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Dia de Darwin – Reflexões sobre a ciência e a razão em Portugal



Hoje é dia de Darwin. Ele nasceu há 195 anos.

Nas universidades progressistas americanas e inglesas, e um pouco por todo o mundo, comemora-se este dia, não só pelas descobertas científicas que Darwin deu a todos nós, mas também para celebrar a humanidade comum que todos partilhamos e um certo deslumbramento pelo universo que todos os exploradores e verdadeiros cientistas sentem.

Vejam a imagem que está à vossa esquerda. É uma fotografia de Darwin com 68 anos.

Sabem o que gosto imenso nela? Olhem para os olhos…

Confusos? Pois… Darwin com 68 anos era estrábico.

Mas se olharem para a imagem focando o olho da direita, vêem um Darwin sonhador… a olhar para o futuro e para as estrelas…

Se olharem focando para o olho da esquerda, terão uma surpresa…

Um Darwin sorridente, que aparenta uma calma transcendente.

Dizem as lendas, que Demócrito, o filósofo grego que «inventou» o átomo, sorriu durante toda a vida, tal era a felicidade fulminante que o iluminou naquele momento único, em que a ideia do átomo se formou na sua mente.

Na vida de um cientista, artista ou de qualquer pessoa apaixonadamente criativa vive-se para e desse momento…

Não é necessário ser uma ideia original.

Qualquer ideia é sempre única, quando floresce pela primeira vez dentro do nosso cérebro.

Venho de uma família protestante, e apesar de todo o gênero de experiências com o «espírito santo», nada me marcou como o momento em que tive «Uma luz no meio da escuridão».

Tinha 12 anos, e tinham-me emprestado um computador, e por mim próprio aprendi a programar BASIC.

Uma das coisas que sempre me tinha fascinado, eram os números primos…

De modo que, programei o computador para gerar números primos de uma maneira muito básica, a partir de uma progressão aritmética de impares (o único número primo par é o 2) e testava a primalidade desses números…

Escusado será dizer, que ao fim de algum tempo, o computador praticamente parava…

No entanto, a memória RAM não era toda utilizada…

Havia algo de fundamentalmente lento no algoritmo que eu criara.

Tinha notado algo acerca da própria natureza dos números primos!!!

Mas deveria haver alguma maneira mais eficiente, mais rápida, mais sensata de calculá-los…

O problema obcecou-me… Enquanto dormia os números chocavam-se nos meus sonhos.

Quando visualizei pela primeira vez um método mais rápido, foi como se abrissem as portas da criação e trombetas tocassem por todo o mundo! E quando o implementei, funcionava!

Anos mais tarde, consegui arranjar um livro sobre Teoria dos Números, que é a parte da matemática que estuda as propriedades intrínsecas aos números e descobri!

Surpresa de adolescente!

O método já era conhecido. Tinha sido descoberto por um dos grandes matemáticos da antiguidade. Chamava-se Eratóstenes. E o algoritmo é conhecido por Crivo de Eratóstenes.

Nesse momento tive outra epifania…

Eu e Eratóstenes, separados de séculos, tivéramos a mesma ideia.

Dois milénios separavam-nos, mas juntos, partilhamos aquele problema, aquela revelação.

Éramos homens separados no tempo, mas tão próximos na nossa curiosidade e solução.

Ainda hoje, fico profundamente emocionado quando penso nesta experiência.

Creio que é uma das experiências mais intensas sobre o que é a condição humana que a ciência tem para nos oferecer.

Quando olho para a fotografia de Darwin, com 68 anos, e tendo lido várias biografias, sei que ele está feliz. Morrerá feliz.

Deu-nos a teoria da evolução.

Com calma, sofrimento, no meio da doença e da enorme pressão social por que passou, deu um passo de gigante na nossa compreensão do que somos, de onde vimos e potencialmente, para onde quisermos ir.

É uma pequena certeza… Não é uma grande construção de toda a realidade, que explique todo o universo. No entanto, como disse um poeta turco:

«Prefiro uma vela acesa no meio da escuridão, a holofotes ligados em pleno dia».

É esta a diferença que um amante da ciência tem, em relação a qualquer verdade revelada…

Lentamente, mas com a força das pequenas confianças que obtemos, vamos tendo um vislumbre da verdade que é mais pura que qualquer visão do universo que as religiões nos oferecem.

É um projecto sem fim, de homens ligados através dos tempos, pelas suas experiências com a realidade.

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Não se comemora o dia de Darwin em nenhuma universidade portuguesa. Porquê?

O número de artigos científicos têm aumentado ao longo dos anos.

Universidades crescem e «elites» se estabelecem…

Será que temos ciência em Portugal, mas não temos cientistas?