiro, bem como o risco efectivo de serem condenadas, não se apaga com a absolvição que honra a justiça, irrita o Ministério Público (MP) e deixa desolado o bispo da diocese.
Não se pode deixar de admirar à acusação o zelo persecutório, na melhor tradição inquisitorial, com escutas telefónicas, encerramento de um consultório, prisão preventiva de um dos arguidos e exames ginecológicos impostos às arguidas.
Compreende-se que se tenham retirado recursos do combate à droga, ao crime organizado e à fuga ao fisco porque um crime ainda maior – o aborto – ameaçava comprometer o destino da alma de 7 mulheres. Sem resultado, aliás.
Nos próximos dias aparecerão imagens que choram lágrimas de cera enquanto o MP recorre e as beatas rezam. A hipocrisia e o cumprimento da lei seguirão o seu curso enquanto o CDS se transforma cada vez mais num comité para a glorificação dos mártires da fé cristã.
Algures em Lamego, o antigo deputado João Morgado, que entende que «o acto sexual só é legítimo para fazer filhos», persigna-se furiosamente, o ministro Paulo Portas vai empanturrar-se em hóstias com o ministro Bagão Félix, a ministra Cardona e a secretária de Estado Mariana Cascais metem baixa para rezarem uma novena, antes de se lavarem com água benta.
Portugal parece um santuário medieval de devoção mariana, onde os pecados permanecem crimes, mas, com esta sentença, deixou de ser um protectorado do Vaticano.
Hoje o papa pode babar-se, mas não é de gozo, pode tremer, mas não é de emoção, pode rir-se das orelhas à tiara, mas não é de satisfação. Hoje é um dia triste para JP2, o bispo de Aveiro e os beatos do país inteiro.
É um dia de júbilo para todos os que se batem pela descriminalização do aborto.