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Dia: 17 de Maio, 2005

17 de Maio, 2005 Palmira Silva

Kansas redefine ciência

«Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei o entendimento dos entendidos.» Coríntios 1:18-27.

Na sequência do julgamento da evolução que decorreu nas últimas semanas no Kansas os defensores do «desenho inteligente» advogam agora uma redefinição de ciência, a incluir na introdução dos objectivos científicos nesse Estado. Assim pretendem que se defina ciência como «um método sistemático de investigação continuada» sem especificar quais os objectos dessa investigação. De facto, os criacionistas pretendem que o Conselho de Educação do Kansas rejeite a definição actual de ciência, que especifica ser a ciência uma explicação natural de fenómenos observáveis.

Esta pretensão indignou a comunidade científica americana que teme que nas aulas de ciência possam ser discutidas explicações sobrenaturais para fenómenos da natureza. Que aliás é o objectivo dos criacionistas, como explicou Stephen Meyer do Discovery Institute, o grande centro criacionista americano, que considera ateísta a ciência tal como é definida e ensinada. Porque o mundo é tão complexo que tem de existir Deus e os alunos devem saber isso! Ou seja, os ilustres teocratas criacionistas pretendem voltar à Idade Média em que o sobrenatural se confundia com ciência!

Podem ver a absurda proposta para as alterações aos programas de ciência do Kansas da Intelligent Design Network assim como a resposta de um professor de biologia ou uma compilação de várias respostas na página da associação Kansas Citizens for Science.

17 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Vicissitudes da fé.


No séc. X o Islão esteve à beira de conseguir o que o culto de Mithra ia conseguindo no séc. II – a derrota do cristianismo.

No séc. XVI a Reforma protestante podia ter aniquilado a influência papal e, neste caso, sem prejuízo para o mundo nem saudades de Roma.

No séc. XX o ateísmo marxista podia ter destroçado a ICAR se não tivesse as mesmas taras e derivado para experiências totalitárias de raiz estalinista que o tornaram tanto ou mais odioso.

Mas não se diga que a violência e o crime são uma vacina contra os autores e ideologias que os motivam. A prova é a longevidade da ICAR, que à violência do passado adiciona a prepotência do presente e o espírito reaccionários de todos os tempos.

Para além da vocação totalitária que devora as religiões, bastaria a ausência de virtude dos seu clero para desconfiar da bondade do seu deus. As várias seitas cristãs, incluindo ortodoxos, protestantes e católicos, têm um passado pouco respeitável, com membros do clero claramente execráveis. Mas, nem a fragilidade da doutrina que professam nem as loucuras de que os seus responsáveis são capazes, abalaram a máquina de propaganda que dominam.

Os homens passam bem sem Deus, mas há imensos parasitas da fé que não prescindem de impô-la. É assim que as religiões se mantêm até que outras as substituam, pela força, como é hábito.

O Diário Ateísta continua e continuará a defender a liberdade religiosa sem deixar de considerar as religiões como metadona que substitui a droga da superstição. Não vemos a mesma determinação nos crentes a defender o direito ao ateísmo ou os direitos da concorrência (outras religiões).

Por muito que custe aos piedosos créus que nos visitam, a ICAR esteve quase sempre ao lado das ditaduras. Em Portugal apoiou o miguelismo contra o liberalismo, a monarquia contra a república, o salazarismo contra a democracia. Nem é preciso recordar Timor.

A foto que exorna este artigo é uma das muitas que podemos exibir aos fiéis que nos insultam por denunciarmos as ligações vergonhosas da ICAR com o nazi/fascismo.

Post scriptum – Já agora vejam se descobrem quem é aquele jovem do centro.

17 de Maio, 2005 pfontela

Perseguições e mitos II

No último artigo espero ter conseguido deixar uma imagem clara das ideias que circulavam sobre o cristianismo na altura em que Império Romano ainda era pagão. Agora é a altura de analisar um pouco mais detalhadamente os mitos.

Comecemos pela cabeça de burro, que os cristãos era suposto adorarem. Este mito não foi inicialmente aplicado aos cristãos mas sim aos judeus de Alexandria. A comunidade grega e a comunidade judaica viviam lado a lado num estado de permanente tensão, se não mesmo conflito, e parece que este rumor começou algures no séc. I d.c. e a sua origem parece residir numa mera coincidência de linguagem, já que a palavra Jeová se assemelhava à palavra burro em egípcio (1). Pode à primeira vista parecer um elemento insignificante ou puramente decorativo na descrição do culto judaico mas não o é. O burro era, no mundo antigo, um dos animais mais desprezados que existiam e o facto de se identificar uma religião com este animal tinha a intenção de envergonhar os judeus e de os expor ao ridículo. O mito foi desenvolvido, de forma original, por Apion (2) (membro da comunidade grega de Alexandria e um anti-semita rábido), e segundo as várias “provas” por ele expostas um grego, de nome Zabidos, teria entrado disfarçado no templo para roubar a cabeça de burro. Esta invenção de Apion teve um efeito além do esperado já que ao longo dos séculos variantes da sua história foram repetidas inúmeras vezes, tornando-se progressivamente mais violentas (em algumas versões tardias o grego teria sido morto por descobrir o terrível segredo). A associação deste mito judaico ao cristianismo era um passo inevitável já que o cristianismo sempre foi considerado pelos romanos como uma forma de judaísmo, apresentando muitas das mesmas características que alienavam a cultura clássica (a crença num deus omnipresente e omnipotente que no entanto era invisível era algo que os romanos simplesmente não concebiam). Existe no entanto um aspecto curioso, este mito enquanto foi aplicado exclusivamente aos judeus teve uma área de influência sempre limitada à zona de Alexandria mas quando passou a abranger os cristãos espalhou-se rapidamente por todo o império.

