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Dia: 6 de Dezembro, 2005

6 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

JP2 e Pinochet

João Paulo II, Papa pela graça do Opus Dei e sobre o cadáver precoce de João Paulo I, disse de Augusto Pinochet e Esposa: «São um casal católico modelo».

Perguntas:

– JP2 foi infalível?

– Os católicos confiam em JP2?

– Deus levou-o a sério?

– O milagre na área oncológica obrado numa freira francesa na véspera do centenário da lei da separação da Igreja e do Estado será verdadeiro?

– A ICAR é uma entidade de bem?

6 de Dezembro, 2005 jvasco

Uma questão de motivação

Quem segue assiduamente este diário pode ter notado que já não escrevo há vários meses. Isto tem uma razão de ser: estou no ano final da minha licenciatura, e quis concentrar todo o meu esforço nas questões académicas (na verdade tenho continuado a contribuir para o Pipismo, mas isso exige realmente muito pouco tempo).

Nunca tive como motivação o ataque aos católicos ou aos religiosos em geral. Já aqui esclareci que tenho grandes amigos católicos, familiares que estimo católicos, e grandes amigos de religiões não-cristãs. Não pretendo atacar as crenças das pessoas, e nunca tive essa vontade ao escrever aqui, como julgo que a generalidade dos autores deste blogue não tem. Tenho pena que qualquer afirmação ateísta seja vista como um ataque por alguns religiosos, mas é precisamente esse estado de coisas que gostaria de mudar.
Na verdade, lamento que exista um tabu no que respeita à religião: em vez de se discutir esses temas com frontalidade e sem preconceitos, existe um enorme medo que argumentos, afirmações e informações ofendam os católicos. Por essa razão, quando a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) de Timor prendeu portugueses em casa do Bispo, molestando-os fisicamente por considerar que não eram católicos, como forma de uma grande pressão popular de obrigar o governo a manter obrigatórias as aulas de religião e moral (coisa que qualquer católico razoável em Portugal deveria condenar), os jornais e televisões portuguesas trataram esse tema como uma nota de rodapé, sem lhe darem a atenção que merece.

Este bloqueio informativo sempre foi, para mim, uma das maiores razões de existir deste site. A igreja não pode ser criticada, alguns crentes vêm isso como um ataque, e ficam muito revoltados. Assim, não importa se seria justo criticá-la, se realmente a ICAR esteve mal ou não, o que importa é que da ICAR não se diga mal. Lamento por estes crentes, e por aquilo que estão a construir. Um grande amigo meu católico disse que gostava do DA, porque os podres da ICAR deviam ser atacados e denunciados, e que os católicos só tinham a ganhar com isso. Se os católicos em geral pensassem como ele, aposto que os autores do DA teriam muito mais trabalho para encontrar material…

De uma forma ou de outra, eu, ao longo dos últimos meses, fui constantemente privilegiando outros usos para o meu tempo que não a publicação de artigos aqui. Até que ontem fui ver os comentários ao artigo da Palmira. «Como é possível? Como é possível que estas pessoas sintam tanta raiva? Como é possível que se sintam tão ofendidas por a Palmira escrever sobre factos históricos? Como é possível que queiram tanto sacudir a história para baixo do tapete, que se enchem com tanto ódio por quem não o faz?»
Comentário sarcásticos do tipo «Se a inquisição tivesse acabado com todos os ateus vocês não estavam aqui…» assustam-me. A sério.

A solução para este problema não é ter medo de ofender esta gente, como os jornais e as televisões cobardemente fazem. As pessoas não têm nada que se ofender por se lembrarem factos ou por se defenderem opiniões legítimas. A solução para este problema é mostrar que o seu ódio não nos desmotiva, que continuamos a dizer o que pensamos. E por isso dedico este post a todos os católicos que nos odeiam. Só vocês me deram motivação para escrever ao fim destes meses.

6 de Dezembro, 2005 fburnay

Reacções alérgicas

Eu sou a favor da remoção dos crucifixos das salas de aula públicas. São símbolos particulares, representativos de crenças pessoais e não devem ser mantidos em locais cuja neutralidade ideológica o Estado se prestou a garantir.

