Por
Frei Bento
(Epístola com pedido de publicação)
Caríssimos irmãos em Cristo, permiti que eu vos fale, hoje, da Eucaristia, a.k.a. Comunhão. Como sabeis, e se não sabeis devíeis saber, a Eucaristia simboliza e perpetua a Última Ceia de Nosso Senhor. De acordo com os evangelhos, a Ceia foi constituída apenas por pão e por vinho, o que não lembra nem a um penico, por muito sujo que esteja. Não faz o menor sentido treze marmanjos alaparem-se a uma mesa para a ceia sabendo-se, ainda para mais, que era a última, não faz o menor sentido, dizia eu, tratarem de apenas comer pão e beber vinho. Apenas.
Apenas? Não!
Aquando das escavações para as fundações do que viria a ser, posteriormente, a nossa Abadia, foram encontrados documentos que a própria Ciência, com quem estamos de costas voltadas desde aquela cena de a Terra andar à volta do Sol, pois bem, a própria Ciência, contra o seu costume, considerou tais documentos como autênticos – e não me refiro, naturalmente, aos cientistas que analisaram o Santo Sudário, refiro-me a cientistas MESMO. Tais documentos afirmam, sem margem para dúvidas, que a Ceia de Nosso Senhor não consistiu nos triviais pão e vinho. A ementa era farta, posso garantir, embora a ética religiosa me impeça de divulgar o menu. Quem sou eu, ou quem somos nós, frades Neo-Goliardos, para desmentir os Evangelhos, por muitas dúvidas que estes possam suscitar? Posso, no entanto, garantir que da ementa não faziam parte nem as tapas de presunto nem os camarões “al ajillo”. Por razões biblicamente compreensíveis.
Pois bem, rezam, literalmente, os documentos em poder da nossa Abadia, que, depois de todos bem comidos e melhor bebidos, Jesus se levantou para fazer um brinde, habitual naquelas e em similares circunstâncias. Mas Jesus era, e continua a ser, Filho de Deus. Filho e Pai, mas isso fica para outra ocasião. Pois bem, Jesus entendeu, e eu vou-lhe ao entendimento, que deveria fazer um brinde diferente. Nada do corriqueiro “Et fosses, et esgharabet et bitta tu”, nada disso. Daí que, pegando no pão que ainda estava na mesa, e que não seria descontado na conta, porque tendo vindo para a mesa tinha de ser pago mesmo que não consumido, distribuiu-o por entre os comensais e disse: “Tomai e comei, já que tenho de o pagar.”, embora neste ponto haja divergências quanto ao sentido de “tenho de o pagar”. Por exemplo, o nosso irmão Hermeneuta entendia que devia ser traduzido por “isto é o meu corpo”, mas o Abade de Priscos, nosso superior hierárquico, afirma que a tradução literal é “isto sai-me do corpo”, já que quem convida é que paga e Judas, que era a Maria Luís da época, garantia que havia almofada financeira para o evento, mas sem descurar a austeridade. “Nihil sub sole novum”, como se depreende. Os documentos falam, também, num episódio parecido, mas envolvendo vinho, só que, entretanto, já ninguém estava em condições de dizer, e muito menos escrever, fosse o que fosse. O que aparece escrito já é passível de muitas especulações.
Ora, e é aqui que eu quero chegar, a Igreja Católica decidiu-se pela apropriação da tradução do nosso irmão Hermeneuta, que Deus tenha em eterno descanso. E como se não bastasse, ainda tiveram a lata de garantir uma coisa que nunca foi minimamente provada, que é essa merda – Deus me perdoe! – da transubstanciação. Ou seja, uma rodela de farinha amassada com água dá direito a garantir que aquilo é o corpo e sangue de Cristo. E toda a gente – os que comem aquela mistela – nem se apercebem de que estão a praticar canibalismo. Antropofagia, que é pior! E o ministério público mudo e quedo. Porque se a antropofagia não é considerada crime, acho eu, já o mesmo não se pode dizer da profanação de cadáver. Quer dizer: andam há quase dois mil anos a comer Cristo, e ninguém mexe uma palha, ninguém faz a ponta de um corno!
