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Dia: 2 de Outubro, 2005

2 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

A vitória póstuma do bispo Marcel Lefebvre

Marcel Lefebvre
Abriu ontem, no Vaticano, o 11.º sínodo dos bispos, o primeiro do pontificado de B16. O pastor alemão abriu o evento com uma missa solene na basílica de S. Pedro, tendo a coadjuvá-lo 55 cardeais, sete patriarcas, 59 arcebispos, 123 bispos e 40 presbíteros – um espectáculo colorido, com coreografia adequada e belos efeitos visuais.

B16 advertiu, durante a homilia, que quando Deus é desterrado da vida pública para a esfera privada não há tolerância, apenas hipocrisia. Vindo de quem cultiva a hipocrisia como arte e a mentira como arma, a afirmação é um uivo ululante contra a laicidade.

Nas palavras herméticas do velho inquisidor as diatribes contra a liberdade vêm sob a forma de exigência para que Deus, e não o homem, seja o «dono do mundo», posto sob controlo do bando que o representa ? o Papa e os seus sicários.

Durante três semanas o conclave vai debruçar-se sobre o declínio da fé nas paróquias da Europa e América – 75% do mercado católico -, e a forma de recuperar as vendas onde a fogueira, a excomunhão e as perseguições são armas proibidas ou de eficácia duvidosa.

Como previsto, aqui no Diário Ateísta, B16 representa a extrema direita e procura o regresso ao passado mais obscurantista da ICAR, na esperança de recuperar o prestígio, poder e maldade que fizeram do antro do Vaticano um covil de chacais.

Bento 16 prepara-se para recuperar o latim como língua sagrada do catolicismo romano, à semelhança do que o islão faz com o árabe, regressando às missas acompanhado do canto gregoriano.

Bernard Fellay, o líder actual da FSSPX, recebido fraternalmente por B16, tem motivos de júbilo e razão para crer que o bispo Marcel Lefebvre, oficialmente excomungado, se torne santo. Só lhe faltam dois milagres.

2 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Presunção e água… Bento XVI

«É importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos das posições da Igreja, destacando que não se trata de impor aos não-crentes uma perspectiva de fé, mas sim de interpretar e defender os valores radicados na natureza mesma do ser humano.» Ratzinger aka Bento XVI dixit

Qunado li esta notícia lembrei-me de uma excelente crónica de José Vítor Malheiros, no Público (link indisponível) de 26 de Abril, especialmente do parágrafo que afirmava: «Quando alguém como Ratzinger chama a atenção para o “relativismo moral” da sociedade moderna mas, ao mesmo tempo, afirma que ‘não há salvação fora da Igreja Católica’ […] ou condena o aborto em nome da defesa da vida mas se mostra compreensivo para com a pena de morte, compreendemos que os ‘valores morais universais e absolutos’ que defende são apenas a supremacia das posições do Vaticano sobre todas as outras, com as variantes regionais e temporais que este entenda defender.

O Vaticano não possui qualquer autoridade para falar de ‘relativismo moral’ pois essa é a sua moeda corrente. Um dos domínios onde isso é gritante – e só não vê quem não quer – é a questão dos direitos das mulheres no seio da Igreja. A Igreja não pode considerar que o mais alto papel a que uma mulher pode aspirar é lavar os pés do Papa e falar de duplicidade de critérios. Como não pode abençoar torcionários e autores de massacres e falar do direito à vida, ou amordaçar as opiniões divergentes no seu seio e falar dos direitos humanos. Ou condenar milhões de africanos a morrer de SIDA ameaçando-os com o inferno se usarem o preservativo e falar da piedade, do perdão e do amor de Cristo».

De facto, fico sempre espantada com a pesporrência totalitária de quem se arroga detentor das «verdades absolutas» reveladas, de quem acha que só a hierarquia da Igreja de Roma é competente para definir o que é a natureza humana da qual decorrem, sem discussão, os seus dogmas. Ou seja, estas «verdades absolutas» que não podem ser questionadas, resultam da interpretação desta natureza humana … pelos iluminados pelo espírito santo, outro dogma cristão. Claro que quem questiona estes dogmas são relativistas «infelizes que não receberam as graças de Deus» ou «não conheceram Jesus». O que redunda exactamente no tentar «impor aos não-crentes uma perspectiva de fé».

Para além das inconsistências morais referidas na crónica de José Vítor Malheiros, analisando a posição da Igreja de Roma ao longo da História verificamos ainda que, como para o resto da Humanidade, na realidade as «verdades absolutas» para a ICAR foram-se alterando com o tempo. Verdadeiro e falso são valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição. Uma verdade de ontem pode não ser uma verdade hoje, porque o contexto em que essa verdade é avaliada mudou ou porque novos dados entretanto descobertos transformaram essa verdade em mentira. Isso aconteceu a muitas «verdades absolutas» da ICAR, não só as que foram desmistificadas (com grande oposição e muitas fogueiras inquisitoriais pelo meio) pela ciência, como o geocentrismo ou o criacionismo bíblico, mas também os «valores morais universais e absolutos» que foram, com grande resistência, abandonados pela Igreja de Roma. O anti-semitismo, a defesa da escravatura, a perseguição e assassínio de bruxos, hereges e apóstatas, a defesa do uso de tortura, a legitimidade das guerras «santas», a negação dos direitos dos homens, a defesa de regimes de «direito divino» e a condenação da democracia, a condenação da liberdade de expressão, a luta contra a emancipação da mulher, enfim, uma série de «erros» morais por alguns dos quais, difíceis de apagar dos livros de História, João Paulo II fez me(i)a-culpa.

