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Dia: 14 de Setembro, 2006

14 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

REPÚBLICA e LAICIDADE – associação cívica

COMUNICADO

É com a maior preocupação que a associação cívica República e Laicidade (R&L) regista aqui o facto grave de, uma vez mais, o princípio da não confessionalidade das cerimónias oficiais do Estado ter sido violado.

Desta vez, a situação ocorreu, no passado dia12, numa freguesia rural do Concelho de Faro, durante o acto oficial de inauguração de uma nova escola pública: a cerimónia, presidida pelo Primeiro Ministro da República e onde, entre outras individualidades oficiais, também participou a Ministra da Educação, envolveu a bênção católica das instalações (cf. reportagem nos noticiários da SIC).

Este facto é tanto mais grave quanto é recente a criação da legislação que esclarece os termos, assumidamente não confessionais, por que se deve reger o protocolo do Estado ? uma legislação que surgiu, aliás, na sequência de um reparo da associação R&L ? e ainda pelo facto de ser o próprio Governo da República, ao seu mais alto nível, a vir dar ao país um péssimo exemplo da sua não aplicação.

14/set/2006 Luis Mateus (presidente) Ricardo Alves (secretário)

14 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Um desafio

A todos os criacionistas, da linha dura evangélica ou da linha mole católica, proponho o seguinte desafio: como pretendem que a vossa «teoria», ao contrário das teorias científicas actuais, constitui a descrição correcta da realidade em questões como a origem do universo, a origem da vida ou a origem da humanidade, proponham uma experiência ou um conjunto de experiências que permitam provar que a vossa teoria está correcta e a ciência errada. Assim validaremos qual das duas resiste à prova dos factos.

Obrigado.

P.S. Peço a fineza de indicarem as previsões em termos quantitativos, com as respectivas barras de erro, assim como as experiências de controlo a realizar. Deveis usar o SI.
14 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Jónatas Machado e a Biologia Molecular

«No seu artigo no jornal «O Público», [Jónatas Machado] apresenta uma série de argumentos padrão do movimento criacionista, todos baseados em mal-entendidos (assumindo que são apresentados de boa fé). Em primeiro lugar, JM mostra-se preocupado que o Papa vá a «reboque de teólogos e cientistas, cujas posições estão em constante mutação». Mudar de opinião pode ser mal visto em teologia, mas em ciência é fundamental. Afinal, é esse o objectivo da ciência: mudar a nossa opinião de forma a que esteja sempre o mais possível de acordo com os factos. Como ninguém conhece todos os factos, qualquer cientista (eu diria mesmo qualquer pessoa intelectualmente honesta) tem que estar preparado para mudar a sua opinião se confrontado com factos que a contradigam.

Outro termo revelador que JM usa é «evolucionistas». A teoria da evolução é uma ferramenta conceptual, algo que nos ajuda a compreender e prever aspectos da natureza. Chamar «evolucionista» a quem a usa desta forma é como chamar «gravitacionista» aos arquitectos e engenheiros civis porque incluem a gravidade nos seus cálculos. Ao contrário do criacionismo, nem o «evolucionismo» nem o «gravitacionismo» são doutrinas. São teorias, ferramentas para aplicar onde aplicável, modificar conforme necessário, e talvez até rejeitar se um dia se revelarem incompatíveis com os factos. Ao contrário dos criacionistas, os cientistas mudam de opinião quando se justifica.

Mas o que quero abordar aqui é principalmente esta afirmação de JM:

«Os evolucionistas interpretam a existência de semelhanças genéticas como evidência de um ancestral comum, ao passo que os criacionistas as interpretam como evidência de um Criador comum.»

Este é um dos truques do criacionismo, apresentar o problema como uma mera divergência de interpretações dos mesmos factos. E para qualquer pessoa que desconheça os factos pode até fazer sentido. Há semelhanças e diferenças, uns dizem que é porque o deus deles assim o quis, outros dizem que os organismos evoluíram assim. Mas os factos não se restringem à mera presença de semelhanças e diferenças. O mais revelador é o padrão das semelhanças e diferenças, e é nos detalhes que se distinguem as boas explicações das más desculpas.

