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26 de Dezembro, 2007 Carlos Esperança

A pilinha de Maria Madalena

 Maria estava muito preocupada. Jesus,  já com 29 anos e só meditava, só meditava….. Um dia, sabendo que a Madalena andava atrás dele, convidou-a  para ir lá a casa lanchar. E assim foi. 

Quando chegou Madalena, inventou uma desculpa e deixou-os sozinhos. Passaram-se 10 minutos e, de repente, a Madalena sai disparada a gritar, em pânico. Quando chegou ao pé de Jesus, Maria perguntou-lhe:

– “Meu filho, o que é que se passou?” – “Nada, mamã. Estávamos a conversar, quando ela me pôs a mão na perna. E eu fiz o mesmo. Depois ela foi subindo até que chegou à minha  pilinha. E eu fiz o mesmo. Foi então que reparei que ela não tinha pilinha.”

–  “E então, meu filho?”

– “Então, fiz um milagre e curei-a!”

26 de Dezembro, 2007 Carlos Esperança

O maior drama (2)

Tal como o pasteleiro se queixa da falta de clientes que lhe deixam os bolos a azedar na montra e a saber a mofo, também o Sr. José Policarpo, patriarca de Lisboa, investe contra os ateus que deixam as hóstias a apanhar bolor no cálice e a encher-se de verdete a patena nos sacrários onde a chave se tornou inútil.

Diz o Sr. José, por dever de ofício e hábito profissional, que Deus existe e nos ama, sem provar a primeira afirmação e sendo irrelevante a segunda que, aliás, nunca passaria de um vulgar amor não correspondido.

Julga o prelado que é obrigação dos homens livres (homens e mulheres, naturalmente) viajar de joelhos e viver de rastos para que se alegre o Deus com que ganha a vida e ele, cardeal, possa rir-se das orelhas até à mitra.

Refere-se ao Natal como a data do nascimento do seu deus, aquele a que inventaram os pecados dos homens para darem uma finalidade ao martírio. O dia 25 de Dezembro era já a festa do nascimento de Mitra, data que o cristianismo falsificou para o nascimento do seu deus, cujas comemorações parasitou. O dia 25 era o da festa das Saturnais que a nova seita tornou mais aborrecida e sorumbática.

Nós sabemos que a descrença sobre a mentira milenar leva ao desespero os parasitas de Deus como, em tempos, o fim dos teares mecânicos levou o pânico aos operários têxteis. É o progresso.

Há hoje mais encanto na descoberta do ADN do que houve em qualquer altura na transformação do pão ázimo em corpo e sangue do fundador da seita por obra e graça dos gestos cabalísticos do oficiante diplomado.

Pode o Sr. José, patriarca de mitra, báculo e anelão, resmungar o azedume que o devora. O ateísmo é a expressão da liberdade de quem quer viver de pé e prefere a debilidade da razão à força da superstição que ateia fogos, cria suicidas e se torna alfobre de guerras e violência.

O cardeal diz que «o maior drama é a negação de Deus». Talvez seja para o tal Deus e para quem vive à sua custa, mas para o Homem o maior drama é acreditar em qualquer Deus, o que o leva à violência, à guerra e ao assassínio, numa sanha demencial de quem quer impor a impostura da fé à liberdade dos homens.

26 de Dezembro, 2007 Ricardo Alves

O maior drama

  • «Todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade» (José Policarpo)

Habituara-me a situar José Policarpo entre os mais moderados dos bispos portugueses. Afinal, enganei-me. É um fanático que acha que existirem pessoas com ideias diferentes das dele é mais grave do que existir fome, guerras ou miséria. Enfim. Estamos a falar de uma religião que acha que há pensamentos que podem condenar uma pessoa a viver a «eternidade» em sofrimento. E portanto.

24 de Dezembro, 2007 Carlos Esperança

Quem sabe, faz…

… Quem não sabe, abençoa.

Cerca de 60 grávidas foram ontem abençoadas pelo cardeal patriarca de Lisboa, Sr. José Policarpo, em Lisboa, numa cerimónia em que a tónica foi a importância da maternidade «como abertura à criação de uma obra de Deus», noticia a Lusa.

