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14 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Ateísmo, religiões e liberdade

O ateísmo, ao contrário das religiões, não cria pessoas boas ou más, enquanto as últimas moldam o seu carácter soas e as levam a praticar atos da mais sublime bondade ou da mais degradante abjeção.

O Estado Islâmico assassina e tortura segundo a vontade de um ser imaginário, tal como outrora o fez o cristianismo das Cruzadas, da Evangelização e da Inquisição e, ainda hoje, o faz o sionismo judaico.

Há crentes e ateus entre os maiores criminosos da História recente. Dos primeiros, sem necessidade de recorrer ao fascismo islâmico, destacam-se Mussolini, Franco, Pinochet, Videla, Somoza e o padre Tiso, sendo Hitler designado por crente ou ateu, conforme as conveniências. Nos ateus sobressaem Estaline, Enver Hoxha, Ceauşescu, Mao, Pol Pot e Kim Il-sung. Estão bem uns para os outros.

O meu ateísmo leva-me a utilizar a Declaração Universal dos Direitos Humanos como padrão para definir a bondade do ateísmo e da crença de cada um. São correligionários os que a respeitam e adversários os que a renegam ou não a subscrevem. O mundo não se divide entre crentes e ateus mas entre os que partilham os valores civilizacionais que são a herança do Iluminismo e da Revolução Francesa e os que se lhe opõem.

Há ateus nazis, xenófobos, racistas e misóginos à semelhança do pior que nos legaram os monoteísmos. Não deixa de ser ateia essa gente mesquinha e desumana tal como não deixaram de cristãos os que colaboraram no nazismo e no fascismo e os que se lhe opuseram na Resistência.

Há uma boa razão para se combaterem as religiões, sem as confundir com os crentes, a sua falsidade e nocividade. Usar nesse combate as mesmas armas dos mais celerados combatentes do Estado Islâmico, por exemplo, é colocarmo-nos ao seu nível.

13 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A visita pascal – Crónica

O Senhor Jesus Ressuscitado viajava, no Domingo de Páscoa, pelas casas da aldeia a recolher o ósculo e a esmola dos devotos. Onde não chegava antes do anoitecer ia no dia seguinte, com desgosto dos paroquianos que o aguardavam. A bênção valia o mesmo, é certo, mas perdia-se o tempo da espera e era diferente. Por isso, para não contrariar os mesmos, todos os anos mudava o itinerário.

Transportava-o o sacristão, que o entregava ao vigário em cada paragem, e era acompanhado por devotos que aliviavam a alma e recolhiam esmolas suplementares para os santos que exornavam a igreja local. Um garoto levava a caldeirinha de água benta que passava ao sacristão enquanto o padre se ocupava da cruz e recolhia-a depois deste despachar a tarefa e de se ocupar do hissope, num movimento de rotação, a aspergir com vigor, em cada lar, um círculo protetor das investidas do demo, bênção que não deixaria de acautelar também o vivo que morava na corte, por baixo.

Era um tempo em que não havia vírus nem pneumonias atípicas, as pessoas viviam porque Deus queria e finavam-se quando o Senhor era servido, sem intromissão do médico a estorvar a divina vontade de as chamar.

Em todas as casas as vitualhas aguardavam a visita ao lado de uma garrafa de jeropiga rodeada de cálices. Entrava primeiro o padre, seguido do sacristão e do garoto que conduzia a caldeirinha. Aguardavam nas escadas os outros para depois os revezarem. Genufletiam-se os da casa, por ordem cronológica, para beijar o pé do Jesus até chegar ao chefe de família que era o último a ajoelhar e o primeiro a soerguer-se. Borrifada de água benta a habitação, recolhida a esmola destinada ao Ressuscitado, a mais substancial, o padre bebia um trago de jeropiga e mordiscava um naco de pão-de-ló, por consideração, enquanto o sacristão aviava o cálice, de um sorvo, e se desforrava nos bolos. Às vezes demoravam-se mais um pouco para que o senhor padre rezasse uns responsos a rogo, geralmente por alma de quem tinha deixado com que pagar o latim.

Havia no séquito que aguardava nas escadas um homem por cada santo que ornava os altares da igreja, disponível para arrecadar a oferenda. Assim, enquanto o padre e o sacristão desciam, subiam eles para recolher, se a houvesse, a esmola que a cada santo cabia, consoante as posses e a devoção dos anfitriões. Creio que os turnos de acesso se estabeleciam em função do espaço e não da liturgia.

Mais de metade da paróquia percorrida, com o padre e o sacristão aguentando o múnus a pão-de-ló e regada a fé a jeropiga, a vingar-se o último, a conter-se o primeiro, a acelerarem todos para as casas que faltavam, o sacristão avaliou mal a distância que o separava das escadas na última casa onde entraram, abalroou o garoto que transportava a caldeirinha que logo a soltou, verteu a água e arremessou o hissope contra a parede. Foi grande o reboliço enquanto o sacristão e a cruz varreram enrolados as escadas sem que alguém do séquito lhes deitasse a mão, impávidos, como se evitassem estorvar se acaso fosse promessa a queda.

