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Dia: 30 de Junho, 2005

30 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Os sofredores

A fundação Ajuda à Igreja que Sofre apresentou em Roma o relatório de 2005 sobre a liberdade religiosa no mundo, no qual revela que esse direito está ameaçado por todo a parte. Segundo a Agência Ecclesia, o documento relata episódios de intolerância «étnico-religiosa», relações tensas entre governos e Igrejas e «tendências laicistas».

Na China, a situação é considerada como «extremamente grave», sendo considerada «grave» na Nigéria, Uganda, Colômbia e Cuba. Por seu turno, a Turquia é acusada de não respeitar as minorias religiosas e em Espanha aponta-se o dedo à «degradação» das relações entre a Igreja Católica e o Estado, após a vitória do PSOE.

A França é censurada por «abordagens laicistas por parte da República nas suas relações com grupos e manifestações religiosos» e a Suécia é denunciada pelo caso do pastor protestante Aake Green, preso durante 30 dias por se ter manifestado contrário às uniões homossexuais.

Para além disso, o relatório entende que, 15 anos depois da queda da União Soviética, o ateísmo não deixou de crescer, apresentando como caso emblemático a Bielorússia, «onde o controlo estrito do Estado sobre qualquer expressão de culto tende a sufocar o sentimento religioso da população».

É inegável que há países que ainda têm muitos (demasiados) problemas em admitir a liberdade religiosa dos seus cidadãos e que, assim, violam de forma cabal um dos direitos essenciais do indivíduo: adorar o deus que entender ou não adorar nenhum. Agora, acusar países – a França e a Espanha -, que defendem a laicidade e que não se submetem à vontade da Igreja Católica, de perseguirem a liberdade religiosa é completamente infundado. Incluir o crescimento do ateísmo num relatório deste género é uma demonstração de intolerância e de incompreensão inadmissíveis.

Enquanto as Igrejas continuarem a impôr as suas concepções como sendo a Verdade absoluta e continuarem a influenciar as políticas do Estado, existirão sempre tensões entre aqueles que entendem que a religião pertence ao foro privado e não deve sobrepor-se às necessidades colectivas e aqueles que vêem a fé como instrumento de controlo.

30 de Junho, 2005 Carlos Esperança

Saudades do Barnabé

COMUNICADO

«A partir de Domingo próximo, o Barnabé fecha as portas. Tomou-se esta decisão numa almoçarada, como sabem as pessoas que estavam sentadas num raio de cinquenta metros à nossa volta, e demo-nos estes três ou quatro dias para escrever os últimos posts. (…)»

Diariamente nascem e morrem blogues. Alguns são como estrelas cadentes de que poucos se apercebem. Mas o Barnabé é diferente. É uma estrela de primeira grandeza que brilha no firmamento da blogosfera.

Gostaria que os inspirados autores reconsiderassem, mas quando a decisão se ouve «num raio de cinquenta metros», torna-se irreversível.

O mesmo grupo nunca mais se reunirá, mas espero que nenhum se afaste deste espaço de liberdade que é a blogosfera. Com outros que venham, partam para uma nova aventura cujo sucesso se renove.

Saudações amigas. É grande a mágoa e forte perda.

30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Serão os filhos propriedade dos pais?

A Nota sobre a Educação da Sexualidade da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), já referida pela Mariana e pelo Carlos, e o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), suscitam a questão do papel que os pais e o Estado podem ou devem ter na educação das crianças e adolescentes.

O CNECV, no seu parecer, afirma ser aceitável que um adulto recuse transfusões de sangue, mas rejeita que uma criança o possa recusar, mesmo quando os seus pais assim o queiram. Este órgão consultivo estatal afirma assim o princípio de que o Estado deve proteger os filhos das consequências das convicções religiosas dos pais (no caso, das crenças das Testemunhas de Jeová). Simultaneamente, aproxima-se de aceitar a eutanásia passiva de adultos, o que é, no mínimo, curioso.

