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Onofre Varela

30 de Novembro, 2025 Onofre Varela

Qual a influência da Religião na Política?

A frase que faz o título desta crónica vi-a, há cerca de uma semana (precisamente na véspera do dia em que escrevo), em rodapé de um programa de televisão, motivando-me a escrever sobre ela. Qualquer enciclopédia nos diz que “Religião” é o termo que designa um sistema sócio-cultural (de entre imensos sistemas) que abarca divindades, práticas, profecias, crenças, cosmovisões, profecias, éticas, sobrenaturalidade, transcendência, espiritismo e também espiritualidade.

O divino e o sagrado são elementos comuns à maioria esmagadora das religiões, que existem em número desmedido… são cerca de 10.000 em todo o mundo… e cada uma se afirma “única e verdadeira”, na demonstração da pequenez do Homem que as fundou e lidera! Nas práticas religiosas incluem-se rituais, sermões, festivais, venerações, sacrifícios, festas, transes e iniciações, mas também serviços prestados à sociedade onde cada religião se estabelece, como casamentos e funerais (inseridos nos rituais) e a comercialização de creches, infantários e escolas.

Em Portugal, a religião Católica faz a fé dos portugueses desde 5 de Outubro de 1143 (há 882 anos), quando, na Conferência de Zamora, se assinou a independência de Portugal entre D. Afonso Henriques (conde de Portucale) e o seu primo Afonso VII de Leão. 767 anos depois, no mesmo dia e mês (5 de Outubro… mas de 1910) a monarquia portuguesa teve o seu fim e foi implantada uma república laica. A Igreja Católica foi perseguida pelos primeiros republicanos anti-clericais (atente-se que “anti-clericalismo” e “anti-religião” não são a mesma coisa. Se o primeiro “anti” teve razão de existir como antídoto a um clericalismo feroz, já o segundo me parece não ter sentido, pois o Homem é um ser religioso por natureza, característica que não me merece discussão (se o não fosse, não tinha criado deuses). Podemos discutir as práticas das várias religiões e o aproveitamento político que delas se faz… mas isso já é outra conversa… e a política que se lhe mistura faz a razão desta crónica).

Em 1911, com Sidónio Pais (após um ano de República anti-clericalista) foram reatadas as relações diplomáticas com a Santa Sé, e o Catolicismo retomou o caminho que em Portugal vinha fazendo no tempo da monarquia… até hoje.

E aqui chegamos à razão do título desta crónica. À pergunta formulada, eu respondo: “sim, a religião tem muita influência na política”, exercendo-a, principalmente, nas mentes dos cidadãos menos atentos, desligados da História e da filosofia comportamental, e que estejam imbuídos de um “sentimento religioso com defeito”, levando-os a aceitar discursos extremistas que influenciam o seu sentido de voto, não percebendo (para desgraça de todos nós) que votam contra si próprios… (e contra mim… o que é bem pior!). Não é por acaso que o líder da extrema-direita exibe, amiúde, um rosário; e que diz ter acabado de vir da missa. Este discurso leva os religiosos (católicos e evangélicos, quando o são no pior sentido dos termos: o extremado), a votar num vírus destruidor da Democracia… a mesma Democracia que permite ao tal vírus nefasto e maléfico, sentar-se no Parlamento, semear insultos para os seus parceiros parlamentares e sementes de erva daninha na sociedade.

Sim, a Religião influencia a Política, porque sendo actividade humana é, também, actividade política. E num Parlamento democrático, republicano, laico e respeitador do Ser Humano, aos grupos extremistas devia ser negado lugar. Partidos racistas, xenófobos e desagregadores da sociedade, não me merecem crédito, e também não deviam merecer existência legal, exactamente por serem inimigos da ordem e da lei que a nossa Constituição regista e defende. E não é a Constituição que está errada!… O erro mora na mente de quem a quer destruir.

OV

Crédito: Imagem de freepik

30 de Outubro, 2025 Onofre Varela

Humanismoe lei religiosa (3 e Fim)

Quando se fala em Humanismo, está-se a falar de quê?

Não há uma definição única amplamente aceite de Humanismo, tal como acontece noutros assuntos relacionados com o Pensamento. Pode haver versões paralelas em cada movimento desenvolvido por pensadores que fizeram as várias épocas que nos precederam, criando variações. Na Igreja essas “variações” são designadas por cisma.

Podemos dizer que os humanistas se opõem à imposição política de uma cultura e rejeitam ditaduras. Também não pertencem a uma igreja ou religião estabelecida, nem aceitam o uso da violência sob qualquer justificação.

