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Mês: Agosto 2004

25 de Agosto, 2004 André Esteves

Friedrich Nietzsche morreu há 104 anos

Friedrich Nietzsche morreu há 104 anos, depois de uma longa doença.

Os seus últimos anos passou-os à sombra da sua irmã, uma proto-nazi que aproveitou a incapacidade mental do irmão para distorcer e usar a obra e reputação, ganha por Nietzsche, com fins pró-arianos e anti-semitas. Era um ateu solitário e foi por estar sozinho que a sua voz lhe foi roubada.

Não deixemos que tal aconteça com a nossa voz.

Friedrich te lembramos!

Homem como nós.

Nietzsche – Entrada na Enciclopédia Wikipedia [inglês]

Entrada na Enciclopédia de Filosofia da universidade de Standford [inglês]

Obras de Nietzsche disponíveis no projecto Gutenberg [inglês]

Pequena biografia em português.

Entrada no «Cantinho da Filosofia»

25 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Perseguição religiosa

Foi com algum constrangimento que li, no Diário de Notícias, que um centro social judeu, que servia refeições kosher aos fiéis desfavorecidos, tinha sido atacado, no passado domingo, em Paris. No local do incidente foram encontradas diversas inscrições racistas, nomeadamente, «o mundo será mais puro quando não houver mais judeus», «sem os judeus seríamos felizes» ou «morte aos judeus», devidamente acompanhadas com as habituais cruzes gamadas.

Um documento oficial do passado mês de Julho indicava uma «aceleração muito forte» dos ataques racistas e anti-semitas no primeiro semestre de 2004, superando o total das agressões do ano anterior. Perante os últimos acontecimentos, o gabinete nacional de vigilância contra o anti-semitismo receia um aumento deste tipo de actos durante as festas judaicas, que se realizam no mês de Setembro.

No ano em que a França celebra os 60 anos do fim da ocupação nazi, o país depara-se com este cenário terrível e inadmissível num século que deveria ser mais tolerante. Todas as perseguições religiosas são inaceitáveis e bárbaras. Todos têm direito a adorarem o que entenderem ou a não adorarem o que quer que seja. Essa é a beleza da Democracia e da laicidade.

25 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Os 100 do fórum

O fórum web do Ateísmo.net atingiu os 100 inscritos.

Para os que ainda não conhecem, o espaço pode (e deve) ser frequentado por crentes e não-crentes. É um local onde se pode debater sobre tudo um pouco: existência de deus(es), a relação da ciência com a religião, o papel da religião nas ciências humanas, a laicidade, a existência de preconceitos ou mesmo a arte.

Vocês, os amantes de uma boa discussão, apareçam, conversem, desconversem e espicacem. Todos são bem-vindos.

24 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Women on Waves em Portugal

Li hoje no Expresso online que o barco da organização holandesa Women on Waves vai estar ancorado ao largo de Portugal no período entre 29 de Agosto e 12 de Setembro, a convite de quatro associações portuguesas. Para possibilitar o que a moral absoluta da ICAR nega às mulheres portuguesas (e na Irlanda, Polónia e Malta): a realização em condições dignas e seguras, acessíveis a todas as restantes mulheres europeias, da interrupção voluntária da gravidez.

Ao Estado, como centro legislador da cidadania, compete respeitar as normas seculares da ética, que não dependem de credos religiosos. A necessidade da separação religião-ciência e religião-estado são, hoje em dia, inquestionáveis no mundo Ocidental mas foram conquistas obtidas à custa da vida e liberdade de muitos indíviduos. O que falta ainda assegurar, que na realidade constitui um desafio da modernidade, é a separação religião-moral (e ética). Em relação à interrupção voluntária da gravidez, dada a complexidade e diversidade dos valores e interesses envolvidos, torna-se inviável afirmar uma ética apenas com base em paradigmas em voga ou dogmas religiosos que narcotizam. É necessário reconhecer e respeitar morais individuais mas aceitar que o direito (a ética da polis) deve reflectir uma moral para todos e não apenas para os que professam determinadas crenças.

Assim, a decisão por uma IVG não compete ao Estado nem a uma determinada religião: é uma decisão individual que compete à mulher ou ao casal.

23 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Da ICAR e da polis, IV: laicidade

O século XIX foi um século marcante para a laicidade. Com grande luta dos sucessivos papas. No início do século XIX surge em Itália o Risorgimento, isto é, o processo que conduziu à reunificação da Itália e que culminou com a perda dos estados papais, apesar de todos os esforços envidados por Pio IX na manutenção dos territórios pontifícios sob autoridade papal.