Comentário: E eu a julgar que a gravidez ainda acontecia pelo método tradicional, com a abertura a precisar de um homem.

24 de Dezembro, 2007 Hacked By ./Localc0de-07

Ateísmos, Anarquismos e Satanismos

«As envolvências dogmáticas e as mecanizações sociais provocam estados de consciência reduzida, onde o livre arbítrio se resume às escolhas entre o preto e o branco, concepção perfeita das vidas debaixo dos sistemas de crenças oriundos dos monoteísmos.»

O Solstício de Inverno chegou, e com ele a 7ª edição da newsletter Infernus, um veículo de informação a nu e de livre pensamento oriundo da Associação Portuguesa de Satanismo. Nesta edição toma forma a minha dissertação sobre questões de afirmação pessoal em sociedade partindo do óbvio prisma de visão da realidade nominado tradicionalmente por Ateísmo. Negando a irracionalidade e a superstição urge questionar prismas e filosofias de vida, pela esfera social circundante torna-se imperioso inserir o pensamento entre os extremos opostos da afirmação racional, o Darwinismo Social ou o Apoio Mútuo, prismas que podem ser enquadrados por exemplo no Satanismo, o primeiro, no Anarquismo, o segundo.

Para além das minhas “Dissertações Satânicas”, pode ler-se nesta edição o excelente artigo “Os fundamentos do Ateísmo” de André Díspore Cancian, autor do livro “Ateísmo e Liberdade” e administrador do portal Ateus.net. A grande entrevista é feita a Peter Gilmore, o High Priest da Church of Satan, expoente máximo do Satanismo a nível mundial. Dissertações a encargo dos colaboradores da “casa”, Outubro com “A Lei da Sobrevivência, a Arte do Equilíbrio” e Mosath com “Na Prosa de Cépticos”. Como reflexão entre passados e futuros lê-se “O Movimento Cíclico da Evolução” de Lurker, editor da Infernus. Arte também não falta, e em excelente qualidade, capa elaborada por Sara Piteira em óleo sobre tela.

A Infernus 7 pode ser lida com um click sobre a imagem seguinte.

Infernus 7

Também publicado em LiVerdades 

23 de Dezembro, 2007 Carlos Esperança

NATAL

Natal

Quando eu nasci, a quatro dias do solstício de Inverno do ano de 1942, ia a meio a guerra que grassava na Europa e alastrava pelo mundo, não havia Natal na casa dos pobres. E pobres eram quase todos, também aqueles que os mais pobres diziam ricos por o serem menos.

A guerra, não aquela que a Senhora de Fátima dissera à Lúcia que ia acabar mas a seguinte, mais devastadora, que nenhuma delas (a Senhora de Fátima ou a Lúcia) sabia então que eclodiria mais tarde, dizimava nações e judeus na orgia anti-semita de renascidas rivalidades tribais herdadas pelo Império Romano, com erros de tradução, e na volúpia de interesses económicos que eu desconhecia.

Não havia de facto Natal embora eu só o pudesse saber alguns anos depois numa aldeia muito mais pobre onde não ia o Menino Jesus por não ter onde deixar as prendas, dado andarem descalços os meninos e não terem as casas chaminé por onde descer. Em minha casa eram os meus pais que o substituíam comprando alguma roupa de que os filhos andassem precisados, guloseimas e, às vezes, um carrinho de corda no meu sapatinho e bonecas nos das minhas irmãs.

Os meninos sabiam que era Natal − talvez o fosse noutras localidades… −, por ouvirem dizer em casa e na catequese e por verem os anjos, na igreja e na escola, pendurados em fios, a fazerem voo picado sobre os presépios. E eram bonitos os presépios porque eram coloridos os músicos da banda, os camelos e os reis magos, as ovelhas e o cão, e o burro e a vaca que, à falta de outra energia, aqueciam S. José, a Virgem e o Menino, saídos todos da paciência e perícia de um oleiro.

Nas casas, o vento e o frio entravam pelos buracos das paredes e fisgas da telha vã levando chuva ou neve que se fundia por entre o fumo da lenha húmida enquanto as fonas caíam na mesa “de preguiça” que, girada a cravelha, desencostava da parede rodando as dobradiças e equilibrando-se na única perna que a nivelava. Era ali que fumegava a sopa e as parcas vitualhas que chegavam à mesa dos pobres onde o Natal não ia.