Uma definição de Humanismopode ser esta: “Uma postura de vida democrática e ética na afirmação de que os seres humanos têm o direito e a responsabilidade de dar sentido e forma às suas próprias vidas. Representa a construção de uma sociedade mais humana através de uma ética baseada em valores humanos e naturais, no espírito da razão e na investigação livre. O Humanismo não é teísta nem aceita visões sobrenaturais da realidade”.

Em conformidade com esta definição, os humanistas apoiam a erradicação da fome, as melhorias na saúde, na habitação e na educação. O Humanismo é um conceito que pretende melhorar as condições sociais, aumentando a autonomia e a dignidade de todos os seres humanos, seja qual for a geografia de onde sejam naturais ou onde se encontrem. Rejeita qualquer forma de divindade e defende o bem-estar e a liberdade dos povos perante tudo e todos, com base no respeito da dignidade do Ser Humano.

O conceito humanista também pode ser referido por “Humanismo Renascentista” pelo facto de ter nascido num movimento intelectual e filosófico que floresceu na Europa entre os séculos XIV e XVI, com origem em Itália. Caracterizou-se pelo interesse renovado na antiguidade clássica, pelo antropocentrismo (o homem no centro do universo) e pela crença nas capacidades do ser humano, influenciando a arte, a ciência e a filosofia. Este movimento marcou a transição do pensamento medieval para o moderno, promovendo uma visão mais racional e individualista.

O termo Humanismo para designar esse resgate dos valores do período clássico, foi inicialmente usado pelo estudioso alemão Friedrich Niethammer, na sua obra de 1808: “A controvérsia entre filantropismo e humanismo na teoria da instrução educacional do nosso tempo”.

Friedrich Niethammer

No contexto histórico das transformações sociais que marcaram o tempo de Niethammer, o Humanismo surgiu como manifestação cultural de rupturas com a decadência da hegemonia da Igreja e o enfraquecimento do poder papal, a secularização da política, o surgimento das monarquias nacionais com o fim do feudalismo e a renovação da filosofia: portanto, uma atitude positiva para a Humanidade no seu todo.

O movimento trouxe uma renovação no estudo de Humanidades como algo essencial à formação do Ser Humano enquanto universalista.

Hoje vivemos um mau período para o Humanismo. Assistimos a práticas políticas anti-humanistas promovidas por uma extrema-direita que alastra como nódoa social, ajudada pela ganância pessoal de políticos, a qual é, sempre, alicerçada na ignorância e na falta de memória histórica. Com a sua retórica, os anti-humanistas convencem os eleitores menos atentos que são apanhados pela ganância própria do miserável que, destituído de moral humanista, quer ultrapassar o seu vizinho mas nunca deixando de ser, no pensamento, o miserável que é… por muito dinheiro que tenha… mas habitualmente é pobre. No bolso e no pensamento.

26 de Outubro, 2025 Onofre Varela

Humanismo e lei religiosa (2)

É sabido que as ditaduras oprimem os povos submetendo-os a uma pretensa “tradição a pedir respeito”. Tal tradição não passa de falácia pela qual se praticam maldades. As tradições sociais e religiosas não legalizam a maldade. 

Numa aldeia transmontana era tradição prender um gato no cimo de um poste, ao qual se ateava fogo! Numa outra localidade espanhola também era tradição lançar uma cabra viva, das ameias de um castelo, para um penhasco!

Dir-se-á que nas duas situações se dava vida a “tradições culturais” comunitárias… mas eram, principalmente, acções desumanas e cruéis que tiravam a vida aos animais (ou os feriam) para gáudio de uns tantos homens de comportamento moral duvidoso (muito mais imoral do que moral) que a “cultura” não pode tolerar e que a lei de um país moderno não pode outorgar; por isso se proibiram essas práticas “culturais”. As leis não podem ser desligadas do respeito devido a qualquer ser humano, ou animal, seja aqui ou na Cochinchina.

No Irão e no Afeganistão praticam-se leis que não são modelo de respeito em lugar nenhum do mundo… começando por não o ser nos próprios países que as praticam. No Irão, em Outubro de 2024 foi publicada uma lei sobre o uso do “hijab” (lenço de cabeça) que castiga com até cinco anos de cadeia as mulheres que não o usem. 

Num comunicado da organização “Human Rights Watch” (Observatório dos Direitos Humanos – uma organização não governamental) faz-se saber que a nova lei, intitulada “Protecção da família através da promoção da cultura do hijab e da castidade”, apresentada no Parlamento iraniano a 20 de Setembro de 2023, foi aprovada pelo Conselho dos Guardiões, o órgão religioso que faz a aprovação final das leis do país. 