Consideremos a hipótese de JM, que um deus criou todos os organismos. Neste caso é natural que um rato, um morcego, e um pardal tenham semelhanças e diferenças nos seus genes. O morcego e o pardal têm asas, o morcego e o rato são mamíferos, e assim por diante. E seria de esperar que as diferenças sejam maiores entre o rato e o pardal do que entre o morcego e qualquer um dos outros dois. O morcego talvez seja mais parecido com o rato, ou talvez mais como o pardal, mas seria de esperar que estivesse algures entre o rato e o pardal.

Segundo a teoria da evolução isto não pode acontecer. Entre o rato e o pardal apenas estão os seus antepassados, e ninguém da geração presente. Se o morcego estiver mais próximo do rato (que é o caso), terá que haver tantas diferenças entre o pardal e o morcego como entre o pardal e o rato. O pardal é como um primo afastado e o morcego e o rato como irmãos, e por isso a relação de parentesco entre o rato e o pardal é a mesma que a relação entre o morcego e o pardal.

Temos assim uma grande diferença entre a forma como as duas hipóteses podem interpretar os factos observados. Segundo a hipótese que partilhamos todos um ancestral comum, as espécies modernas formam uma geração da enorme árvore de família que une todos os seres vivos, e por isso nunca pode haver os tais casos intermédios. As espécies modernas têm que se relacionar todas como primos mais ou menos afastados. Isto é uma afirmação extremamente arriscada, mas daquelas que caracterizam uma boa explicação científica. E é precisamente isso que observamos em milhares de espécies estudadas.

A hipótese criacionista, que postula uma criação independente, é incapaz de explicar esta relação que se observa nas diferenças e semelhanças entre os genes de todos os organismos. Pode afirmar que o alegado criador quis criar os genes todos tal e qual como se esperaria se descendessem de um ancestral comum, mas por ser compatível com qualquer observação a hipótese criacionista torna-se inútil como explicação.

Há outro pormenor importante que favorece a teoria da evolução. Os nossos genes são como que receitas para criar proteínas. Os genes e as proteínas são moléculas complexas formadas por moléculas mais pequenas encadeadas em longas sequências, e cada sequência de três destas moléculas no gene especifica uma na proteína. Por exemplo, para a receita genética especificar uma alanina na proteína, no gene podemos ter GCC, GCA, GCG, ou GCT. Qualquer uma destas quatro sequências especifica uma alanina na proteína correspondente.

Se um organismo tiver a sequência GCC e outro organismo a sequência GCA, ambos produzem a mesma proteína apesar de terem uma diferença no gene. Estas sequências são chamadas sinónimas, pois estão escritas de forma diferente mas «querem dizer» o mesmo. Segundo a hipótese criacionista, seria de esperar um número aproximadamente igual de diferenças sinónimas e não sinónimas. Os genes do coelho e do rabanete teriam sido criados por um ser inteligente de forma a dar origem a organismos diferentes, mas o criador podia também ter incluído algumas diferenças sem consequência.

Segundo a teoria da evolução, estas diferenças resultam da acumulação de mutações (não inteligentes) ao longo de muitas gerações. Se uma mutação for sinónima, por exemplo se muda um GCC para GCA, não tem qualquer efeito no organismo, e pode facilmente persistir nas gerações seguintes. Por outro lado, se a mutação não for sinónima é muito provável que seja prejudicial, porque um organismo é algo muito complexo, e alterá-lo ao acaso vai provavelmente estragar alguma coisa. Estas mutações serão rapidamente eliminadas por selecção natural. Só muito raramente é que uma mutação não sinónima neutra ou benéfica para o organismo é passada para as gerações seguintes.

Este mecanismo faz-nos prever que serão sinónimas a maioria das diferenças entre os genes das espécies que sobreviveram até hoje, pois as mutações sinónimas são as que mais facilmente sobrevivem à selecção natural. E, de facto, as diferenças sinónimas são cerca de mil vezes mais comuns que as diferenças não sinónimas. Mais significativo ainda, quanto mais importante o gene para a sobrevivência do organismo maior a proporção de diferenças sinónimas em relação às que não são sinónimas.Mais uma vez a teoria da evolução explica perfeitamente as observações, ao passo que o criacionismo apenas nos deixa pasmados com um criador supostamente inteligente que investiu 99.9% do trabalho em diferenças inconsequentes.