O padre, vermelho de raiva e da jeropiga, aguentou-se nas pernas e conteve a língua, ao cimo das escadas, enquanto, sem largar a cruz, se despenhou por entre as alas de acompanhantes o sacristão. Este recuperou rapidamente o alinho e endireitou a cruz, sem ninguém se aleijar, Deus seja louvado, e o padre despachou logo um paroquiano com uma jarra de vidro a caminho da igreja a sortir-se de água benta, com o aviso de se apressar, estava a fazer-se tarde, faltava ainda muito povo para aviar. Se recriminações houve ficaram reservadas para a discrição da sacristia.

No dia seguinte as conversas da aldeia começavam todas por Deus me perdoe, seguidas de persignações apressadas e de risos amplos, terminando em ansiedade pelo pecado cometido ou pelo temor da desobriga, mas ninguém resistiu a contar o sucedido e a comentá-lo, sendo mais forte a tentação do que a piedade.

In Pedras Soltas – Ed. 2006 (Esgotado)

12 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A FRASE

«E, por favor – perdoe-se-me o atrevimento –, não venham com o exemplo idealizado da Sagrada Família de Nazaré, com um pai putativo, uma mãe virgem e um filho único».

(Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, hoje, no DN, “Teólogos e recasados”)

12 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Pecado grave

Estado Islâmico: refugiados na Europa cometem pecado grave

Da Agência Lusa Fonte: Agência Brasil

O grupo extremista Estado Islâmico disse hoje (10) que os sírios refugiados na Europa cometem um pecado grave, porque “nessas terras regem as leis do ateísmo e da indecência”.

Na edição de setembro da revista do grupo radical sunita, com o título Dabiq, os jihadistas criticaram os sírios e os líbios que “arriscam as próprias vidas e as próprias almas” e que abandonam voluntariamente a pátria do Islã pela terra dos infiéis.

Os terroristas advertem que as crianças na Europa e nos Estados Unidos estão sob “a constante ameaça do sexo, da sodomia, das drogas e do álcool”.

Continua…

12 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

Divórcio católico à borla

Por

Aspirina B

Até agora o divórcio católico, dito “nulidade do matrimónio”, era caro, moroso e injusto, segundo as palavras repetidamente ditas pelo próprio papa Francisco. Agora vai passar a ser rápido, gratuito e as pessoas podem voltar a casar-se. Muito bem, papa Francisco. Aguardo as reacções do César das Neves a esta facilitação e democratização do divórcio católico.

Qual a diferença entre o divórcio civil e o divórcio católico? Para além de ter outro nome, como atrás indiquei, o divórcio católico não é considerado pela Igreja um divórcio igual aos outros, porque o direito canónico considera que o casamento católico anulado nunca chegou a ter lugar. Melhor: o casamento não é propriamente anulado, foi sim nulo desde a nascença. Uma espécie de nado-morto. E os fiéis que tiveram o seu casamento católico anulado não podem propriamente voltar a casar-se, porque nunca estiveram casados e, assim, podem é casar-se pela primeira vez.

Perceberam? Nem eu.

Leia mais aqui no Aspirina B

11 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A nossa solidariedade

Por

Frei Bento

Caríssimos irmãos em Cristo, pegai lá a minha bênção em nome do Pai, do Filho e do Novo… do Espírito Santo.
Amém.

Sabeis, porque tendes visto, ouvido e lido, não necessariamente por esta ordem, mas certamente separadamente ou em simultâneo, que Sua Santidade o Papa Francisco apelou às paróquias, mosteiros e conventos, ermidas, capelas, et coetera, que acolhessem tudo o que fosse migrante ou refugiado, que a comunicação social não sabe distinguir. Eu também não, confesso.

Obviamente, o nosso santo Abade Faria, também conhecido por Abade de Priscos, vá lá saber-se porquê, logo entrou em histeria tipo menstrual, a berrar que “o mais rapidamente possível” tudo teria de estar em ordem para acolher os refugiados que Deus se dignasse conceder-nos porque, está escrito, nada acontece, nem uma folha cai de uma árvore se não for essa a vontade de Deus. Ou seja, temos andado numa azáfama fod… terrível, a substituir, embora não totalmente, crucifixos por crescentes, mas ainda não entendi como é que aquele crescente mais parece um minguante, enfim, quem sou eu, que nada percebo de astronomia.

Como se não bastasse, gastou uma pipa de massa para vir um informático, ainda por cima ateu, fazer o daunlod de uma coisa que lhe chamam guglemapes, só para afinar com a direcção de Meca. A seguir, mandou comprar tapetes de Arraiolos, que foram devidamente benzidos pelo cheique David, e mandou colocá-los na estufa onde costumávamos cultivar e coçar tomates tendo, previamente, mandado destruir toda a plantação. Ou seja, não temos tomates para coçar, mas temos um lindo mostruário de tapetes de Arraiolos, todos devidamente alinhados em direcção a Meca. Tudo para que não seque a torneira do Vaticano, que está para nós como a torneira de Bruxelas está para os políticos, formadores, empresários e outros aldrabões.