Tal lei consolida medidas que já vigoravam para impor o véu islâmico, e adiciona sanções mais severas, como multas e penas de prisão mais longas, bem como restrições ao emprego e às oportunidades de educação para os infractores. (No Ocidente os governos extremistas de Direita vão atrás dos mentores islâmicos e proíbem o uso de trajes regionais. Por cá, a proibição acontece para imigrantes quando usam trajes folclóricos quando não são minhotos, escalabitanos ou algarvios!…).

A morte da jovem de 22 anos Mahsa Amini, às mãos da polícia em Setembro de 2022 por não usar o hijab conforme a lei manda, desencadeou uma onda de protestos durante vários meses com motins nas ruas e a polícia a matar e a prender manifestantes. 

Fonte: Britannica

O governo autocrático e religioso, em vez de responder ao movimento “Mulher, Vida, Liberdade” com as reformas fundamentais reivindicadas, “silenciou as mulheres com leis de vestuário ainda mais repressivas, o que só pode gerar uma resistência e um desafio feroz entre as mulheres dentro e fora do Irão”, disse Nahid Naghsh Bandi, investigadora da Human Rights Watch no Irão. 

A nova lei, que pode castigar com cinco anos de prisão a falta de uso do véu, é composta por 71 artigos que reforçam o controle sobre a vida das mulheres e das instituições que não aplicam estas medidas. No século XXI, o Irão – que tem a carga histórica de se localizar na região geográfica da Mesopotâmia onde nasceu a civilização há cerca de seis mil anos – em termos de evolução do pensamento ainda não passou da mais profunda Idade Média!

(Continua)

20 de Outubro, 2025 Onofre Varela

Humanismo e lei religiosa (1)

O tema em que pego para escrever esta crónica, obriga-me a ocupar um espaço maior do que aquele que o jornal me concede. Vou, por isso, dividi-lo em três partes, publicando hoje a primeira parte.

Cada país rege-se pelas leis aprovadas no seu Parlamento, o qual tem duas formas de existência: ou foi formado pelo voto popular e vive em Democracia, ou foi imposto por um qualquer sistema ditatorial.

Retirando a segunda hipótese que todos nós rejeitamos (espero eu… exceptuando quem não o rejeita, até o deseja, e que hoje até tem assento no nosso Parlamento), é comum, por respeito à liberdade dos povos, não nos imiscuirmos na política interna de outros países, nem “ditarmos leis” na casa dos nossos vizinhos. Mas podemos (e, sobretudo, devemos) criticá-los porque a Democracia também existe para isso mesmo… e no caso de os nossos vizinhos serem dirigidos por ditadores, podemos (e também, sobretudo, devemos) ajudá-los a combater a ditadura que os oprime, em nome da decência, da ética e da Humanidade.

As leis não caem do céu como as folhas outonais caem das árvores.

Há uma “História das Leis” ligada ao desenvolvimento da Civilização. No Egipto Antigo, há 5.000 anos, já havia uma lei escrita para governar o país, baseada na tradição e na igualdade social.

Há 3.800 anos, o Código Hamurábi regia a lei na Babilónia, ficando conhecido como o primeiro código de leis da civilização Suméria (o berço da civilização).

Fonte: The Paris Review

O Antigo Testamento tem mais de 3.300 anos e assume a forma de imperativos morais (alegadamente ditados por um deus) como recomendações para uma boa gestão da sociedade.

Há cerca de 2.900 anos, Atenas foi a primeira sociedade a basear-se na ampla inclusão dos seus cidadãos, mas excluindo mulheres e escravos.

A lei romana foi influenciada pela filosofia grega e impôs-se na Europa Medieval após a queda do Império Romano, a qual foi retocada com preceitos religiosos católicos.

Depois surgiu a necessidade de redigir leis internacionais para regular o comércio em toda a Europa e no mundo.

Toda esta retórica me serviu para chegar ao momento de dizer que, embora cada país tenha a autoridade legal e inalienável de ditar leis aos seus povos, é igualmente verdade que a liberdade de cada pessoa em qualquer parte do mundo é, também ela, inalienável à luz do Humanismo, do conceito da igualdade e do respeito devido ao próximo. Por isso as ditaduras são repudiadas.

Podemos dizer que cada sociedade tem a sua sensibilidade, e esta está na base das leis que a rege. Porém, o Humanismo não está presente nas leis de muitos países… e o Ser Humano é igual em qualquer parte do mundo. Cada mulher, cada homem, cada criança, tem o mesmo sistema nervoso que lhes permite sentir alegria e tristeza perante a mesma experiência de vida, e não precisamos de estudar Direito para sabermos – e sentirmos – o que é justo e o que é injusto. Aqui ou nos antípodas.