A Nota da CEP (o órgão dirigente da ICAR portuguesa) defende «para a família, o direito de cooperar no planeamento da educação da sexualidade na escola (…) incluindo a selecção e a formação dos professores» e que «compete à família decidir as orientações educativas básicas que deseja para os seus filhos». A CEP assume portanto a defesa da interferência dos pais católicos na escola estatal, o que cria um problema: é que se os pais podem, efectivamente, educar os filhos nas convicções religiosas que entenderem, a escola pública tem o dever de instruí-los sobre os factos básicos da sexualidade e sobre os princípios éticos mínimos: respeito por si próprio, pela autonomia do outro e higiene. A CEP defende explicitamente que o Estado deverá ir mais longe: «a educação da sexualidade não se resume a mera informação sobre os mecanismos corporais e reprodutores (…) desta forma, deturpa-se o sentido da sexualidade, isolando-a da dimensão do amor e dos valores, e abre-se caminho (…) à aceitação, por igual, de múltiplas manifestações da sexualidade, desde o auto-erotismo, à homossexualidade e às relações corporais sem dimensão espiritual».

As famílias nunca são laicas, e os pais encontram nas religiões justificações para afirmarem o seu poder sobre os filhos. Os pais católicos desejam que a escola desaconselhe aos filhos comportamentos inofensivos, os Testemunhas de Jeová que os filhos não recebam transfusões de sangue, os pais judeus retalham o prepúcio dos filhos do sexo masculino, os muçulmanos também, e estes últimos, em algumas variantes culturais, velam as filhas ou mutilam-lhes o clítoris. Por tudo isto, os filhos não podem ser tratados como propriedade exclusiva dos pais, e a sua educação escolar deve ser programada e decidida pelo Estado de forma a colmatar as falhas das próprias famílias. É o Estado laico que pode emancipar as crianças da violência, do obscurantismo e dos variados condicionamentos das famílias.

Ouvi uma vez Emídio Guerreiro recordar que, nos seus primeiros anos de escola, os alunos comentavam entre si que a República proibira os castigos corporais nas salas de aula. Ninguém duvida que, nas famílias, a violência física continua. Mas os excessos que as famílias cometem sobre os menores, muitas vezes em nome de convicções religiosas, podem e devem ser limitados pelo Estado. Emídio Guerreiro, que nunca transigiu na luta pela liberdade individual, testemunhava-o.
30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Dez Mandamentos: sim e não

O Tribunal Supremo dos EUA decidiu, na segunda-feira, mandar retirar os «Dez Mandamentos» das salas de tribunal de dois condados do Kentucky. A decisão foi tomada por uma maioria de cinco juízes contra quatro e será um precedente importante para acções semelhantes noutros Estados. Na mesma data, o mesmo Tribunal Supremo decidiu manter um monumento aos mesmos «Dez Mandamentos» no exterior do Capitólio do Texas, também por uma maioria de cinco juízes contra quatro.
As diferenças entre as duas decisões resultam de as situações serem distintas. No Kentucky, trata-se do interior de salas de tribunal; no Texas, do exterior de um edifício governamental, onde se encontram dezasseis outros monumentos. A segunda situação será, sem dúvida, menos impositiva. O Tribunal afirma que, no primeiro caso, por haver exibição de propaganda religiosa, violava-se a primeira emenda da Constituição dos EUA, que estabelece a neutralidade religiosa estatal e obriga o governo a não promover religião alguma. No segundo caso, o Tribunal confessa algumas dificuldades e alega que o monumento aparece misturado com outros, que a sua presença não foi questionada durante quarenta anos e que o monumento é «passivo».
As organizações laicistas estado-unidenses, genericamente, consideram estas duas decisões uma vitória parcial. A Americans United for Church and State Separation defende que se reafirmou que o governo não pode privilegiar uma crença em detrimento das outras, e anuncia que prosseguirá na sua campanha pela retirada de símbolos religiosos em outros Estados (Maryland, Pensilvânia, Washington). O Council for Secular Humanism «aplaudiu» a primeira decisão e manifestou-se «desapontado» com a segunda (comunicado recebido por correio electrónico). A American Atheists considera os veredictos «uma derrota» e que o governo está a «elevar a religião acima da Constituição».