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Fanatismo segundo a Igreja católica

Os escribas ao serviço da Igreja Católica, que tem aproveitado a «guerra» dos cartoons para não só frisar a «superioridade» do catolicismo em relação ao islamismo ,enfatizando o suposto estoicismo católico aos «ataques» à fé e aos símbolos cristãos, como também urgir o «respeito» às crenças religiosas, multiplicam-se a fazer passar a mensagem de que os culpados por tudo isto são os perigosos ateus e laicos.

De facto, depois de na segunda-feira J. C. das Neves nos ter agraciado com mais uma das suas pérolas redondas de raciocínio no Diário de Notícias, hoje foi a vez de outro opinador católico, Jaime Nogueira Pinto, lançar farpas no Expresso contra ateus e defensores da laicidade.

J. C. das Neves, com a «clareza» de raciocínio a que já nos habituou, opinou que «A principal diferença entre fanáticos é que os religiosos são desequilibrados mas fiéis à sua fé, enquanto os laicos violam o seu próprio dogma de tolerância», ou seja, sugerindo que os fanáticos religiosos têm desculpa porque o que fazem é devido à sua fé (ardente) enquanto os que defendem a laicidade são todos uns fanáticos que não seguem o conceito de tolerância da Igreja. Na realidade, com este comentário J. C. das Neves confirma que a ICAR ainda não foi permeada pela tolerância, que é simplesmente a atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo. Ou seja, para a ICAR e seus escribas quem não aceita de cruz os ditames do Vaticano é um fanático laico intolerante!

Que tal é verdade é confirmado pela indignação do opinador católico em relação a «Estes, para quem a liberdade é mais sagrada que Deus», ou seja, considerando ultrajante que existam indíviduos para quem sequer o conceito de Deus seja válido e que alguém se atreva a considerar que acima de qualquer mitologia estejam os direitos dos homens, sugerindo que são estes abomináveis «fanáticos» laicos, todos os que se atrevem a duvidar da superioridade da fé e que não reconhecem qualquer «autoridade divina», os responsáveis pelos desenvolvimentos da guerra dos cartoons já que «estão dispostos a incendiar o mundo pelo direito à caricatura».

Jaime Nogueira Pinto, na sua opinação intitulada «Guerras ‘religiosas’, não obrigado» (link reservado a assinantes, os restantes encontram o referido artigo no suporte celulósico do Expresso) vai mais longe e considera que «provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste» aqueles que defendem «o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante, os direitos do homem» são de facto as responsáveis por mais «uma guerra ‘religiosa’, provocada e chefiada por ateus»…

Ou seja, como já reiterado por nós, a polarização real nesta história, lá como cá, é entre laicidade e clericalismo, liberdade de expressão e delito de blasfémia. Os fundamentalistas católicos aproveitam e distorcem, também como previmos, este incidente para atacar não só a laicidade e a liberdade de expressão, como também os valores humanistas e os direitos fundamentais dos homens. Para estes fundamentalistas católicos todos os que não aceitam ser a religião a reger a res pública (apenas a res privada) são… fundamentalistas/fanáticos laicos! Na realidade qualquer dos termos é um oxímoro, um contradictio in terminus mas para os que combatem a laicidade não aceitar os ditames da respectiva religião é fanatismo, não se apercebendo que os únicos fanáticos são eles, que querem impôr a todos os dogmas e acompanhamentos dessa religião!

Assim o pretexto usado pelo opinador do Expresso de que «Os crentes no Deus do Livro – cristãos, muçulmanos, judeus -têm um sentido do sagrado que é, coerentemente, o seu primeiro valor. Respeitam e amam Deus sobre todas as coisas e os valores – políticos, de família, de amizade, de solidariedade – são para eles um reflexo e uma continuação dessa ligação ao divino» é na realidade um ataque claro à laicidade, que separa a res pública da res privada, e aos valores humanistas e laicos em que está assente a nossa civilização. Uma «receita» que segundo o fundamentalista opinador se esgotou, insinuando que apenas o regresso ao integrismo cristão evitará aquilo a que chama «guerra de civilizações» na realidade guerra das religiões.

Afirmar que «uma ofensa à religião (…) é uma ofensa pessoal ao que têm de mais querido» não só é um atentado contra a liberdade de expressão como um incitamento à intolerância em relação a ateus e laicos, que não respeitam «Deus sobre todas as coisas e os valores» e como tal a sua mera existência, especialmente se se atreverem a afirmar publicamente o seu ateísmo ou a sua laicidade, ou a defender os seus valores humanistas e a laicidade, constitui «uma ofensa à religião»!

Como o Diário Ateísta vem alertandomuitos meses, a Igreja Católica encontra na conjuntura actual as condições necessárias para restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com a integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do «poder espiritual» representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica, mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares.

Reitero as minhas expectativas já expressas de que a História recente nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça que estas constituem para o modelo de sociedade que queremos construir, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Que ameaça ruir se não pusermos um freio aos ensejos totalitários e intolerantes das religiões, nomeadamente da Igreja de Roma.