Pio IX fugiu de Roma para Nápoles levando como conselheiro político Marcantonio Pacelli, avô do Pio XII de má memória. De Nápoles invectivou a «ultrajante traição da democracia» ameaçando de excomunhão todos os italianos que se atrevessem a votar.

O Santo Pio publicou a encíclica Quanta Cura afirmando que os princípios de filosofia, ciência moral e as leis civis podem e devem ser feitos para se curvarem às autoridades divinas e eclesiásticas, seguida pouco depois do Syllabus errorum, no qual condenou os erros do modernismo, mais concretamente 80 erros monstruosos das «ideias modernas», condenando a democracia como um «princípio absurdo», a liberdade de opinião como «loucura e erro» e condenando especialmente o laicismo, terminando com o último erro atroz a que se arrogavam os laicistas: de que «o sumo pontífice podia e devia reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna».

O acesso de Leão XIII ao papado em 1878 moderou um pouco o tom da guerra aberta entre o Vaticano e as democracias emergentes mas este também descreveu qualquer noção de separação de Igreja-Estado como erro fatal. No contexto italiano, era especialmente condenatório dos Maçãos e das ideias liberais destes. Descreveu-os como parte do reinado do Mafarrico, em luta contra a Igreja e a Cristandade. Uma conspiração em andamento que perigava a própria fábrica da civilização cristã. Expresso na encíclica Immortale Dei de 1885.

As primeiras décadas do século XX foram um tempo de grande ansiedade entre os líderes católicos na Alemanha, França, Polónia, especialmente apreensivos de que o modelo liberal da República de Weimar, associado com judeus e hereges ateus, iria causar o colapso total da noção cristã da ordem social e política. Apreensão essa partilhada por muitos líderes protestantes. O Papa Pio XI expressou a esperança de que o colapso do mercado e a experiência da brutalidade da Revolução Russa afastassem as pessoas na Europa dos laicos liberalismo, democracia e socialismo na direcção da visão tomista dos regimes «bons».

Os dois papas da era do Holocausto, Pio XI e Pio XII, actuaram no âmbito de uma cruzada contra o laicismo. Não eram exactamente grande fãs do nazismo (especialmente Pio XI) mas… quer o fascismo quer o nazismo eram opções de longe preferidas para proteger os interesses institucionais católicos. Com os quais colaboraram entusiasticamente.

23 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Carta aberta aos créus

Alguns créus acusam o Diário de uns Ateus de intolerância. Se chamam intolerância ao combate à hipocrisia, à defesa dos direitos humanos, ao ataque ao pensamento único, à defesa da liberdade, têm razão.

Se, pelo contrário, acham que somos capazes de defender o racismo, a xenofobia, o fascismo, uma qualquer ditadura ou restrições ao direito de associação, onde cabem as religiões, não nos conhecem.

Se um regime despótico privar os crentes de qualquer religião do acesso aos templos, da manifestação dos seus cultos, do direito de reunião e da livre expressão escrita e oral, contará com a oposição determinada e a luta sem tréguas dos ateus.

A ICAR combate o que julga serem os nossos erros, nós combatemos o que pensamos serem as suas mentiras. Onde está, da nossa parte, a intolerância? Porventura propomos a punição de quem vive da exploração da fé? Queremos queimar os quatro evangelhos que Constantino coligiu dos oitenta que foram considerados para o Novo Testamento? Alvitramos coimas para quem se empanturra de hóstias, faz jejuns, reza novenas ou se péla por uma procissão?

Podemos considerar burla o negócio dos milagres, a venda por atacado de indulgências, a purificação obtida com borrifos do hissope e condenar a atmosfera terrorista que as Igrejas criam com o temor do Inferno. Desmascaramos os negócios que fazem com os transportes do Purgatório, com veículos movidos a missas e oferendas, ou com os óbolos que fazem esportular aos crentes para comprar um espaço no Paraíso. Mas não aceitamos a mais leve perseguição, nem pedimos que nos deixem fazer homilias ateias nos seus locais de culto.

O cristianismo plagiou crenças antigas. Cristo não foi o primeiro a nascer de uma virgem, a ressuscitar ao terceiro dia ou a dedicar-se ao lucrativo ramo dos milagres. Não vem mal ao mundo que haja quem acredite no poder dos santos, nos dons do Espírito Santo ou na omnipotência divina. O perigo reside nas perseguições a quem desmascare a tramóia, duvide que o corpo e o sangue do JC se encontrem na rodela de pão ázimo depois de consagrada, negue a eficácia terapêutica da água benta ou a eficácia da oração no aumento da pluviosidade.

