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Categoria: Religiões

16 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Servir a deus e ao dinheiro”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.
Nota: Este texto foi inspirado no discurso de José Antonio Pagola, já aqui mencionado há umas semanas.

De vez em quando os bispos portugueses juntam-se ao coro de protestos do povo sofredor tentando alertar a classe política e o governo para os malefícios que produzem na sociedade. Mas muitos desses discursos soam a falso, não só porque são beatos e inoperantes, mas também porque são proferidos em tempo de governo constituído por partidos de Esquerda. 

Alguns desses discursos direccionam-se para interesses particulares do culto condenando a lei do aborto voluntário, do casamento homossexual e da prática da eutanásia por quem a deseja. Não o fazem com a mesma veemência em tempo de governos da Direita, quando estes destroem a classe média, estrangulam os trabalhadores com elevadas taxas de desemprego e vendem património público a interesses privados. 

Com tais atitudes os bispos portugueses demonstram o que sempre demonstraram: que estão com o poder da Direita como sempre estiveram na ditadura de Salazar (as excepções contam-se pelos dedos de uma mão e sobram dedos. Eu conheço duas: Manuel Martins, que foi bispo de Setúbal; e Januário Torgal, que foi bispo das Forças Armadas). 

A Igreja Espanhola assume a mesma tendência, o que motivou uma tomada de posição da “Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII” que, reunida em congresso em Madrid (há 10 anos), se insurgiu contra o silêncio da hierarquia da ICAR perante a crise, dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

Na altura a imprensa espanhola destacou o discurso de José Antonio Pagola (jornal El País, 10-9-2012), que foi vigário geral da diocese de San Sebastian durante mais de duas décadas e que viu o seu último livro “Jesus, uma aproximação histórica”, a ser investigado pela Inquisição Vaticana a pedido da Conferência Episcopal Espanhola. O livro rapidamente se transformou em clandestino, pois foi retirado do mercado por ordem da Igreja antes de ser esgotada a nona edição e já com 140.000 cópias vendidas, não só em Espanha, mas também no Brasil, Itália, EUA, Inglaterra e em toda a América Hispânica. 

“A hierarquia da Igreja não lidera os movimentos de conversão ao Evangelho” disse Pagola no seu discurso de encerramento do congresso. E continuou: “O governo está a mudar o país com medidas que atiram centenas de milhar de pessoas para a exclusão, e a Igreja não vê nenhuma revolução. Desde Jesus, não podemos ficar nem mudos nem conformados. A partir da Igreja temos que denunciar essa falta de compaixão. Os que sofrem não esperam doutrinas sociais nem justificações económicas tão mentirosas e imorais. Pedem que os defendamos. A hierarquia fala em nome dos que sofrem, mas não os leva no coração. […] O governo é despótico, anti-social e anti-cristão, e a hierarquia da Igreja está calada ou fala sem audácia evangélica. A voz dos sem voz não se ouve. Adoramos o crucificado, mas esquecemos os crucificados de hoje. Jesus atreveu-se a insultar os ricos do seu tempo”.

Este discurso aconteceu em Espanha há uma década. E por cá?… A coisa é diferente?!… A pregação da Fraternidade só faz sentido se for expurgada dos interesses de movimentos expressamente criados por organizações religiosas ou laicas que se governam com ela, transformando-a em indústria e alavanca social para os seus promotores. A fraternidade verdadeira (embora seja de prática obrigatória por cada um de nós) enquanto organização eficaz e sem duplo interesse, pertence ao Estado concretizá-la com medidas sociais e económicas eficazes, não permitindo que haja um cidadão sem rendimento que lhe permita comer e ter habitação. O Homem é um ser fraterno, mas a “caridade religiosa” é do mais falso que a sociedade promove em épocas sazonais como o Natal… e, quantas vezes, não respeita a dignidade daquele que é ajudado…  (claro que, também aqui, há sempre as excepções que afirmam a regra!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Harry Strauss por Pixabay
31 de Outubro, 2022 João Monteiro

Pela Paz

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

As convulsões sociais constituem sempre um excelente pretexto para os credos religiosos ditos defensores do bem contra o mal e da harmonia entre os povos (e nem todos eles têm estas características humanitárias), virem a terreiro deixar a sua palavra em defesa da paz e da concórdia. Assim fez o Papa Francisco há poucos dias, com a Europa mergulhada numa guerra desencadeada pelo ditador Putin que invadiu um país vizinho, matando e destruindo. 