O Humanismo, com todas as particularidades que o constroem, é o único modo político e económico de governar (bem) os povos, em qualquer parte do mundo.

PARTE 2

29 de Setembro, 2025 Onofre Varela

«ERA UMA VEZ NA AMÉRICA»…

Os Estados Unidos da América (EUA) pelas acções dos republicanos no poder comandados por Donald Trump, deram, de si mesmos, a habitual imagem degradante do que é a política na versão fundamentalista com muletas religiosas.

Charlie Kirk, militante republicano assassinado a tiro no dia 10 de Setembro último, foi homenageado num recinto que se mostrou pequeno para albergar a multidão que acorreu à homenagem, congregando cerca de 90.000 pessoas. Kirk foi honrado como “mártir da fé cristã”, nas palavras do vice-presidente dos EUA, J. D. Vance. E Donald Trump, por sua vez, referiu-o como um “evangelista da liberdade”!…

Esta do “evangelista” é a mais recente versão do Cristianismo no seu modelo de seita fundamentalista, conseguida na confusão do lema “A América Grande Outra Vez” inventado por Trump, que é o candidato ao lugar histórico de ditador dos EUA. Nesta aproximação da América actual ao figurino religioso islâmico-fundamentalista, o Secretário de Estado Marco Rubio comparou Charlie Kirk a Jesus Cristo!…

Por sua vez, a viúva de Kirk tomou parte do espectáculo debitando um discurso místico, perdoando ao “jovem que matou” o seu marido, porque foi o que Jesus fez na cruz, ao dizer “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. “Porque a resposta nunca é o ódio, mas sim o amor. Amor pelos nossos inimigos e por quem nos persegue”.

Seguiu-se um outro momento patriótico com a multidão a entoar a canção “América the Beautiful”, rematada com um discurso do conselheiro presidencial Stephen Miller, dizendo que os que estão contra o activista Kirk “não são conscientes do que despertaram. Vós acreditastes que pudestes matar Charlie Kirk? Só conseguistes torná-lo imortal… agora, milhões tomarão o seu lugar!”

Depois apelou à derrota “das forças das trevas e do mal”, concluindo: “Não podem parar-nos. Nós temos beleza, luz, virtude, força, determinação. Os nossos inimigos não percebem a nossa paixão. Nós construímos este mundo e vamos defendê-lo. Estamos do lado do bem, do lado de Deus”. A seguir, Jack Posobiec, comentador de extrema-Direita e apoiante fervoroso de Trump, na mesma senda de Miller, entrou em cena apelando “a uma guerra espiritual”!…

Chegou o momento de Trump brilhar em apoteose, encerrando o degradante espectáculo. Fez um comício onde enalteceu o ideal “republicano-americano”, defendendo as comissões “caça-dinheiro” que impôs aos países que querem negociar com os EUA; atacou Joe Biden (o seu inimigo de estimação já neutralizado desde as eleições); mais os imigrantes que quer ver expulsos do território; e mais a “esquerda radical” a quem culpa pelo assassinato de Kirk; e ainda os meios de informação independentes por não dizerem o que ele quer que se diga. Acabou em grande, garantindo que nos seus oito meses de governação converteu os EUA no “país mais sexy do mundo”!…

Se tudo isto não é uma súmula de discursos de loucos… então o que é?!…

Aquilo que seria o funeral de um activista político assassinado, foi transformado numa jornada “político-religiosa” com Deus na boca e o Diabo no coração de todos os intervenientes, ao estilo das ameaças extremistas islâmicas!

E tudo isto acontece, hoje, na América!…

28 de Setembro, 2025 Onofre Varela

Pode-se viver sem deuses, mas não sem Conhecimento

Roberto Calasso foi um escritor e editor italiano que morreu em Milão no dia 29 de Julho de 2021, com 80 anos de idade. Reconhecido pelos seus amigos como sendo dono de um carácter “muito difícil e complicado”, também se lhe reconhecia a sua extrema elegância, falando com a precisão dos sábios. E sabia manter o silêncio sobre qualquer pensamento do qual ainda não tivesse tomado consciência plena para se poder exprimir sobre ele.

O filósofo e ensaísta espanhol Juan Arnau, especialista em religiões orientais, escreveu sobre Roberto Calasso, começando por dizer que “da solidão surge o conhecimento, do conhecimento a arte e da arte o eterno, fechando-se o ciclo”. Calasso não encontrava diferença entre “o pensamento e a literatura”, convivendo com as duas matérias como se fosse uma só.