Não somos nós, ateus, que somos intolerantes. Somos solidários com os direitos dos crentes, mas não nos peçam que renunciemos a desmascarar quem os engana, explora e fanatiza.

23 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Da ICAR e da polis, III: Renascença

Um dos grandes teólogos do catolicismo, o inescapável Tomás de Aquino, explica na Política que os governos de um só, de alguns e de muitos podem ser bons ou maus, legítimos ou ilegítimos. Nos bons, o primeiro chama-se monarquia ou reino, o segundo, aristocracia, e o último politia (república). Os maus regimes designam-se por tirania, oligarquia e democracia, respectivamente. A cristianização deste conceito aristotélico dá-se apenas em que na política tomista os bons e maus regimes distinguiam-se tão só pela religião dos seus governantes. Se fossem católicos e impusessem o catolicismo aos governados os governos eram bons; caso contrário seriam maus.

Durante a Idade Média o direito divino não foi contestado até porque a população não tinha acesso a educação e era mantida num estado santo de ignorância e obscurantismo. Não obstante, mesmo durante a imersão da Europa na estagnação intelectual e sedimentação do poder feudal na Idade Média, e apesar dos rígidos padrões de controle do pensamento pela estrutura eclesiástica, surgiram vozes dispersas que se insurgiam contra o abuso e a arrogância do poder de Igreja de Roma.

Mas a peste negra que dizimou milhões de europeus alterou radicalmente a estrutura sócio económica europeia. Havia poucos trabalhadores, sem preparação para as muitas tarefas que necessitavam ser feitas pelo que relutantemente foi permitido o acesso à educação. E o nível de vida dos então poucos trabalhadores melhorou substancialmente. O que propiciou a Renascença em que se redescobriram as diversas escolas filosóficas greco-romanas (nomeadamente as proscritas como o epicurismo/atomismo) e se assistiu a um privilegiar da educação.

Ironicamente a própria ICAR pode ter dado uma ajuda para criar as condições socio-económicas que propiciaram a Renascença. Numa fúria persecutória para erradicar especialmente o culto pagão da deusa Freia (ou Frigga) associada aos gatos estes foram chacinados aos milhões (os gatos sempre estiveram associados a deusas da fertilidade como Bastet no Egipto, Afrodite na Grécia, Vénus no panteão romano e Cerridwen no culto celta). Os gatos foram completamente exterminados em cidades como Veneza. A sua morte foi incorporada numa série de rituais católicos, simbolizando o Demo sob o controle da Igreja. Por isso quando a pulga Xenopsylla cheopis com a variante patogénica do bacilo Pasturella pestis, que se crê estar na origem do flagelo, atravessou com os ratos dois continentes, vinda das estepes asiáticas, as epidemias de peste negra assumiram proporções catastróficas apenas nos países católicos.

Na Renascença o governo por direito divino foi contestado por Machiavelli (final século XV princípio século XVI), que introduziu uma nova concepção de Política, separando o pensamento racional político da religião e da moral religiosa. Ainda hoje, maquiavélico é conotado como algo negativo porque Machiavelli no seu Príncipe (inspirado em César Bórgia, filho do papa Alexandre VIII) foi o pioneiro a contestar o direito divino e propôr a separação igreja-estado.

Conceito retomado no século seguinte por Mandeville, Voltaire, John Locke, Thomas Hobbes, Montesquieu, et al., que culminou no iluminismo e na Revolução Francesa com os seus conceitos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e começaram a fazer perigar no mundo ocidental a hegemonia da Igreja Católica na esfera política. Contra o que ela lutou de unhas e dentes. Por exemplo Clemente XII, em 1738, 32 anos depois da Independência dos Estados Unidos, debitou a Bula In Eminente em que institui a excomunhão para quem integrasse grupos que promoviam o que considerava serem ideais incriminatórios e contra os princípios da Igreja, nomeadamente: a pretensão de legislação sem os auspícios da ICAR; a separação entre Estado e Igreja e a existência de educação laica.

22 de Agosto, 2004 Ricardo Alves

A Laicidade na Grécia

Apesar de a palavra «laicidade» dever a sua origem a um étimo grego («laos»(1)), a Grécia actual é talvez, com a possível excepção de Malta, o Estado da União Europeia que mais se afasta do ideal de laicidade do Estado. O caso da Grécia evidencia que o confessionalismo de Estado é uma máquina de negar direitos, e que portanto, ao contrário do que afirmam os nossos críticos habituais, é a religião que actua negativamente.