Mas de resto vejo uma enorme reacção alérgica na sociedade por causa disso. Os defensores da remoção dos símbolos são acusados de

1) Laicismo fanático;
2) Passar ao lado do problema real da Educação;
3) Quererem impôr a sua mundividência aos outros;
4) Negarem a tradição aos portugueses;
5) Perderem tempo com um assunto irrelevante.

Quanto ao “laicismo fanático”, tenho apenas a dizer que o meto no mesmo saco que a “fé céptica” e o “dogmatismo científico”. Simplesmente não faz sentido caracterizar conceitos incompatíveis com as ideias das quais deriva a adjectivação… É, no mínimo, orwelliano. O laicismo serve para permitir a convivência no espaço público providenciado pelo Estado sem sobreposições ideológicas nem fanatismos.

O argumento de que os portugueses têm mais com o que se preocupar do que com os crucifixos não vale nada – de facto, existem uma série de problemas aos quais se pode atribuir uma ordem prática de importância. Mas essa ordem é relativa e seja como for nada impede que se resolvam os problemas de forma simultânea. Senão teríamos de esperar pela resolução do problema da fome mundial antes que pudéssemos abordar a questão da Ota. O mesmo se aplica à educação. De facto a iniciativa de remover os ditos crucifixos não é uma reforma educativa nem pretende minimizar o estado da Educação em Portugal.

Os defensores da remoção dos crucifixos não pretendem impôr ideologia nenhuma a ninguém. Aqui há uma confusão recorrente entre ateísmo e laicismo, como se não houvesse crentes do lado dos defensores do laicismo nas escolas públicas. Se há imposição de alguma coisa é da iconografia de uma crença particular à comunidade que pode não se rever nessa crença. De facto é a Igreja que quer impôr a sua leitura – os crucifixos simbolizam a Paz e o Amor para os católicos logo devem simbolizar o mesmo para toda a gente… Se é verdade que há pais que não podem pagar uma educação religiosamente orientada aos filhos também é verdade que há pais que não podem pagar para garantir uma educação livre de religião aos filhos.

O argumento da tradição é velho e falacioso demais. De facto a “tradição” dos crucifixos começou com o Estado Novo e se nas políticas totalitárias do salazarismo há alguma herança cultural que se aproveite digamos que não é propriamente subscrita por ninguém que eu conheça. De resto a questão dos crucifixos é vista como um ataque à Igreja Católica (leia-se Igreja Católica Apostólica Romana) como se os crucifixos ou aquilo que simbolizam fossem propriedade desta religião. Que eu saiba, os crucifixos são símbolos assumidamente cristãos mas a sua utilização não é exclusiva de uma só confissão mas de várias. Portanto mesmo que se tratasse de um ataque, nunca seria um ataque unilateral.

Para cúmulo, ainda têm o descaramento de vir dizer que os crucifixos são irrelevantes e que não fazem mal a ninguém. Se o assunto é assim tão irrelevante, acho no mínimo insólita a forma como praticamente todos os comentadores e opinion makers da nossa praça se pronunciaram sobre o assunto – especialmente os que se opõem ao cumprimento da Constituição. Alguns chegando a afirmar coisas absurdas como o “agnosticismo do Estado”, no caso de Francisco Sarsfield Cabral. Claramente alguém se sente muito incomodado com a remoção dos “inofensivos” crucifixos.

6 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Dois milénios de obscurantismo: Inquisição

Na minha análise das razões que explicam o obscurantismo imposto pela Igreja católica durante a Idade Média figura proeminentemente a Inquisição e a perseguição de hereges, crentes em outras fés e «bruxas». A definição de herege dada pelo teólogo proscrito por Bento XVI, Leonardo Boff, é a minha favorita até porque ilustra perfeitamente as causas biológicas, a serem explanadas em breve, dessa longa noite obscurantista.

Segundo Leonardo Boff o herege é:
«(…) aquele que se recusa a repetir o discurso da consciência colectiva. (…) Por isso está mais voltado para a criatividade e o futuro do que para a reprodução do passado.».

