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A dissolução da família

A propósito da polémica que se adivinha sobre a lei da união de facto, e para a qual a Igreja Católica já afia navalhas:

Na Roma antiga os deuses não intervinham para oficiar casamentos, não se fazia distinção entre casar e coabitar. O casamento não passava de um acordo privado entre famílias, selado com um banquete, regado com bom palhete. A prática daquilo a que hoje chamamos, amor adúltero, foi socialmente aceite durante vários séculos. O casamento era pois, um acto de carácter prático, um acordo de conveniência. A Igreja Católica Apostólica Romana, cujos ministros não se contentam em “levar as almas todas para o céu principalmente aquelas que mais precisarem”, (assim me obrigam em miúdo, a rezar no terço) …  à medida que reforçava o seu poder económico e político, empenhava-se no controlo e regulamentação do casamento, impondo inclusivamente, restrições em matéria sexual.

O concílio de Worms (1077) proibiu a poligamia, censurou os prazeres do corpo e até proibiu os banhos! Os respeitáveis funcionários de deus, bafejados pelo Espírito Santo, chegaram à conclusão de que o sexo estava relacionado com doenças como a lepra (tal era a sua obsessão pelo pecado da carne). O concílio de Latrão (1215) estabeleceu como condição para o reconhecimento da união, um dote para a noiva, e a boda tinha que ser celebrada numa Igreja, sendo que, só eles podiam oficializar o acto. A Igreja estabeleu ainda, a possível causa para a anulação do casamento, a impotência, esta era verificada por um grupo de mulheres “idóneas”, que deveriam vigiar o casal durante o acto sexual e comprovar se o membro viril estava ou não capaz, na função para o qual deus o engendrou.

Mas a terra gira, e mesmo contra a vontade dos digníssimos representantes de deus, as coisas começaram a mudar quando no século XVI, Henrique VIII de Inglaterra, resolveu mandar o Papa às urtigas e se divorciou das suas esposas, contribuindo sem o saber, para a grande “revolução” na vida conjugal da Europa. No século XX, e com a emancipação económica da mulher, o casamento baseado no marido que sustentava a família e na esposa dona-de-casa que o esperava enquanto mudava as fraldas aos rebentos e vigiava as panelas ao lume, deixou de ser o único modelo possível. Nos E.U. enquanto Frances Willard escrevia sobre o prazer de andar em bicicleta, alguns crentes alertavam para o perigo de tal prática, afirmando que esse era o primeiro passo para a degeneração sexual da mulher. Também o antropólogo J. Allen, alertava para o perigo que seria, conceder o direito de voto às mulheres casadas, afirmava que tal facto iria conduzir inevitavelmente à “dissolução da família”. Em Portugal, até ao 25 de Abril de 74, o marido podia pedir o divórcio em caso de adultério da mulher, já o contrário não era possível.  A boa esposa porém, era obrigada a pedir autorização ao marido para abrir uma simples conta no banco.

É notório o vazio e inutilidade da quase patética cerimónia religiosa a que os curas insistem em submeter os nubentes. As Igrejas estão cada vez mais vazias, é um facto indesmentível que os padres reconhecem com desespero ao verem diminuir drasticamente as receitas. O que está em jogo é o que o Clero mais teme: a perda do protagonismo na organização social do país. Antigamente o casamento era uma forma de transmitir a propriedade e ampliar os laços sociais; hoje, baseia-se no amor, premissa que o Clero desconhece.  A Saramago não lhe é reconhecido o direito a opinar sobre a bíblia. Que sabem do amor conjugal uns celibatários que jamais experimentaram o afago e o beijo de uma esposa e recusam o ensejo da paternidade? Deviam coibir-se de se pronunciar sobre o amor que outros sentem, partilham ou decidem levar à prática.