Estando a origem da cabeça do burro explicada podemos passar às acusações de assassinato ritual e canibalismo. Os cristãos também não foram o primeiro grupo a ser acusado deste tipo de crimes, aliás para perceber o porquê da acusação convém olhar para os outros grupos acusados. A primeira vez que se encontra esta acusação na cultura romana ela está misturada com o mito da fundação da república. Conta-nos Plutarco que quando Tarquínio, o último rei de Roma, foi deposto os seus seguidores juraram que tudo fariam para assegurar uma restauração. E com esse fim em mente todos prestaram um estranho e terrível juramento em que o sangue de um homem assassinado terá sido derramado (em vez de prestarem a libação com vinho como era tradição) e as suas entranhas teriam sido tocadas por todos (3). Se este exemplo marcou o início da república é irónico que o outro exemplo mais emblemático marque os seus últimos anos. Na época da famosa conspiração de Catilina corria a lenda que o próprio catilina teria passado a cada um dos seus conspiradores um cálice com uma mistura de vinho e sangue e cada um ao beber teria proferido uma maldição, e este acto tê-los-ia vinculado a todos à conspiração(4). Alguns séculos mais tarde a lenda já tinha sofrido adições de outros elementos; Catilina e o seu grupo de conspiradores teriam assassinado um rapaz e devorado em conjunto as suas entranhas como parte de um ritual (5). Nenhuma destas acusações tem qualquer base real já que se tal fosse o caso Cícero, o maior opositor de Catilina no Senado, teria escrito algo a esse respeito.

Apesar de ser verdade que cultos que sacrificavam e devoravam seres humanos não são inéditos no mundo antigo (existia, por exemplo, o culto de Dionísio na Trácia em que é possível que crianças fossem devoradas como representantes do deus) as histórias que vimos até agora apontam noutra direcção. De facto em todos os casos o festim canibalesco aparece como uma forma de um grupo de conspiradores afirmar a sua solidariedade mútua e seu empenho à causa. Causa essa que invariavelmente consiste em derrubar o status quo, depor a ordem reinante e tomar o poder. Trata-se de facto de um estereótipo: a ideia de uma sociedade secreta que procura de forma implacável o poder. Este estereótipo e as suas variações provaram ser extremamente poderosos e resistentes, sendo que foram usados ao longo da idade média para a demonização dos hereges e, em conjugação com outros factores, culminaram na grande caça às bruxas dos sécs. XVI e XVII.

Ao vermos estas acusações, de canibalismo e assassínio ritual, lançadas contra os cristãos podemos inferir que os romanos tinham a percepção do cristianismo como um grupo sedento de poder que desejava a destruição da ordem estabelecida. Aqui temos que analisar dois pontos: o primeiro onde é que os pagãos foram arranjar um elemento de canibalismo para poder justificar o seu estereótipo e o segundo é a busca duma razão para esta visão do cristianismo como um grupo de conspiradores. O primeiro ponto é relativamente simples de explicar, os romanos viram na eucaristia uma prova de canibalismo, e até certo ponto estavam certos. Apesar de vários teólogos cristãos terem nos primeiros séculos tentado espiritualizar a eucaristia a verdade é que a maioria dos cristãos partilhava da visão que seria estabelecida como dogma pelo concilio de Trento séculos mais tarde: a eucaristia é literalmente o sangue e a carne de Jesus. O segundo ponto, a justificação para a visão dos cristãos como um grupo de conspiradores, também é relativamente fácil de encontrar, sendo que não se trata de um preconceito pagão totalmente injustificado. À parte do óbvio conflito entre a religião imperial (com o próprio imperador deificado) e uma religião que proclamava que o seu deus era o senhor do universo temos também o facto de os cristãos primitivos esperarem a redenção, já que viam o mundo como intrinsecamente malévolo, do qual os crentes seriam libertados pela segunda vinda de Jesus (de notar que a segunda vinda nos primeiros séculos do cristianismo paira no ar como se de algo eminente se tratasse) – a conclusão lógica destas ideias é que todo o culto imperial não passava de idolatria e Roma era a nova Babilónia, o reino do anticristo. Resumindo, a luta dos cristãos não era política mas sim escatológica. Toda esta atitude contribuiu para o afastamento das comunidades cristãs da vida cívica, chegando a extremos em que os romanos pagãos os viam como uma fé malévola e subversiva.