Entretanto, temos tido umas aulas de comunicação religiosa, onde somos instruídos no sentido de convencer aquela gente de que Deus há só um, que é o da Bíblia, e que o outro mais não é do que um patético macaco de imitação. Mas temos de dizer isto sem os ofender, que aquela gente até corta pescoços.

A medo, que o gajo não é para brincadeiras, ainda perguntei ao nosso santo Abade se tinha em mente um espaço para a tralha ateísta, que isto de refugiados nunca se sabe o que aparece; respondeu-me com maus modos que nos países islâmicos não há ateus, porque são países muito mais evoluídos, religiosamente falando, do mesmo modo que, “et pour cause”, também não há panel… homossexuais.

Cá os aguardamos, com a bênção de Deus e o patrocínio de Maomé.

Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.

10 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

O edil de Sernancelhe e o atropelo à laicidade

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A falta de ética republicana

A ditadura salazarista aboliu a lei do banimento que abrangia os descendentes dos reis de Portugal, incluindo os descendentes da adúltera mulher de D. João VI e do seu filho predileto, o traidor D. Miguel, que foi coagido a renunciar ao trono de Portugal, quando existia, depois de ter lançado o país num banho de sangue para restaurar o absolutismo.

Foi ainda o ditadura fascista que concedeu ao Sr. Duarte Nuno, um cidadão austríaco, a nacionalidade portuguesa, cidadão reconhecido pelos monárquicos legitimistas e pela Junta Central do Integralismo Lusitano, como Duque de Bragança e legítimo herdeiro da Coroa portuguesa, em 1920.

Ao filho, nascido na Suíça, foi inventado o nascimento na embaixada portuguesa como se ali houvesse algum parteiro. Chama-se Duarte Pio e usa o pseudónimo de Príncipe Real de Portugal e Rei de Portugal e, à falta de título académico, usa o pendericalho de ‘D. = Dom’ nas sua deambulações pias pelo país sem trono.

O contubérnio entre Igreja católica e monarquia é antigo. Subsiste o paradigma religioso com os seus ícones designados por Cristo-Rei e a mãe por Rainha dos Céus, ambos do incerto reino celestial de uma religião privada que apenas cabe respeitar.

O que não se admite é que um presidente da Câmara delapide os dinheiros públicos e se permita enxovalhar o cargo a prestar vassalagem à família que cria duques, príncipes e princesas de um trono imaginário nos Paços do Concelho de Sernancelhe, na terra do ilustre e honrado carbonário Aquilino Ribeiro.

Carlos Santos Silva é certamente um edil rudimentarmente conhecedor da História de Portugal e absolutamente néscio quanto ao conhecimento da Constituição da República Portuguesa, que determina a irrevogabilidade do regime republicano e da separação da Igreja e do Estado, mas terá de responder pela utilização abusiva do salão nobre do município e pelo aviltamento do cargo.

9 de Setembro, 2015 Carlos Esperança

A Europa, a laicidade e os imigrantes

A Europa, sob pena de renegar os valores, cultura e civilização que a definem, não pode deixar de socorrer e tentar integrar as multidões que fogem de países falhados, Estados terroristas e regiões que o tribalismo e a demência dominam.

A Europa, tantas vezes responsável por agressões devastadoras, cujas consequências ora a confrontam, não pode renunciar ao dever de solidariedade para com os acossados, não por expiação de culpas mas por imperativo ético.

Nunca a metáfora da bicicleta, caindo quando para, foi tão certeira como aplicada à UE, que não soube ou não quis federar as nações que a compõem com o aprofundamento da política comum, nas suas vertentes económica, social, fiscal, militar e diplomática, para quem, como eu, acredita num projeto europeu.

Mal dos europeus se o medo os paralisa e preferem abandonar os náufragos a assumir o risco de salvar um terrorista, mas, pior ainda, se descuram o perigo que a exigência ética comporta, se não souber distinguir os crentes, que precisam de ajuda, das religiões que exigem combate.

A Europa civilizada morre se renunciar à solidariedade que deve e suicida-se se não se defender da perversão totalitária de culturas exógenas que vivem hoje o medievalismo cristão e o pendor teocrático do seu próprio passado que o Iluminismo erradicou.

A civilização europeia será laica ou perece. Não pode ceder a poderes antidemocráticos, permitir a confiscação de espaços públicos por quaisquer religiões que incitem ao crime, em nome de Deus ou do Diabo.

O Islão, na sua deriva sectária, é puro fascismo a exigir contenção. Enquanto não aceitar a igualdade de género, o livre-pensamento e as liberdades individuais não pode ser tratado como as religiões cujo clero se submeteu ao respeito pelas regras democráticas e à aceitação do Estado laico.

A laicidade, paradigma da cultura europeia, é a vacina que salva o pluralismo religioso, preserva a sua civilização e evita a xenofobia que alimenta a direita antidemocrática que pulula nas águas turvas do medo e da demagogia.

Não se exige mais a quem chega do que a quem já estava, a submissão às leis do Estado laico e democrático.