Numa das suas últimas entrevistas, o escritor e editor confessou que se pode viver sem os deuses, mas que “a experiência do divino muda tudo”, e é essencial saber reconhecê-lo. Calasso soube ler o mundo como se fosse um texto sagrado no qual estamos entrelaçados, mas, ao mesmo tempo, olhava com receio os êxitos da nossa civilização tecnológica, dizendo que “a tecnologia cria a ilusão do conhecimento”, e que “estamos perto de sabermos quase tudo do que não nos interessa saber”.

Sobre a Neurociência (disciplina da moda no século XXI), Calasso mostrou-se muito crítico da ideia de “a consciência ser uma propriedade da matéria”, concluindo que a antiga busca do divino, encetada pelos gregos, se transformou hoje na indagação sobre a Natureza e a consciência, mas que a nossa civilização não foi (ainda) capaz de distinguir “mente e consciência”.

Nem sequer Husserl, que foi o primeiro a fazer da consciência o tema central da filosofia contemporânea. (Gustav Hussel [1859-1938] foi um filósofo e matemático alemão, fundador da “escola da fenomenologia”, cujo pensamento influenciou profundamente todo o cenário intelectual do século XX, mais a parte do século XXI que já vivemos).

Ao contrário do que é aceite – de que a mente está no cérebro – Calasso defendeu o contrário: o cérebro é que está dentro da mente! A identificação entre mente e cérebro é um dos descalabros do pensamento moderno – dizia ele – para a seguir sentenciar que “na sociedade secular tudo é idolatria, e que toda a boa literatura é sagrada”. A mente deixou-se embrulhar na sua própria projecção “e a inteligência deixou-se absorver pelos algoritmos”, do que resultou esta fatalidade: “os verdadeiros problemas não têm solução”… ou não estamos nada interessados em procurá-la, encantados que nos sentimos na artificialidade com que decoramos a naturalidade, como se fosse uma árvore de Natal!…

19 de Setembro, 2025 Onofre Varela

Bandidos e religiosos no poder

Por Onofre Varela

No primeiro dia do seu segundo mandato (21 de Janeiro de 2025), Trump indultou cerca de 1.600 condenados por delitos cometidos no assalto ao Capitólio de Janeiro de 2021, onde morreram cinco pessoas e houve muita destruição. A origem do tumulto esteve num discurso de Trump, enquanto perdedor das eleições, incendiando a raiva dos seus apoiantes, levando-os à prática de actos de bandidagem. Actos que Trump premiou quatro anos depois libertando os bandidos.

Trump e Bolsonaro (este seguiu aquele no acto de assaltar a “Casa da Democracia”) fazem parte de um punhado de tiranos que se imaginam “mandatados por Deus”. Bolsonaro deixou-se “benzer” pelo líder de uma seita extremista, dita cristã, e Trump criou o “Departamento de Fé da Casa Branca”, tendo como “assessora espiritual”, desde Fevereiro de 2025, Paula White, de 59 anos, que proclamou esta enormidade: “está a caminho uma legião de anjos para oferecer reforço celestial a Trump” (jornal espanhol El País de 13/09/2025).

Ao contrário de Bolsonaro, Trump não se assume como “fiel crente de uma fé religiosa”, só porque o seu umbigo fortemente inchado de poder e arrogância, não lhe permite submeter-se aos ditames de um deus; ele está acima de qualquer deidade… todos os deuses do mundo é que devem submeter-se-lhe… a “fé” de Trump é outra. Como comissionista que é, não obedece a outros deuses que não sejam o lucro, as suas contas bancárias, o desejo de exercer o poder sobre todos os governos do mundo, e de ver submetidos a si todos os cidadãos do universo.

Trump encarna “uma virilidade autoritária enraizada no imaginário evangélico”, a qual faz parte da cartilha dos extremistas da Direita americana (quiçá mundial) que interrogam: “Se Deus decide quem é o rico e o pobre, o que é que o Estado pode fazer perante tal decisão divina?”. Esta perigosa associação da política extremada de Direita com o extremismo religioso cristão, criou uma nova ideia referida por “cristoneofascismo” que preocupa muita gente, incluindo teólogos como Juan José Tamayo (que acabou de publicar o ensaio «Cristianismo Radical», na editora Trotta – Madrid) no qual afirma que “o evangelho da prosperidade” – conceito extremado na Direita política dos EUA e da América do Sul – está a arrebatar ao cristianismo a sua mensagem original.