Na cidade havia polvo seco, a partir de Novembro, dependurado do tecto das mercearias e enormes peixes de bacalhau da Noruega que as pessoas não imaginavam ser um país mas sabiam os merceeiros que a referência à origem valorizava a mercadoria. Mas quem podia almejar tais iguarias com o jornal, quando o havia, a oito mil réis (oito escudos) os homens e a cinco as mulheres, para arranjar pão que os garotos, que nasciam como cogumelos, logo devoravam.

No solstício de Inverno era o frio que comandava a tosse e o catarro, trazia as amigdalites e a febre e substituía o Natal de outras paragens pelo chá de cidreira, a escaldar, e a enxerga que amparava o corpo. A fé exigia orações mas à força do hábito as pessoas balbuciavam-nas como quem fala só, sem saber porquê.

A ausência de Natal não impedia a liturgia e as orações. Diz-me a observação que a fome faz bem à alma, desperta a piedade e aproxima as pessoas do divino, mas ainda hoje me interrogo como podiam os pobres agradecer a refeição que não lhes matava a fome e, algumas vezes, era a fome que os matava a eles.

Celebrar uma festa, seja pelo nascimento de um Deus ou de um filho, exige comida para aconchegar o estômago e líquidos capitosos que soltem a língua e o regozijo e dêem às reuniões o júbilo que o estômago vazio e a sede indeferem.

Naquele tempo, nas aldeias mais pobres da Beira Alta, disse-o há pouco e já o repito, não havia Natal. Só no calendário. As crianças andavam descalças sobre palha, ouriços e folhas que apodreciam na rua para adubo dos campos, sempre avaros a produzir, e recolhiam a casa a tiritar de frio sem que à mesa notassem a mais leve suspeita do nascimento de algum Deus.

Com as senhas de racionamento a não poderem ser levantadas pelos pobres, por falta de dinheiro, lá iam os géneros para a candonga enquanto os infelizes se resignavam à sorte que lhes cabia. Na missa o padre José Dâmaso recordaria a protecção divina que confiou Portugal ao homem providencial que nos livrou da guerra e punha as pessoas a rezar para que Deus desse a Salazar vida longa e o iluminasse com a sabedoria. Só o primeiro pedido foi atendido mas, nessa altura, ninguém o adivinhava. Nem adivinhava, tão-pouco, que, tendo-nos livrado dessa guerra – como dizia o padre Dâmaso –, nos reservaria outra, mais adiante no tempo.

Hoje, quando regresso à minha Beira natal recordo os meninos pobres da aldeia onde não volto com medo de ainda achar aquela fome que vi nos olhos dos que não comiam, com remorso de ter comido, com vergonha da sorte que me cabia.

Anos mais tarde despovoava-se o país de homens, sangrado na loucura da Guerra Colonial e na vaga da emigração clandestina, para fugirem à fome uns, para fugirem à guerra e à fome outros, enquanto as mulheres mantinham as terras a dar o que era possível e punham os filhos a estudar, numa lenta e inexorável transformação que mudaria a face de Portugal. Tinham-se alterado os costumes quando a fome se afastou e no sítio dos presépios da minha infância começaram a surgir árvores de Natal e prendas em papel colorido trazidas pelo Pai Natal em trenós puxados por renas.

Naqueles anos não havia Natal porque a pobreza o não permitia. Faltou-lhe depois o afecto que unia as pessoas e o vagar que dá tempo às celebrações e aos rituais. Antes não era por falta de fé ─ tão parcas eram as vitualhas que as pessoas enganavam a fome a cuidar da alma ─, era por falta de posses para fazer a festa. Agora, vai deixando de ser pretexto para os encontros de família à medida que as pessoas aderem a novas liturgias nas catedrais do consumo e se vão desinteressando do nascimento do Deus que lhes ensinaram.

Do Natal que foi nos sítios onde o havia e do que não era nas localidades onde não chegava resta a memória dorida de um país cujo progresso estava em sintonia com a imobilidade das figuras do presépio.

Revista de Natal – Jornal do Fundão, 20-12-2007