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Ratros estará doido?

Ratros é um senhor feudal.
O seu feudo tem cerca de 300 habitantes, e ele quer que eles sejam livres.

Ratros também quer que cada um dos seus servos o adore. Em particular Ratros quer, por exemplo, que cada um deles tenha em casa um retrato seu, e que o abrace todas as noites.
Ratros pensou em dizer «cada um de vós é totalmente livre de ter ou não um retrato da minha pessoa na vossa casa. Mas terão de ser consequentes com os vossos actos: se não tiverem tal retrato, serão degolados», mas apercebeu-se que isso era absurdo. Essa situação, de lhes permitir ter ou não ter retratos nas respectivas casas, mas castigá-los severamente caso não tivessem seria indistinguível de uma proibição. Seria uma proibição. Seria uma limitação à liberdade dos habitantes do seu feudo.

Ratros reflectiu: caso ele se limitasse a castigar quem não tivesse tal retrato, todos teriam o retrato, mas por mero medo do castigo – não seriam livres. Mas se Ratros não fizesse nada, muitos poderiam nunca ter o seu retrato em suas casas e viver impunes. Então teve uma ideia.

Em vez de anunciar perante todo o feudo que degolava quem não tivesse um retrato seu na sua casa, decidiu espalhar rumores. Primeiro apareceu a Josefias, que era pastor, e pediu-lhe que espalhasse tal regra. Mais tarde apareceu a Martins, o juíz, repetindo o que tinha dito, e dando instruções adicionais.

Os rumores sobre o que dissera foram-se espalhando, mas, à medida que a palavra se espalhava eles iam sendo distorcidos. Havia quem dissesse que era importante que o quadro fosse pintado a óleo, e quem jurasse a pés juntos que seria chicoteado quem não o tivesse pintado a cera. Pior de tudo, havia vários rumores a serem espalhados que diziam que era quem não tivesse o quadro de Dromodor (um outro senhor feudal de existência incerta) que seria degolado. E cada vez foram surgindo novos e diferentes rumores. Algumas pessoas sentiam-se perante tal confusão de rumores que preferiam não confiar em nenhum, e diziam «se Ratros quisesse que nós tivéssemos o seu quadro em nossas casas, ele dizia-o claramente, espalhando pergaminhos por si assinados por todos os recantos do seu domínio, não lhe custiaria nada fazê-lo, e espalhar rumores desta forma parece uma brincadeira absurda.»

Ratros decidiu entao enviar o seu próprio filho para falar com Joel e Abel, dois carpinteiros, para lhes transmitir com clareza todas as instruções. Joel e Abel ficaram tão convictos que foram extremamente persuasivos. Desta feita convenceram quase um terço das pessoas a respeito da importância do quadro de Ratros em cada lar, se bem que, com o passar do tempo, as discussões entre os que acreditavam na importância do óleo e da cera se mantivessem constantes, e por vezes bem agressivas. Quanto aos restantes, quase um terço mantinha nas suas casas um retrato de Dromodor. Havia quem dissesse que era parecido com Ratros, e quem considerasse que era totalmente diferente.

Esta história faz algum sentido?

Não.

Porque não?
Porque, como é óbvio, Ratros não tornou as pessoas mais livres por esconder delas o castigo que pretende aplicar. Porque não faz sentido querer esconder tal castigo, supondo que tal segredo é o garante da liberdade, e depois tentar passá-lo através de rumores, vivendo com toda a confusão que isso implica.
Porque assim Ratros nem sequer vai beneficiar necessariamente aqueles que potencialmente pudessem gostar mais dele, mas sim aqueles que tiveram a sorte de ouvir os rumores certos, ou a sorte de duvidarem dos errados e não dos certos – a sorte de não ter espírito crítico face a esses.
Esta atitude de Ratros seria totalmente absurda do princípio ao fim. Só um louco agiria desta forma.

Querem-nos convencer que Deus, alegadamente infinitamente justo e cheio de amor, age desta forma. Que o Deus omnipotente não envia um anjo seu para cada um de nós; ou pelo menos para a ONU em directo para as câmaras de todo o mundo; que não escreve a história de Jesus na Lua para todos vermos que é verdade; que se esconde de tantos de nós; por não querer que façamos a sua vontade apenas por medo do Inferno, a que alegadamente nos destina caso não o adoremos.
Isto é totalmente absurdo.