Habitualmente as religiosas intenções moralizadoras são inoperantes, porque moral é coisa que o fazedor da guerra não tem, nem quer ter… nestas condições, não é o chefe de uma Igreja (que nem é a do ditador) que lhe vai refrear os instintos de poder e de domínio. 

O Papa Francisco consagrou, na passada Sexta-feira, a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria, numa celebração realizada em simultâneo no Vaticano e em Fátima. Acredito que para as mentes religiosas tenha sido um acto redentor e todos os que nele participaram se sintam de bem consigo na fraternidade que demonstraram sentir pelo Povo Ucraniano… mas acredito ainda muito mais que, em termos práticos, da vida real, da realidade que faz a guerra… tais actos redentores valem… zero! 

Não só neste momento de guerra na Ucrânia, mas também na nossa realidade política e económica de todos os dias, em momentos de convulsões sociais, às vezes os bispos juntam-se ao coro de protestos do povo sofredor, alertando o governo para práticas políticas ou económicas que, na óptica da Igreja, prejudicam o Povo. 

Muitos desses discursos soam a falso, porque são beatos e inoperantes (e também porque são proferidos em tempo de governo constituído por partidos de Esquerda que nem vão à missa!). Alguns dos discursos religiosos defendem interesses particulares do culto, como a condenação do aborto voluntário, do casamento homossexual e da prática da eutanásia por quem a deseja. Discursos que não são feitos com a mesma veemência em tempo de governos da Direita, quando estes destroem a classe média, estrangulam os trabalhadores com elevadas taxas de desemprego e vendem património público a interesses privados. 

Estou a lembrar-me de uma notícia divulgada pela imprensa espanhola há cerca de 20 anos, na qual se dava conta da mesma tendência de defesa dos interesses da Direita Política pela Igreja de Espanha, o que motivou uma tomada de posição da Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII que, reunida em congresso em Madrid, se insurgiu contra o silêncio da hierarquia da Igreja Católica perante a crise, dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

O porta-voz deste recado dirigido aos bispos espanhóis foi José Antonio Pagola, que exerceu o cargo de vigário geral da diocese de San Sebastian e viu o seu último livro Jesus, Uma Aproximação Histórica, a ser investigado pela Inquisição Vaticana. O livro rapidamente se transformou em clandestino porque foi retirado do mercado por ordem da Igreja antes de ser esgotada a nona edição e já com 140.000 cópias vendidas em Espanha, no Brasil, em Itália, nos EUA e em toda a América Latina. “A hierarquia da Igreja não lidera os movimentos de conversão ao Evangelho” disse Pagola no seu discurso de encerramento do congresso. 

E continuou: “O governo está a mudar o país com medidas que atiram centenas de milhar de pessoas para a exclusão, e a Igreja não vê nenhuma revolução. Desde Jesus, não podemos ficar nem mudos nem conformados. A partir da Igreja temos que denunciar essa falta de compaixão. Os que sofrem não esperam doutrinas sociais nem justificações económicas tão mentirosas e imorais. Pedem que os defendamos. A hierarquia fala em nome dos que sofrem, mas não os leva no coração. […] O governo é despótico, anti-social e anti-cristão, e a hierarquia da Igreja está calada ou fala sem audácia evangélica. A voz dos sem voz não se ouve. Adoramos o crucificado, mas esquecemos os crucificados de hoje. Jesus atreveu-se a insultar os ricos do seu tempo”. 

A actual pregação da Fraternidade faz sentido nos conceitos religiosos e nas atitudes de alguns seguidores dos cultos, mas não resolve os problemas definitivamente. A verdadeira fraternidade, quando a nível de um país, pertence ao Estado concretizá-la com medidas sociais colectivas, na defesa da Paz e do bem-estar. O Homem é um ser fraterno e dado à fé… mas as atitudes de fé são inoperantes na resolução de problemas gigantes, principalmente quando o problema se chama Guerra! 

Aí… só se ouve a voz das armas. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

 OV

18 de Fevereiro, 2022 Carlos Esperança

A Irmã Lúcia e a estátua

Passei hoje junto ao Carmelo de Santa Teresa onde a escultura de bronze da mais antiga reclusa serviu de argumento à freguesia da Sé Nova, para a campanha autárquica. Lúcia está para o PSD de Coimbra como o cónego Melo para o PS, sem honra, em Braga.

A vida desta mulher, a quem os padres educaram pelo catecismo terrorista, que havia de percorrer ainda a minha infância, é a metáfora do Portugal salazarista que fez de Fátima o instrumento contra o comunismo, depois de ter nascido para execrar a República e as suas leis, sobretudo as do divórcio, do Registo Civil obrigatório e da herética separação da Igreja/Estado.