Se os “pobrezinhos europeus” se consolam na ideia da bondade de Deus, do outro lado do Atlântico isso não basta. Enraíza-se a ideia de que “Deus abençoa os bons cristãos com êxito material”. Se a minha avó ouvisse tal argumento benzia-se com a mão esquerda e morria outra vez! (Bom… na verdade, a Igreja sempre praticou o poder material. A filosofia do “pobrezinho mas honrado” não passa de artimanha saloia para arrebanhar fiéis na escala dos mais desgraçados).

Quem alerta para essa ideia é Kristin du Mez, autora do livro “Jesús y John Wayne”, onde diz que os cristãos substituíram o humilde Jesus dos evangelhos por ídolos de masculinidade autoritária e pelo nacionalismo cristão. Pior ainda… há quem difunda a ideia de que “os pobres são indignos e os únicos culpados da sua pobreza”, cuja mensagem contraria os ensinamentos cristãos, mas que pretendem fazer lei na «América grande outra vez», de Trump.

Concluindo este meu raciocínio, alerto os meus leitores para o facto de Trump apoiar a decisão de El Salvador (para cujas prisões “exportou” imigrantes latino-americanos) poder abolir os limites do mandato presidencial, abrindo caminho ao presidente autocrático Nayib Bukele (empresário de 44 anos filiado no partido de extrema-Direita “Novas Ideias”, no poder desde 2019) para que se eternize no cargo de presidente do país). Isto devia preocupar-nos a todos porque, na sua campanha eleitoral, Trump disse aos americanos, ser “a última vez que precisam de votar” numa clara alusão à vontade de se eternizar no poder se conseguir, nos seus quatro anos de mandato, alterar as leis fundamentais da democracia nos EUA!…

(Quanto aos Bandidos e Religiosos referidos no título, deixo ao leitor uma viagem pela geografia política do mundo para poder elaborar a sua própria lista).

OV

12 de Setembro, 2025 Onofre Varela

Trump enterra o Ocidente num “cemitério bonito”

Por Onofre Varela*

*Publicado no Semanário Alto Minho e na Gazeta de Paços de Ferreira.

Donald Trump tomou conta do seu segundo mandato depois de ter sido derrotado eleitoralmente no final do primeiro (e após ter tentado uma espécie de “golpe de Estado” no incentivo que deu aos seus apoiantes para tomarem de assalto o Capitólio), prometendo tornar a “América grande outra vez”. (O seu homólogo brasileiro está a ser julgado por ter incentivado as mesmas acções de assalto ao poder, mas Trump está escudado pela “lei do Far-West”). 

O seu modo de “engrandecer a América” baseia-se na experiência que tem de comissionista, cobrando taxas pelo serviço de intermediação… profissão que deve ter exercido durante toda a sua vida, no estilo de cobrar dois cêntimos por cada botão vendido no território que dominava, tal como Al Capone cobrava com a venda ilegal de whisky no tempo da “Lei Seca” dos anos 20 e 30, nos bairros nova-iorquinos (a “honestidade” do seu enriquecimento poderá ter tido por base o mesmo modelo).

O espírito comercial de Trump, ávido de encher os cofres do Estado (e de fomentar o seu próprio negócio imobiliário), leva-o a reduzir despesas não apoiando a investigação científica, cortando verbas a universidades impedindo a formação de muita gente (entre a qual, estrangeiros), despedindo profissionais qualificados, insultando adversários políticos, ameaçando cancelar a licença de televisão à NBC, dificultando a vida a jornais, começando pelo The New York Times que teima em resistir-lhe, e expulsando imigrantes.

Com tal atitude Trump prepara-se para transformar os EUA numa espécie de Rússia/Putiniana ou China/comunista/capitalista, ambas governadas por quem despreza as liberdades individuais, mais todos os valores humanistas e solidários praticados na Europa desde 1789, reforçados com o fim da Segunda Guerra Mundial há 80 anos. 

Entre a América e o Oriente (via Oceano Atlântico), fica esta Europa que representa a Civilização Ocidental e que vive maus dias. Embora prezando a máxima que diz: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (no significado de “ausência de opressão, direitos iguais para todos e solidariedade”) instituídos após a Revolução Francesa no século XVIII, a Europa vê os seus inimigos internos cada vez mais apoiados por ideais totalitários importados de regimes políticos ditatoriais, colocando em risco todos os valores democráticos e as liberdades conquistadas pelos europeus que nos precederam e que as construíram sobre as ruínas da Segunda Guerra Mundial… fazendo esta Europa Moderna amante da Liberdade.

