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Dia: 26 de Dezembro, 2005

26 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Humor Católico: desenvolvimentos

Alertada pelos comentários de alguns dos nossos leitores da vizinha Espanha, aos quais aproveito para agradecer, especialmente à Ester, resolvi investigar um pouco mais o que se passava com este episódio de humor católico com contornos «racistas e colonialistas», como o designou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, Armando Loayza.

E de facto, em minha opinião, este não foi o episódio infeliz retratado em alguma imprensa mas sim um desafio deliberado lançado pela COBE (certamente com o amen dos seus donos, a Conferência Episcopal Espanhola) ao governo de Zapatero que se atreveu a afrontar a até aqui toda poderosa e intocável Igreja Católica.

Desafio catalizado pela decisão recente do Conselho Audiovisual da Catalunha (CAC), a autoridade reguladora do sector nesta comunidade autónoma cujos membros são designados pelo Parlamento autónomo, que concluiu num extenso relatório de 71 páginas (pdf disponível) que a emissora COPE «incorreu numa infracção dos limites constitucionais ao exercício legítimo dos direitos fundamentais à liberdade de informação e expressão» o que constitui «um incumprimento grave do regime de concessão». Decisão aplaudida pelo colégio de jornalistas catalão. De momento a emissora não sofrerá sanções porque, de acordo com a lei vigente, aprovada este ano com 90% dos votos, tem de incorrer em nova infracção para que tal aconteça. O que tendo em conta o teor das (des)informações transcritas no relatório, mentiras descaradas, insultos ofensivos gratuitos a membros do governo nacional e catalão e afins parece provável antes do final de 2005!

Este episódio de «humor» católico serve para ilustrar qual o tipo de «liberdade de expressão» que os empregados da Conferência Episcopal querem defender daquilo a que chamam a Inquisição Audiovisual da Catalunha. Ou seja, informar com responsabilidade e veracidade é algo que não consta dos padrões da rádio da Igreja Católica espanhola, padrões a que terão de se conformar quando for aprovado o ante projecto de lei anunciado há três dias pela vice presidente María Teresa Fernández de la Vega, a criação do Conselho Audiovisual Estatal que irá colmatar a falta de uma autoridade nacional sobre os media espanhóis (a Espanha é o único país da União Europeia em que esta autoridade não existe).

Que todo o abominável episódio não foi de facto uma partida «leve» e inocente é fácil de perceber lendo a resposta de Federico Jiménez Losantos à reacção de indignação dos governos espanhol e boliviano, que segue a habitual táctica de vitimização e acusações de perseguição da santa madre Igreja. Assim o o piedoso jornalista classifica de «grotesca palhaçada orquestada por Zapatero para chantagear os bispos e liquidar os programas críticos para a sua mísera política antinacional» a reacção do governo de Zapatero e em relação a Evo Morales, o piedoso jornalista considera que «merece, no mínimo, o mesmo tratamento que os seus confrades ditatoriais [o golpista (sic) Chávez e Fidel]: a oposição política e, desde logo, a sátira onde haja liberdade de expressão».

Acho estranho que para este funcionário da Igreja Católica espanhola, que tanto se congratulou com a reeleição de Bush, sejam ditadores estadistas eleitos livremente por uma maioria esmagadora da população. Enfim, pode estar simplesmente em total ressonância com Bento XVI, que afirma que à falta de crença religiosa se segue inevitavelmente o fascismo… Mas já acho mais complicado que considere legítimo apelar ao derrube do governo, eleito democraticamente, de Zapatero por todos os meios, de «unhas e dentes» incluindo «em última instância, o levantamento popular. E em ultissimo lugar, os militares». Claro que há precedentes em Espanha nomeadamente na Guerra Civil espanhola em que Franco teve uma inestimável ajuda de Pio XI, que em 1936 exortou os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com o Generalissimo na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

Certamente que esta última declaração, quasi um apelo a um golpe militar contra Zapatero não fora o próprio Losantos reconhecer que tal apelo não teria muito eco nos meios militares espanhóis, se enquadra na tal «liberdade de expressão» considerada ameaçada pela hierarquia católica espanhola. Mas já sabemos que para um cristão fundamentalista liberdade de expressão é sinónimo de liberdade de expressão apenas para as suas «verdades absolutas».

De qualquer forma a Conferência Episcopal espanhola segue à risca as recomendações do finado Papa: «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação». Afinal liberdade de expressão para todos corresponde para a santa madre Igreja, como advertiu João Paulo II no seu último livro «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», a dar voz à «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade e que surge quando os governos decidem usurpar a «lei de Deus» como acontece com o de Zapatero.

26 de Dezembro, 2005 pfontela

Sensibilidade estética e curiosidade

Pessoalmente considero a fé religiosa monoteísta tal como ela é estruturada pelas grandes religiões actuais como uma completa charlatanice, propagada e mantida por um grupo de interesse: o clero. Mais ainda: enojam-me profundamente os actos de humilhação individual perante o «divino» que todos os anos somos testemunhas, seja pelas procissões ou outros eventos mais ou menos regulares.

A religião do livro que é dominante no Ocidente, o Cristianismo, sofre do que eu considero ser a patologia da fraqueza. Da virtude por associação à dor, ao sofrimento e à negação. A concepção do Homem como inferior parece ser intrínseca a ela, a sua concepção de deus só me parece possível rebaixando o Homem ou a um escravo ou a um ser que é perfeitamente patético e indigno seja do que for.