Caríssimos irmãos em Cristo, a Eucaristia é um acto simbólico. É uma forma de os crentes “confraternizarem” com Jesus, e nada tem a ver com o comer-lhe o corpo às rodelas, já que o “sangue” é bebido pelos vampiros sacerdotes. Nós, na nossa Abadia, praticamos, naturalmente, a sagrada Eucaristia. Distribuímos pão ázimo, que mandamos vir diariamente da comunidade judaica de Belmonte e, contrariamente ao que se pratica na Igreja Católica, damos a beber aos crentes, vinho. Poiares maduro, colheita de 1967, para que conste! Aos menores de 16 anos (18, a partir de Julho) damos a escolher entre sumos ou Coca-cola. É uma cerimónia bonita, que se desenrola ao som de “In Taberna Quando Sumos”, entoada pelo nosso grupo coral.
Por isso, irmãos: se quereis participar numa eucaristia CDS (Como Deve Ser), vinde até nós.
Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.
A garantida canonização de Pio XII
Mesmo com o atual Papa de que a ICAR teve necessidade, como as nódoas de benzina, depois de dois pontífices que perderam clientela, os milagres continuam a fazer parte do arsenal de produtos pios para o exercício ilegal da medicina por cadáveres com muitos anos de defunção.
Os santos continuam a nascer como cogumelos em noite de orvalho e Pio 12 parece ser dos que estão bem colocados no concurso e nos milagres.
Pio 12 não foi um celerado que arrancasse olhos aos sérvios, um carrasco que estivesse nos campos de concentração a assassinar judeus, um biltre que usasse as próprias mãos para despachar hereges a caminho do Inferno.
Pio 12 foi apenas um Papa católico, amigo da ordem e da paz, antissemita como os seus pios antecessores e anticomunista como os sucessores. Foi com muita mágoa – dizem os panegiristas de serviço –, que assistiu em silêncio ao extermínio dos judeus e, depois da guerra, para compensar, converteu conventos e seminários em refúgios nazis, enquanto a diplomacia do Vaticano arranjava passaportes para a América do sul.
Não se pode condenar Pio 12 pelo antissemitismo. É um dever que o Novo Testamento impõe, é o culto de uma tradição que alimentou as fogueiras do santo Ofício e um preito de gratidão a todos os santos que perseguiram judeus, moiros e hereges e dilataram a fé.
Pio 12 apenas queria celebrar concordatas com os Estados fascistas, proteger as famílias cristãs dos malefícios do divórcio e assegurar às crianças o ensino obrigatório da sua fé. Haverá odor que mais agrade a Deus do que o de um herege a ser queimado? Ou maior delícia do que a tortura de quem siga uma religião falsa?
Claro que Pio 12 deve ser canonizado. Quantos biltres o não foram já? O problema que lhe complica a vida é não ser incluído em levas de centenas e, na sua singularidade, ter ainda quem se lembre de que o Vaticano foi um antro de conivência com o fascismo a que deve o Estado em que se transformou.
Mas não aconteceu o mesmo com JP2, um papa que fazia milagres em vida, apesar de só os mortos terem alvará para o negócio?
Ora, canonize-se o cadáver. Com os anos que já leva de morto, há muito que não fede.
Nada tenho contra os crentes e tudo contra as crenças, sobretudo quando os fiéis querem impor aos outros a sua fé e, muito especialmente, se recorrem à violência.
O ateísmo também merece igual censura se for sectário e violento. As guerras santas são devastadoras e a Europa tem longa tradição nesse desvario. Por mais que a componente económica influencie os conflitos, é o ódio religioso que aparece como o mais violento detonador de guerras.
Que raio de deuses inventaram os homens que precisam de religiões como agências de promoção e instrumento de coação?
A laicidade é a vacina que interessa a crentes de todas as religiões não dominantes, no espaço em que se inserem, bem como a todos os não crentes, e não pode ser descurada.
É tão perverso um Estado ateu como um confessional. O Estado deve ser neutro e evitar intrometer-se na vida das associações cuja liberdade lhe cabe respeitar e defender. Só o código penal deve limitar a demência do proselitismo e a violência dos prosélitos.