Em suma, é fácil argumentar que algo tão vago como «semelhanças genéticas» pode ser interpretado de inúmeras maneiras. Pode ser evolução, um deus, vários deuses, extraterrestres, ou até o Monstro do Espaguete Voador . Mas quando consideramos os detalhes, a teoria da evolução é claramente melhor que as alternativas para explicar a complexidade de observações da genética e da biologia molecular

14 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

O Papa e o Deus católico

O Papa B16 farta-se de dizer que as pessoas, particularmente na Europa, andam surdas à voz de Deus. Para além de ele falar demasiado baixo e se ter remetido à clandestinidade, não falta ao Papa a vontade de castigar os ímpios, punir a blasfémia e extinguir os que defendem a laicidade.

De forma velada condena o Islão mas enaltece-lhe o ódio ao laicismo. Quer disputar-lhe o mercado mas aproveita para ameaçar os países democráticos com o islão que – diz o Sapatinhos Vermelhos -, teme a indiferença religiosa do Ocidente. E acrescenta que «há muitos povos de religião islâmica que podem viver estes sentimentos perante o laicismo e a secularização do Ocidente», virtudes que B16 igualmente abomina.

Enquanto, às claras, usa a linguagem dúbia e hipócrita, de forma discreta influencia os políticos que se ajoelham e põem de rastos perante o último ditador vitalício europeu.

Durão Barroso, católico assumido (certamente iniciado durante a fase maoista) nomeou – segundo um pio escriba do Diário as Beiras, de 12/09 -, uma enorme porção de beatos para os grupos de trabalho de Biologia e Genética, Direito e Ciências Sociais, Filosofia e Teologia, Ética e novas Tecnologias.

Não se percebe para que quer a União Europeia um grupo de trabalho para a Teologia, a menos que esteja a decorrer um ensaio duplo-cego para saber qual é o Deus verdadeiro.

O que assusta, depois da insistência em Rocco Buttiglione para comissário europeu, é a quantidade de católicos fundamentalistas que D. Barroso nomeou para estas comissões.

Os mais tenebrosos e devotados saprófitas do Vaticano são: Carlos Casini, presidente do Movimento Pró Vida italiano e membro da Academia Pontifícia «Provita», um polaco, chefe do departamento de ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Dublin, o eslovaco Josef Glasa da Universidade de Bratislava e a teóloga alemã Hill Haker professora de filosofia moral da Faculdade de Frankfurt.

Deus dorme mas o Papa existe. Para desgraça dos homens e mulheres livres.

14 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Madrassas cristãs

A sinopse do filme Jesus Camp, de que este vídeo é apenas um trailer, indica que «Um número crescente de cristãos evangélicos acredita que está a decorrer um renascimento da América em que a juventude cristã tem de assumir a liferança do movimento conservador cristão. O filme Jesus Camp segue Levi, Rachael, Tory e mais algumas crianças no campo de verão Kids on Fire em Devil’s Lake, North Dakota, dirigido por Becky Fischer, em que crianças tão novas como miúdos de 6 anos são ensinados a tornarem-se dedicados soldados cristãos do exército de deus.

O filme segue as crianças no campo à medida que estas aperfeiçoam os seus dotes proféticos e são ensinadas em como retomar a América para Cristo. O filme dá uma visão inédita sobre o intensivo campo de treino que recruta crianças cristãs renascidas para tomarem um papel activo no futuro político dos Estados Unidos».

O filme foi visualizado por David Byrne, que partilha no seu blog as impressões sobre o mesmo. Basicamente conta que no campo cristão as crianças são ensinadas que a evolução é uma mentira «irracional» vendida por malvados ateus humanistas seculares; que a prática do aborto tem de ser parada de qualquer forma; que os cristãos têm de formar um exército para derrotar as influências ateístas; que os cristãos têm de se unir para garantir que os juizes e políticos apropriados, isto é, fundamentalistas, sejam escolhidos e finalmente que o aquecimento global é uma mentira. Basicamente as crianças são ensinadas a desconfiar de tudo o que os malvados e ateus cientistas dizem, o que não está longe da última homilia de Ratzinger

Fischer diz ainda às crianças que devem estar dispostas a morrer por Cristo e estas concordam obedientemente. Byrne, que indica ter Fischer usado o termo mártir, consegue imaginar as crianças assim doutrinadas a transformarem-se em bombistas suicidas em tudo análogos aos correspondentes fundamentalistas islâmicos.