Para o catolicismo medieval eram consideradas heresias todas as formas de pensamento que não obedecessem estritamente às emanações da hierarquia da Igreja. Ou seja, eram hereges todos os que ousassem sair do controle rígido efectivado pela Igreja, todos os que não aceitassem as orientações, práticas, concepções e preconceitos da Igreja como sendo a verdade «absoluta». Assim, eram hereges todas as pessoas que acreditavam, aceitavam ou mesmo divulgavam quaisquer ideias que se desviassem minimamente da doutrina concebida pela Igreja romana, o que incluía, obviamente, quem ousasse usar perversa e culpadamente a razão em incursões proibidas pela «má» ciência de Agostinho de Hipona.

A Inquisição foi a forma a que a Igreja recorreu para perseguir tudo e todos que não se conformassem aos moldes que esta impunha, nomeadamente que se permitiam ao uso «blasfemo» da razão.

Problema que começou a surgir nos finais do século XII, quando a dita Reconquista da Península Ibérica começou a ter sucesso, (dita Reconquista porque o objectivo foi a recuperação de terras sob domínio árabe às quais os cristãos acreditavam ter direito) graças à fragmentação do califado de Córdoba. Reconquista que pôs os incultos cristãos em contacto com uma civilização cultural e cientificamente muito mais avançada e cujos focos de infecção principal se situaram na Córdoba cosmopolita, elegante e educada, com uma comunidade judaica muito importante de que se destaca um dos seus mais prestigiados filósofos, Maimonides (1135-1204), e na académica Toledo, que expuseram o mundo cristão não só à filosofia aristotélica sem censuras (o que determinou o período seguinte da escolástica) mas também à matemática dita árabe.

E especialmente a matemática porque o crescimento económico de cidades como Florença, Veneza e Pisa, implicava a existência de conhecimento impossível de satisfazer pelos mistícos scholasticus. Conhecimento que possibilitasse cálculos prosaicos como os envolvidos em empréstimos e juros, preços de revenda, investimentos, custos dos seguros das viagens, etc. As necessidades económicas ditaram a criação de uma nova instituição educativa: a Botteghe ou Scuole d’abaco (Escola de Ábaco), cujo primeiro Maestri d’abaco (mestre de ábaco, ou cálculo) foi, provavelmente, o famoso Fibonacci da série que tem o seu nome ou Leonardo de Pisa (ca. 1175-1250). Estas escolas, dirigidas a um público diverso desde filhos dos mercadores, aspirantes a funcionários públicos a aspirantes a pintor (Piero della Francesca frequentou uma escola de Ábaco), escultor ou arquitecto, ensinavam essencialmente a matemática indo-árabe. Fibonacci estudou com um mestre árabe e, tal como Fibonacci, cada vez mais europeus se atreviam a algo proibido até então: usar os neurónios para algo mais que lucubrações sortidas sobre Deus e os Evangelhos.

Assim a Igreja precisava de um «cão de fila», a Inquisição, que exercesse não só uma severa vigilância sobre o comportamento dos fiéis, assegurando que não eram contaminados com toda a produção cultural e inovações científicas que o contacto com os infiéis catalizou, como controlar e tentar cercear toda esta produção intelectual anti-cristã. Na verdade, a Igreja receava que as ideias inovadoras conduzissem os crentes à dúvida religiosa e à contestação da autoridade do Papa. As novas propostas filosóficas ou científicas eram examinadas (e cortadas radicalmente) pela Inquisição, exame que mais tarde, depois da invenção da prensa por Gutenberg que dificultou o trabalho inquisitoral, culminou na criação do Index auctorum et librorum prohibitorum, o catálogo dos livros cuja leitura era proibida aos católicos, sob pena de excomunhão.