Não posso deixar de recordar Voltaire no leito da morte, a quem, como era hábito, para terem o troféu «converteu-se na hora da morte», pretendiam que «negasse o Diabo», ao que respondeu com fina ironia: «Não é o momento apropriado para criar inimigos».
Mais sarcástico, Christopher Hitchens, influente escritor e jornalista britânico, autor do livro «Deus não é grande», quando soube que, na sequência do cancro que o consumia, se faziam apostas na NET sobre se se converteria antes de morrer, declarou: «se me converter é porque acho preferível que morra um crente do que um ateu».
Noivas da Morte
Partem rumo às distantes terras da Síria
As Noivas da Morte
Embaladas pelas preces mântricas
Que preenchem as cabeças vazias!
Aspiram a um mundo que não compreendem,
Vidas roubadas a todas as possibilidades
Excepto ao fatalismo ignóbil da doutrinação!
Das visões do profeta sem rosto
Fundamenta-se um deus sem alma
Que se alimenta da barbárie
E mata a sede com a vingança!
Entregam-se, em voluntariado,
As Noivas da Morte,
Inconscientes e inconsequentes
Quais porcos rumo à matança,
Corpos vivos em mentes mortas
Sem resquício ou vestígio de consciência!
No sorriso dos seus jovens rostos,
Promessas de um futuro que soçobra,
Marcar-se-ão as rugas da tirania e da subordinação!
Nos corpos, convertidos em malas de parir,
Marcar-se-ão as cicatrizes da violência e da intolerância,
Legando à geração vindoura
Apenas a indignidade da sua condição!
Por entre linchamentos e decapitações
Floresce o Reino do Terror,
A medieval realidade dos nossos tempos,
Enquanto o xadrez da geopolítica
É jogado pacientemente,
Com imaculadas luvas brancas
Que cobrem as mãos podres!
E nos templos de todas as religiões,
Por entre orações devotas
Exalta-se a bondade de deuses,
Inexplicavelmente ausentes!
Tivesse o deus de Espinosa triunfado
E não haveria Noivas da Morte,
Nem ninguém seria Charlie Hebdo,
E ter-se-iam acondicionado os livros sagrados
No sossego das estantes
E as suas verdades não passariam de estórias, metáforas e alegorias!
As distantes terras da Síria
Não teriam a dor nos seus vales,
Nem o sangue nas suas manhãs!
E toda a coluna vertebral da Humanidade estaria ereta!
Todas as noivas seriam Noivas da Vida!
E Deus?
Rir-se-ia dos Homens, que nele não creem,
E teria, finalmente, motivos
Para orgulhar-se dos seus Filhos!
a) Paulo Ricardo Moreira
A oferta de uma escrava, considerada herege, como prémio de um concurso para quem (homem) melhor memorize o Corão, é a última indignidade do Estado Islâmico, a mais refinada ofensa à civilização e a mais demente inspiração pia.
Quando os homens criaram Deus, era o medo do desconhecido, a ignorância da ciência, a dor sem remédio, a doença sem cura, as epidemias sem explicação, a imaginar um ser, à sua imagem e semelhança, capaz de os proteger em troca do pior de que eram capazes.
Sacrificaram-lhe filhos, animais e bem-estar. Criaram exigências tolas para satisfazer o mito e foram infelizes na parva ilusão de que fariam feliz o imaginado carrasco.
A ignorância foi sendo vencida e o medo, a mãe de todos os medos, o medo da morte, é a derradeira justificação para o ser hipotético que continua a exigir que os homens se lhe ajoelhem como se tal indignidade fosse a forma de honrar quem quer que seja.
As religiões são multinacionais organizadas em torno da fé e detonadoras de ódios que todos os totalitarismos destilam. Têm funcionários e torturadores amestrados.
O Diabo é a antítese dialética da mais infeliz das criações humanas. O homem é o único animal que reza e nenhum outro se sujeita a atos ridículos de adoração.
Será a religião necessária? As necessidades criam-se. Bom proveito aos crentes mas não queiram que o deus de cada um de vós seja o algoz de todos e cada um de nós.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.