O trailer é arrepiante e permite de per se partilhar as preocupações de Byrne: que estes fundamentalistas cristãos, muito bem organizados, querem transformar os Estados Unidos no equivalente do Irão ou Arábia Saudita (onde consideram a proibição de mulheres em Meca, nomeadamente perto da Kaaba).

Por outro lado o filme deixa-me a dúvida sobre até quando conseguirão estas crianças aceitar o mundo real antes de recorrerem à violência? Depois de uma lavagem cerebral tão completa, estas crianças ficam com uma visão do mundo completamente deturpada, veêm-se como legítimos soldados de Cristo, numa guerra justa contra os ateus, os abominados humanistas seculares e os pecadores em geral.

Podem ouvir aqui a jornalista Michelle Goldberg, que investigou estes grupos dominionistas – os fanáticos nacionalistas cristãos – e descreveu o que encontrou no livro Kingdom Coming: The Rise of Christian Nationalism. O livro, que descreve como estes fundamentalistas cristãos, cada vez em maior número, acreditam que a Bíblia é literalmente verdadeira – já que é a «palavra» de Deus e querem impor leis baseadas na Bíblia, isto é, querem que os Estados Unidos sejam uma teocracia governada por essa verdade, é aterrador.

Quer o livro quer o filme mostram bem que não há grande diferença entre os fundamentalistas cristãos e os fundamentalistas islâmicos…

14 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Karol Wojtyla: «a evolução aplica-se a todos os animais menos um» (2)

(continuação do artigo anterior)

A ideia de que o homo sapiens é um animal excepcional, esmiuçada, resume-se a dois factos: fala muito e fabrica utensílios. Mas, mesmo aí, as diferenças são de grau: podemos ensinar os nossos primos chimpanzés a usar palavras (sem gramática, todavia) e a usar utensílios (e talvez mesmo fabricá-los). Mais importante: sabe-se que algumas lesões cerebrais prejudicam o uso da linguagem e alteram a personalidade (ler Damásio), o que certifica que a mente tem uma base biológica. Claro que isto deixa o homem sem a «dignidade especial» que obcecava Wojtyla. Mas o Papa polaco pertencia ao género de pessoas que, mesmo que tivessemos dez tsunamis como o de 2004 por ano, não se convenceria de que a natureza não é boa nem má, limita-se a ser. (Quanto à ideia de que a evolução se aplica aos chimpanzés mas não aos homens, é tão absurda que só merece ser ridicularizada.)

Mas é claro que a principal diferença entre ciência e religião é metodológica. A ideia de «criação» nunca produziu uma equação ou um instrumento, uma previsão que não fosse banal, nem alguma vez nos disse nada que não pudessemos saber por outros métodos. Pior ainda, é um método estático, que não apresenta forma de se corrigir a si próprio, e que pretende que o conhecimento sobre o universo se adquire consultando textos neolíticos e discutindo-os a partir de premissas erradas e inquestionáveis. Com a ciência, pelo contrário, já curámos doenças e prolongámos a esperança de vida, inventámos o computador e o telemóvel. E podemos actualizar a ciência com novas observações e novos desenvolvimentos teóricos, corrigindo alegremente o conhecimento anterior. A ciência está do lado da liberdade, da criatividade e do aperfeiçoamento do conhecimento. A religião, embora insista em pronunciar-se sobre biologia e cosmologia, nunca produziu uma conta certa.

O apelo da religião deve-se, evidentemente, à exploração de fraquezas humanas como a vaidade, o medo da morte, o medo da solidão, o medo da realidade, e a ignorância. Mas a ciência tem para oferecer o prazer da descoberta e da compreensão da realidade, armando-nos com o espírito crítico e a independência intelectual. Quanto ao propósito do universo ou da vida humana, isso é com cada um.