A origem da Inquisição remonta ao século IV, quando se iniciam as perseguições contra os hereges. Nesta época, o movimento ainda não era institucionalizado, e no período que vai dos séculos VI ao IX o seu poder era restrito. A partir do século X, a Inquisição vai assumindo um papel cada vez mais importante. Com o IV Concílio de Latrão, de 1216, o papa Inocêncio III estabelece o metodo inquisitio e após o Concílio de Toulouse, em 1229, a sua organização foi formulada, sendo oficializada em 1231 pelo Papa Gregório IX. Inserido num cenário ainda de poder eclesiástico absoluto e soberano este Tribunal é instaurado essencialmente para perseguir os hereges que começavam a incomodar os alicerces do poder da Igreja católica. Em 1252 o poder da Inquisição é reforçado com a santificação da tortura pelo Papa Inocêncio IV que no Ad Extirpanda, diz que os hereges «podem ser torturados a fim de revelar os próprios erros e acusar os outros, como se faz com os ladrões e salteadores» e em que propõe que os heréticos irrecuperáveis devem ser queimados vivos na fogueira. Na prática, um testemunho era suficiente para justificar o envio para a câmara de tortura do acusado e quanto mais débil a evidência do crime, mais severa era a tortura.

O Manual dos Inquisidores, o Directorum Inquisitorum (escrito em 1376 por Nicolau Eymerich e revisto e ampliado em 1576 por Francisco de la Peña) é uma compilação da praxis da Inquisição desde a sua criação formal, um tratado dividido em três partes: a) o que é a fé cristã e seu enraizamento; b) a perversidade da heresia e dos hereges; c) a prática do ofício do inquisidor que importa perpetuar, dá conta, na secção b), que:

«Aplicar-se-á, do ponto de vista jurídico, o adjectivo de herético em oito situações bem definidas. São heréticos:
a) Os excomungados;
b) Os simoníacos;
c) Quem se opuser à Igreja de Roma e contestar a autoridade que ela recebeu de Deus;
d) Quem cometer erros na interpretação das Sagradas Escrituras;
e) Quem criar uma nova seita ou aderir a uma seita já existente;
f) Quem não aceitar a doutrina romana no que se refere aos sacramentos;
g) Quem tiver opinião diferente da Igreja Romana sobre um ou vários artigos da fé;
h) Quem duvidar da fé cristã.»

Nestas oito alíneas cabem todos os que não aceitavam de cruz o que a Igreja de Roma determinava ou qualquer um que se considerasse ter ofendido os costumes (as tradições ainda tão invocadas hoje em dia) e a fé cristã da Santa Madre Igreja, para além dos culpados do costume: judeus, cristãos novos, marranos, sodomitas e bruxas (boa parte parteiras que, inspiradas pelo demo, ajudavam parturientes a «escapar» ao castigo ordenado pelo Senhor de parirem em dor).

6 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

A ICAR e os milagres

O culto necrófilo de JC está de acordo com a demência veneradora que a ICAR presta aos mártires e aos poderes que atribui aos mortos. A morte é, aliás, o alimento da fé, a droga que sustenta a religião e o medo que submete os vivos.

A ICAR recusa milagres de vivos, destina-os aos mortos. Os santos são padrinhos da Mafia que rodeia Deus. Quem acredita na catadupa de milagres obrados após JP2 ter sido alcandorado ao trono pontifício pelo Opus Dei, terá de interrogar-se como puderam obrar milagres patifes de alto coturno como Pio IX ou Escrivá.

O negócio dos milagres é a ilustração da mentalidade católica: a atenção que se solicita, a cunha que se mete, o lugarzinho que se mendiga. O padre-nosso é o cabrito da dívida, a ave-maria o queijinho da subserviência, a novena e o terço o óbolo para o partido político sem cuidar onde se perde ou o destino que lhe cabe.

Às vezes os milagres acontecem por mérito próprio mas urge que se atribuam ao divino para lhe dar prestígio e aumentar a clientela. «Graças a Deus» – grunhem ministros a piscar o olho aos padres, invertebrados a dar graxa ao patrão, locutores a despedirem-se dos beatos ou para serem ouvidos por patrões comprometidos com o clero.

Um deus que se deixa subornar por orações, que só ouve os gritos de desesperados por intermédio de cadáveres bem vistos no Vaticano, é um deus venal e falso, uma criatura pusilânime e interesseira, um aldrabão de feira e um crápula.

O deus dos padres, que manda a doença para que um bem-aventurado lhe peça a cura, é um biltre que faz chantagem, um corrupto que aguarda a paga, um ser repugnante que usa poder discricionário e se diverte com o sofrimento humano.