No país em que a Constituição não só é proclamada «em nome da Santíssima Trindade» como declara no seu artigo 3º que a «religião predominante» é a religião ortodoxa grega, um grupo de cidadãos que queira fundar uma igreja e abrir um templo não o pode fazer sem obter a necessária autorização junto da… Igreja Cristã Ortodoxa Grega (ICOG). Evidentemente, a ICOG usa este direito de veto para controlar a concorrência. É assim que, apesar da existência de um número considerável de muçulmanos em Atenas, jamais a ICOG autorizou que uma mesquita abrisse as portas nessa cidade. (E os sacerdotes ortodoxos são, como é evidente, funcionários públicos com todas as regalias consequentes.) A liberdade de associação está portanto limitada.

A liberdade de expressão está restringida por duas disposições constitucionais, uma que proíbe o «proselitismo» (ou seja, as tentativas de persuadir ou simplesmente informar as pessoas de que existem outras opções religiosas ou filosóficas) e outra que permite a apreensão de jornais e livros em casos de «ofensa à religião cristã» (além disso, a reprodução da «Sagrada Escritura» depende da autorização da inefável ICOG). Assim, a liberdade de difundir ideias na Grécia está limitada à difusão da ortodoxia.

A falta de liberdade religiosa na Grécia causou atritos consideráveis com a U.E. apenas em torno da questão dos Bilhetes de Identidade, que deixaram efectivamente de mencionar a religião do seu portador (é um direito humano básico manter a convicção filosófica ou religiosa privada). No entanto, os B.I. gregos são vitalícios… portanto os B.I. emitidos antes de 2001 continuarão a exibir a religião de quem identificam.

A Grécia tem ainda outras extravagâncias religiosas, das quais a mais famosa é o Monte Athos, uma pequena península habitada apenas por monges do sexo masculino, que tem constitucionalmente o direito de se autogovernar e onde é proibida a entrada a pessoas «heterodoxas». Os tratados da UE regulando a famosa «liberdade de circulação» têm respeitado o «direito à diferença» do Monte Athos, o único espaço da UE onde um «cidadão europeu» não pode entrar. Outro território regido por leis supra-constitucionais é constituído por algumas localidades na fronteira com a Turquia, onde, sendo a população maioritariamente muçulmana, o ensino é em turco e com uma componente de estudos do Islão.

(1)«Laos» significa «povo», mas enquanto totalidade indivisível, enquanto «ethnos» remete para o fundo «racial» ou cultural, e «demos» para a entidade com capacidade política.

22 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A ICAR ensandeceu

Quando o islão na sua demente obsessão pelo livro sagrado proíbe as escovas de dentes que possam ter pêlos de porco, dizemos que a esquizofrenia muçulmana não tem limites.

Quando o mesmo Islão conduz há décadas sucessivos massacres no Sudão numa tentativa absurda de converter a sua população à única religião verdadeira – a sua -, e aproveita para decepar membros e exercer sevícias para agradar a Alá, acusamos a crueldade árabe sem nos lembrarmos de que é a religião a responsável pelos crimes.

Quando no mundo que julgamos civilizado, o papa garante que a rodela de pão ázimo, feita de farinha de trigo, contém o corpo e o sangue do fundador da seita, achamos ridículo. E quando o mesmo papa, infalível e santo, nega idênticas propriedades quando a hóstia é feita de farinha de arroz, julgamos que está demente.

Aliás, o homem é o único animal ( e nem todos) que tem um paladar suficientemente apurado para saber se a hóstia está ou não consagrada.

Pois, como o André já tinha referido aqui no Diário, a ICAR – vem hoje no Diário de Notícias – nega a comunhão a uma criança doente, por ter uma doença rara que não tolera o glúten. Hóstias só com matéria prima certificada pelo fabricante das bênçãos.

Quem sabe se, com farinha de arroz, em vez do corpo de Cristo a hóstia passaria a conter os fluidos do divino Espírito Santo?

21 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Touros de morte em Reguengos de Monsaraz

O combate contra os touros de morte não é propriamente uma causa ateísta, mas a luta pela defesa dos animais e contra as tradições trogloditas é uma obrigação de cidadania.

A SIC-Notícias, à meia-noite, exibiu o presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz a reivindicar o direito aos touros de morte, desejo partilhado pela Santa Casa da Misericórdia e pela população do seu concelho, por ser a morte do touro «um acto cultural e tradicional».

Claro que alguém devia explicar ao inefável autarca que a queima de hereges, bruxas, judeus e a aplicação de outras sevícias piedosas foram um «acto cultural e tradicional» que a civilização erradicou.

Esses argumentos são, aliás, usados pela ICAR para a reivindicação de privilégios enquanto não consegue o regresso ao totalitarismo, tanto do seu agrado.