(continua em breve)

(1)- A. Jacoby, ‘Der angebliche Eselskult der Juden und Christen’.
(2)- Josephus, Contra Apionem – cap. II.
(3)- Plutarch’s Lives: Poplicola, IV.
(4)- Sallust, Catilina, XX.
(5)- Dio Cassius, Romaika (History of Rome), lib. XXXVII, 30.

17 de Maio, 2005 Palmira Silva

Aborto: um dogma recente

Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possivel haver ser é maior que todos os deuses

Fernando Pessoa

O tema aborto será nos próximos tempos o cavalo de batalha da Igreja Católica que recorrerá, como nos avisava Ana Sá Lopes no seu artigo «O terrorismo da Igreja Católica», no Público de domingo (link indisponível), às suas tácticas terroristas para polarizar uma questão que só o é por se tratar de um dogma secularizado. E porque concordo que «É enorme, portanto, o risco – para os defensores da despenalização – de uma derrota nesse campo de batalha maniqueísta onde vale tudo. Trata-se, efectivamente, do vale tudo. E nesse vale tudo da demagogia, a Igreja Católica tem tido um papel maior.» nos próximos tempos será também o meu tema de eleição.

O que é irónico nesta questão, dita fracturante, é que o dogma da sacralidade do embrião é um dogma recente na «santa» Igreja. O conceito neolítico de que a mulher era apenas o terreno onde o princípio masculino germinava foi consolidado na Antiguidade Clássica com Aristóteles. Este filósofo acreditava que o sémen conteria «uma pessoa inteira ou, mais precisamente, um homem inteiro, já que uma mulher só ganha existência por alguma falha no processo de desenvolvimento». Num dos seus tratados biológicos afirmou que um embrião masculino adquiria alma ao fim de 40 dias após a concepção e um embrião feminino no dobro do tempo. Durante muitos anos a Igreja Católica, que adaptou a ética aristotélica, permitiu o aborto até este prazo.

Alguns dos teólogo mais conhecidos incluindo os inescapáveis Tomás de Aquino e S. Agostinho não condenavam o aborto. Este último escreveu:

«A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado um homicídio, porque ainda não se pode dizer que exista uma alma viva em um corpo que carece de sensação uma vez que ainda não se formou a carne e não está dotada de sentidos»

Tomás de Aquino defendia que só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. A posição de Aquino sobre o assunto foi oficialmente aceite pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.

Só em 1869, em pleno século XIX, o Papa Pio IX repudiou a teoria da hominização tardia aristotélica e declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize.

Curiosamente, em grande parte do mundo industrializado o aborto não era considerado um crime até que uma série de leis anti-aborto foram promulgadas na mesma época das declarações do pio Pio. Por essa altura, os proponentes da proibição do aborto realçavam os perigos clínicos do aborto. Também curiosamente agora que o argumento clínico deixou de ser válido, o ponto central dos argumentos anti-aborto deslocou-se para a sacralidade do embrião e feto. A que os terroristas católicos insistem em chamar «bébé».

Mas, numa época em que a Igreja católica exalta o espírito cristão medieval, convém relembrar uma doutrina dessa época, mais concretamente do século XVII, o probabilismo. Que afirma o direito dos fiéis de discordarem da hierarquia eclesiástica em questões morais, baseados numa base probabilística firme de ser legítima essa posição. Essa probabilidade pode ser intrínseca ou extrínseca. Probabilidade intrínseca refere-se à percepção individual da inaplicabilidade de um ensinamento moral. Probabilidade extrínseca diz respeito à possibilidade de se suportar essa divergência moral em autoridades teológicas, sendo suficiente cinco ou seis teólogos de reconhecida reputação moral que defendam pontos de vista diferentes.

Talvez por isso Ratzinger se devotou a calar as vozes divergentes na Igreja Católica. Mas existem teólogos reconhecidos, incluindo os mui celebrados Agostinho e Tomás de Aquino, que sustentam a moralidade da decisão por um aborto. Por isso, tal como Ana Sá Lopes, acho que «Convinha que os católicos que se demarcam destas posições e defendem que as mulheres que recorrem ao aborto não devem ser julgadas nem penalizadas aparecessem a dizer alguma coisa.»

17 de Maio, 2005 Carlos Esperança

José Staline


A reabilitação tentada pelo órgão oficial do PCP – o «Avante» – é um insulto a milhões de vítimas, um atropelo à verdade histórica e uma ofensa ao próprio comunismo.

O revisionismo histórico é um crime que impede que os erros se transformem em vacina e que permite que os facínoras se transformem em heróis.

Foi assim que JP2 reabilitou algumas das figuras mais tenebrosas do nazismo e beatificou Pio IX. É assim que ele próprio está a caminho da santidade com duas características inéditas:

– Não precisar de cinco anos de cadáver para se iniciar o processo de beatificação.

– Ter feito milagres em vida (curar um tumor cerebral a ministrar a eucaristia), circunstância e terapêutica inéditas na história dos milagres.