Do outro lado do mundo, Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia) e Vladimir Putin (Rússia) organizam-se numa frente comercial e num exército bem “municiado” de armamento e soldados, apoiados por outros vizinhos, como: Cazaquistão, Paquistão, Irão e Coreia do Norte, mais cerca de uma dúzia de outros países, de entre os quais se conta: Turquia, Arábia Saudita, Egipto e Myanmar (ex-Birmânia).

Este projecto “Made in Oriente” foi agora anunciado por Xi Jinping como sendo “um esforço de propiciar um modelo de diálogo alternativo ao ocidente”, cuja apresentação teve como convidado especial (para “inglês ver”…) António Guterres numa reunião bi-lateral com Xi Jinping na China. Este “modelo de diálogo alternativo”, obviamente, não passará de um monólogo imperial na imposição de uma única ideia (o que é costume acontecer com ditadores como são Xi e Putin)!

O futuro de todo o mundo adivinha-se muito preocupante, com o comissionista dos EUA a aliar-se aos opressores de todas as liberdades, ou a deixar-se enganar por eles, levado pela sua extrema vaidade incauta e inculta, convicto de que todas as suas acções “são bonitas” não percebendo que corre o risco de ajudar a transformar o mundo (principalmente o Ocidente que tanto preza o Humanismo) num “cemitério bonito”!

OV

Cartoon da autoria de Onofre Varela
4 de Setembro, 2025 Onofre Varela

O RECADO DE UM SOCIÓLOGO… E O MEU.

Por Onofre Varela

Na imprensa espanhola li uma entrevista ao professor de sociologia norte-americano Douglas Massey, na qual disse que, depois de Donald Trump ter ganho as eleições a Kamala Harris, teve este desabafo que enviou aos seus amigos, por Internet:

«A maioria dos votantes parece aceitar a sombria mensagem de uma nação em decadência, com a falsa narrativa de uma economia em crise, o aumento da delinquência e das minorias predadoras […] A campanha de Trump foi abertamente racista, xenófoba e autoritária. Os seus partidários parecem dispostos a abandonar a democracia apoiando um demagogo autocrático que promete ‘oferecer tudo’ enquanto alimenta a sua ira e o seu ressentimento […] Uma vez no poder, com um Congresso e um poder judicial controlados pelos republicanos, Trump governará despoticamente como um populista, baseando-se na sua compreensão desinformada e cada vez mais delirante da nação e dos seus desafios, causando estragos na economia política dos Estados Unidos e da ordem política global». 

Foi um discurso premonitório!

Neste momento o mundo tem conflitos produzidos por vários actores políticos, destacando-se de entre eles o próprio Trump, mais Putin e Netanyahu. São três protagonistas de dramas que ocupam noticiários mostrando destruição e morte em dois territórios invadidos (a Palestina por Israel e a Ucrânia pela Rússia), cujas invasões são condenadas por todas as leis e acordos internacionais… mas que Trump apoia! 

Sendo evidente a maldade feita aos povos inocentes da Palestina e da Ucrânia, os invasores são apoiados por alguns jovens (e menos jovens) deste meu país que teve um ditador durante 48 anos, o qual foi combatido, unicamente, pelos heróicos militantes comunistas (cujo reconhecimento público e nacional está por fazer) que sofreram no corpo e na mente as acções da ditadura fascista que nos oprimia e que enviou a juventude para uma guerra colonial ignóbil.

50 anos depois de vivermos em Democracia pluralista, neste Portugal regido por uma Constituição verdadeiramente HUMANISTA (quiçá, ao tempo, a mais progressista do mundo) que saiu da Assembleia da República em 1976, vejo, com muita preocupação, o aumento do apoio dado, dia-a-dia, a aprendizes de ditadores que querem destruir as liberdades conquistadas, e que, no plano internacional, apoiam o genocídio que Israel tenta na Palestina, mais a invasão da Ucrânia pela Rússia!… 

E de entre tais apoiantes contam-se militantes comunistas que desprezam o espírito dos seus heróicos combatentes, os quais me levaram a aderir ao Partido em 1978… mas a abandoná-lo quando os seus deputados, no Parlamento, viraram costas à Ucrânia numa descarada demonstração de apoio ao invasor e condenação do invadido!…

O mundo está ao contrário… o HUMANISMO já não tem valor… deixou de ser atendido por militantes comunistas (alguns nascidos depois da Revolução dos Cravos… mas outros com a minha idade e vivências) e que defendem ditadores pela sua visão sem pinga de HUMANISMO, desfocada pela cegueira ideológica. Os heróicos anti-Salazaristas e militantes comunistas na clandestinidade (cujos exemplos HUMANISTAS me levaram a aderir ao Partido) devem estar a dar voltas no túmulo.