Mas todas estas ex-verdades absolutas católicas só são reconhecidas hoje como abominações morais após muita resistência da Igreja, muitos discursos e encíclicas condenando os erros da modernidade, em tudo menos no assunto idênticos às prelecções contra a «ditadura do relativismo» do actual Papa. Que autoridade e credibilidade para falar em «valores morais universais e absolutos» tem uma Igreja que tantas vezes impôs dogmas falsos? Que perseguiu, torturou e muitas vezes queimou como hereges os que se atreveram a questioná-los?

2 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Teorias criminais

Um dos pioneiros do teoconservadorismo e da introdução da religião no debate político nos Estados Unidos é o republicano católico devoto William J. Bennett, uma dos mais destacados cruzados nas guerras culturais que assolam os Estados Unidos. Bennett defende a moral e bons costumes cristãos afincadamente na cena política norte-americana há mais de 20 anos, primeiro na qualidade de presidente da National Endowment for the Humanities, sob Ronald Reagan, na qual preleccionou exaustivamente contra a permissividade académica. Promovido depois a ministro da Educação foi um crítico acerbo do ensino público e do multiculturalismo subjacente, defendendo um ensino centrado nos «valores» ocidentais e na religião cristã. Quiçá por isso tenha fundado a empresa K12, devotada a ajudar pais avessos à ideia de os seus filhos frequentarem imorais escolas públicas. Empresa que teve em 2004 um financiamento estatal de 4.1 milhões de dólares…

Mas foi como o Czar das drogas de Bush pai que se destacou, nomeadamente com afirmações tais como a decapitação de traficantes de droga é «moralmente plausível».

Depois da sua saída da vida política activa o devoto Bennett escreveu «O livro das virtudes», um compêndio de parábolas utilizado por milhões de pais e professores como a última palavra em questões morais. Escreveu também «A morte da indignação» onde lamenta que o público americano não tenha condenado os «pecados» de Bill Clinton mais acesamente. Aliás, Bennett considera que os Democratas são intrinsecamente menos morais que os conservadores e menos vocacionados a denunciarem os pecados que «destroem» a família. Pena é que Bennett se tenha esquecido da justiça e respeito pelos outros na sua enumeração das virtudes a seguir e, de entre os vícios que destroem as famílias, condenar o vício do jogo, que nos Estados Unidos atinge proporções e tem os efeitos do mui combatido vício das drogas. Quiçá porque a justiça não faz parte do dicionário dos teoconservadores e porque Bennett, o grande paladino dos valores morais, dotado de um sentimento de superioridade moral tão exarcerbado que lhe permite debitar dislates inconcebíveis é (ou foi, como afirma depois de os seus hábitos terem sido descobertos) ele próprio um viciado em jogo, cliente VIP de uma série de casinos em Las Vegas e Atlantic City.

O último dislate deste tão devoto católico levantou ondas de indignação e repúdio de todos os sectores nos Estados Unidos, incluindo a Casa Branca cujo porta-voz, Scott McClellan, esclareceu que o Presidente considera as palavras pronunciadas por Nennet aos microfones do seu programa nacional, «Manhã na América», ouvido por milhões de americanos, «inapropriadas».

Qual foi então o dislate debitado por este paladino da moral e bons costumes cristãos que tanto indignou a esmagadora maioria dos americanos? Simplesmente uma congeminação despoletada por uma chamada de um ouvinte que equaciona a raça como única variável na (elevada) taxa de criminalidade nos Estados Unidos:

«Poder-se-ia abortar todos os bébés negros neste país e a taxa de crime diminuiria. Essa seria uma coisa impossível, rídicula e moralmente repreensível de fazer mas a taxa de crime diminuiria».

2 de Outubro, 2005 Carlos Esperança

Padres nos hospitais e quartéis

Quando baixam as comparticipações dos medicamentos, por dificuldades orçamentais, mantém-se um dispendioso placebo comparticipado a 100% – o padre -, nos hospitais, forças armadas e de segurança, bem como nas prisões.

Os capelães militares são graduados em oficiais, com um general comandante espiritual de todos os católicos fardados – o bispo Januário Torgal -, coadjuvado por 48 capelães aptos a disparar hóstias, arremessar água benta, armadilhar missas e detonar homilias nos três ramos das FA e GNR.

Num país que assinou uma vergonhosa concordata com o último Estado totalitário da Europa – o Vaticano -, a laicidade é uma exigência constitucional subvertida pela presença dos mercenários da potência estrangeira, pagos pela nação ocupada.

Quando, por uma questão de higiene cívica e respeito pela Constituição, o Estado devia ignorar as sotainas (limitando-se a facilitar o acesso aos doentes que as solicitassem), está em curso o alargamento do privilégio a outras seitas, de acordo com o Diário de Notícias: «Ministérios revêem regimes de assistência religiosa».

A assistência religiosa é o purgante da alma por conta do erário público. Falta a avença com bruxas, quiromantes e outros espécimes que se dediquem a ofícios correlativos.