Apesar de tudo isto não me é possível negar ao crente o direito de se tornar na criatura patética dos seus sonhos (pesadelos?). O facto de respeitar a sua liberdade individual não torna as suas concepções alienígenas mais próximas da minha estética, nem por um segundo. O que sim me força é a rejeitar o papel de educador, de pedagogo e acima de tudo o de salvador (com tons totalitários como é regra). Deixemos o messianismo para outros.

A conclusão lógica de tudo isto é, ou deve ser, a não interferência. Que muito possivelmente, nos casos de maior curiosidade intelectual, é complementada por uma tolerância derivada da partilha de opiniões e elementos «culturais» – digo isto sem ironia alguma, pois apesar de ser um ateu empedernido, materialista e empirista tenho grande interesse e curiosidade pelos mitos e ideias que circulam, ou circularam, pela «oposição».

O que torna este diálogo impossível (que é essencialmente de natureza intelectual e de escasso interesse para muitos) é o fanatismo. Qualquer posição que defende a existência de um imperativo moral que justifique a acção opressiva não pode aceitar qualquer diálogo, pois a própria existência de uma oposição fere a sua sensibilidade e o seu suposto primado sobre a verdade. A religião exerce por excelência (mas não exclusivamente) esse papel pelas suas organizações que se encontram mais ou menos institucionalizadas conforme o grau de secularização – que é um pré-requisito de uma genuína liberdade civil.

A convivência pacífica não é ameaçada pela diversidade, desde que esta diversidade seja subentendida num contexto da existência de um espaço completamente privado, onde existe liberdade para agir como bem entendemos, e um espaço público que por natureza tem que ser neutro. E o que digo vale tanto para ateus como para teístas.

26 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

O medo e a fé

O medo é o mais fiel aliado das religiões e o sofrimento o húmus onde floresce a fé. A aflição e a angústia debilitam o intelecto, mortificam o corpo e tornam consciências lúcidas em farrapos que as religiões enrolam na manta de charlatanismo que tecem.

Todas as religiões se reclamam do Deus verdadeiro, único que tem a chave do Paraíso. Assim se vê que as religiões são todas falsas menos uma, na melhor das hipóteses, e certamente são todas.

Uma doutrina, impostura ou código de valores que obriga a humanidade a prostrar-se de joelhos em vez de a ensinar a viver de pé, não dimana de um ser superior, brota da vontade de um sádico, nasce no cérebro de um néscio ou da tentação de um biltre.

É explorando fraquezas, medos e inquietações que a religião aparece como panaceia para o abatimento, remédio para a agonia e bálsamo para todas as moléstias.

O padre é o autor da trapaça, o artífice da fraude, o intermediário do embuste. Deus é apenas uma imagem que o tempo corroeu, uma droga que excedeu o prazo de validade mas que ainda ocupa as prateleiras de uma drogaria à espera da falência.

No vértice da pirâmide está o chefe dos embusteiros, o homem do chicote, o frio juiz que aprecia as vendas, pede esclarecimentos e dita as regras. Umas vezes chama-se ayatollah, outras patriarca, mullah, arcebispo ou papa. São espécimes zoológicos da mesma estirpe, implacáveis prosélitos de livros obsoletos que esmagam a liberdade e encerram os rancores divinos.

A fé vive do medo, do Inferno, da morte e do insondado. Outrora eram deuses o Mar, o Sol e os Ventos, hoje são outros os monstros e mais sofisticados os atributos. O deus de serviço vagueia à rédea solta pelo Universo a espiar a humanidade e a ruminar castigos para quem abomina os padres e despreza os sacramentos.

26 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Projecto Steve

O templo dos neo-criacionistas disfarçados de IDiotas, o Discovery Institute, uma instituição sem problemas de financiamento, exibe como grande trunfo uma lista de 400 cientistas, na sua maioria ligados ao próprio Instituto, que segundo o DI apresentam grandes dúvidas em relação ao evolucionismo.

Nomeado em honra do paleontólogo Stephen Jay Gould e como paródia às pretensões dos IDiotas* de que a evolução é «uma teoria em crise», o National Center for Science Education (NCSE) criou o Projecto Steve que pretende tratar as inanidades debitadas pelos IDiotas, mais concretamente que existem sérias dúvidas na comunidade científica sobre a evolução, como a anedota que de facto são. Assim o Projecto Steve lista apenas cientistas chamados Stephen ou variações como Stephanie, Steven, Stefan, Esteban, etc. que se prontificaram a assinar o manifesto acima reproduzido. Neste momento há 687 Steves no Steve-o-Meter, incluindo os dois Steves prémios Nobel, Steven Chu e Steven Weinberg, para além de Stephen Hawking, claro!

Todos estes Steves são certamente «adoradores do ateísmo» na opinião dePat Robertson, o pastor evangélico ex-libris dos teoconservadores ou «religious right» e fundador da Coligação Cristã, conhecido pelas pérolas de raciocínio cristãs que debita.

Uma das mais redondas destas pérolas foi debitada durante a emissão de dia 15 do corrente mês no programa «The 700 Club» da CBN (Christian Broadcast Network) em que Robertson sugeriu que os defensores da evolução são «fanáticos» acrescentando que a evolução «é uma religião, é um culto» e como tal afirmou que o ensino da evolução é anti-constitucional, violando a primeira emenda que prevê a separação religião-estado.

Robertson é conhecido internacionalmente pelos piedosos dislates que debita mas este é de tal forma hilariante que lhe merece automatica e destacadamente o prémio na categoria «Anedota do Ano».

*Intelligent Design is Involved in the Origin of The Species