Ou então… eu estive enganado toda a vida!… (Eu não fui ao Trivago…)

OV

Douglas Massey – Fonte: Wikipedia
3 de Setembro, 2025 Onofre Varela

O Papa Leão XIV existe?

Por Onofre Varela

O Papa Leão XIV foi eleito a 8 de Maio de 2025. São passados três meses (100 dias) da sua tomada de posse da cadeira de S. Pedro. Bem sei que três meses não é muito tempo numa organização bi-milenar como é a Igreja Católica… em termos temporais na longevidade de qualquer carreira (mesmo não considerando a idade da instituição), três meses foi ontem.

Porém, tal como o mundo hoje se apresenta, afogado em guerras alimentadas por líderes bélicos, invasores e assassinos dos povos seus vizinhos, a voz do Papa, enquanto referente de uma moral verdadeiramente Humanista e tão propalada pela sua Igreja (é assim que ela se identifica) tem-se mantido quase em silêncio (como é comum dizer-se: num silêncio ruidoso)!…

Pode ser uma atitude defensiva, obrigando-o a pensar muito bem no que quer dizer e como dizer, para ser bem compreendido e aceite, não correndo o risco de mostrar uma imagem de navegador sem rumo definido num mar de interpretações tão diversas e falsas como Judas. O mais certo (segundo o meu pensamento de ateu) é a figura do Papa não valer mais do que a de um chefe de qualquer grupo que só tem interesse para os elementos daquele grupo.

Podemos tentar provar este pensamento com o facto de o Papa Francisco ter sido tão falado, cantado, idolatrado e apresentado como exemplo moral de um perfeito “Jesus” actual, como referência moral que recuperou a degradada imagem da Igreja Católica depois de dirigida por um extremista de Direita-radical como alguns críticos reconhecem ter sido Bento XVI.

Há cem dias que Leão XIV é chefe da Igreja Católica… e nada do seu pensamento passou para a opinião pública, nem o seu nome é referido pelos sectores políticos e sociais que fazem a actualidade. A imagem do seu antecessor, Francisco, ainda perdura na história mais recente da Igreja como seu chefe supremo… como que se Leão XIV não exista, porque não dá sinais de vida, não discursa para fora da Igreja, não critica, não vaticina nem chama a atenção do mundo para aquilo que choca (ou deveria chocar) o seu pensamento… o qual, ninguém sabe qual seja!…

Se eu me colocar no lugar do Papa (o que é um exercício difícil, mas se cada um o fizer quando pretende julgar alguém, esse julgamento deixará de ter razão, ou será feito de um modo menos radical do que a ideia que o produziu), encontro-me sob o peso da forte imagem pública do meu antecessor, e obrigo-me a escolher uma de duas atitudes possíveis: ou continuo no caminho de quem me antecedeu, com todas as imensas dificuldades que vou encontrar no percurso porque eu não sou ele; ou então corto com os laços que me ligariam a ele, fazendo o meu caminho sem receio de comparações que me podem menorizar ou engrandecer, por muito diverso que o meu caminho seja daquele que Francisco percorreu, assumindo o risco de desiludir os crentes que esperavam de mim um “Francisco Segundo”.

Muito provavelmente, neste meu entendimento, estou a atribuir à maioria dos crentes católicos uma consciência moral e ética que eles não têm!… Por outro lado, a parte económica da Igreja é demasiado importante neste mundo onde nada se faz sem o dinheiro que “brota do Inferno” mas que tomou conta dos “altares” das nossas vidas… e dos da Igreja também. O “deus-dinheiro” é o verdadeiro deus da sociedade moderna tão precisada de evoluir no sentido de reconhecer a falta de valores que o dinheiro alimenta, e promover um sentimento maior onde o dinheiro nada vale.

Esta visão moral da despromoção do valor do dinheiro seria uma mais valia para uma Igreja que se diz fraterna e defensora do sentimento do “amor”… mas sem “o guito” que a alimenta, a Igreja falece como falecem os indigentes nas bermas das estradas e nos portais das cidades. Por isso me parece urgente reconhecer a menos-valia do dinheiro e do poder de quem o detém, trocando-o pela mais-valia das pessoas, independentemente de quem elas sejam… basta existirem!

Leão XIV conseguirá promover esta alteração social, transformando qualquer indigente num representante da espécie humana, muito mais importante e digno do que a importância falaciosa e a ausência de dignidade que retratam ratazanas de esgoto como são Trump, Putin e Netanyahu?