Não sei se o terço é o demífugo mais potente mas sei que foi o instrumento de alienação do povo, durante a ditadura. Nas noites de maio presidia ao mês de Maria, à luz de uma candeia de azeite, um ancião da aldeia donde o homem que sou trouxe a criança que fui. Era ele que dirigia o terço, iniciava os mistérios, padres-nossos e ave-marias, que a Irmã Lúcia mandava rezar pela conversão da Rússia, sem esquecer os «nossos governantes» para quem suplicava iluminação e longa vida, atendendo o Céu apenas a parte final do pedido.

Hoje, a Irmã Lúcia, que, em vida, encarceraram no convento, veio em bronze ver a rua que lhe era vedada, exceto para votar em quem mandasse aquele que, segundo ela, foi o enviado da Providência, envio que muitos portugueses não perdoam.

A Ir. Lúcia foi íntima da Sr.ª de Fátima, que lhe deu a conhecer profecias e conceitos de geopolítica,  só a ela, enquanto a Jacinta só a ouvia e o Francisco não via nem ouvia, o que não os impediu de se terem adiantado no caminho da santidade com a ‘joit venture’ com que curaram Emília de Jesus, de uma paralisia intermitente, pouco antes de morrer perfeitamente curada.

A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, Irmã Lúcia para os mais íntimos, volta a sentir o vento que na Cova da Iria a fustigava, enquanto orava e guardava cabras. Não será o vento livre, que vergava as azinheiras, onde a virgem saltitava, e que varria o chão do anjódromo onde o anjo poisou, travado pelas paredes grossas do Carmelo. Mas será de novo, na sua face de bronze, enquanto goza a eterna defunção e lhe preparam os dois milagres para a santidade, um regresso ao ar livre, donde tão cedo a retiraram, para a oferecerem à clausura.

06-ESTATUA-DA-IRMA-LUCIA-CJM

18 de Novembro, 2021 João Monteiro

O abuso sexual de menores e a Igreja Católica

O abuso sexual de menores é um problema prevalente na sociedade e que merece o maior repúdio por parte dos cidadãos, porque afeta crianças (deixando sequelas físicas e psicológicas) e porque é perpetrado por pessoas próximas e da confiança daquelas (familiares, vizinhos e padres, por exemplo). Antes de avançar, clarifiquemos os termos: o abuso sexual de menores é o ato que se deve condenar e que está tipificado como crime; a pedofilia é considerada uma parafilia e não é crime (porque nem todos os pedófilos cometem abuso sexual de menores).

Abusos sexuais em vários países europeus

A Igreja, enquanto instituição, há muito que se debate com este problema, embora só recentemente, e relutantemente, tenha assumido a existência de casos de abusos no seu seio – apesar deste passo, a instituição continua a esconder, a negar e a desvalorizar as denúncias que amiúde vêm a público.

Na Irlanda, “desde 2002, vários relatórios e investigações evidenciaram mais de 15 mil casos de abuso sexual cometidos entre as décadas de 1960 e 90, (…) mas as desculpas do Papa Francisco só chegaram em 2018”, refere uma notícia da Euronews. A Igreja Católica na Alemanha solicitou um relatório independente que concluiu que “314 menores sofreram violência sexual por parte de 202 membros do clero e leigos entre 1975 e 2018 na diocese alemã de Colónia”, refere o Diário de Notícias.

Numa revisão recente ao seu Código de Direito Canónico, a Igreja Católica passou a enquadrar o crime de abuso sexual de menores no capítulo dos delitos contra a vida, a dignidade e a liberdade do homem.

O caso recente da França

Com isto, chegamos às notícias da atualidade. Na sequência do escândalo dos abusos sexuais praticados pelo Padre Bernard Preynat, em Lyon, que levou à demissão do arcebispo dessa cidade, o cardeal Philippe Barbarin, foi criada a Comissão independente sobre o Abuso Sexual na Igreja Francesa, presidida por Jean-Marc Sauvé, para analisar o que se passou nesse país. Ao longo de dois anos e meio de trabalho, a referida comissão analisou arquivos (igreja católica, polícia, justiça e imprensa) e testemunhos de pessoas, tendo finalizado o trabalho com um relatório com cerca de 2500 páginas, em que dá uma visão quantificativa do fenómeno e apresenta 45 soluções. As conclusões do relatório são demolidoras: nos últimos 70 anos, isto é, de 1950 até ao presente, terão existido 115.000 padres ou religiosos em França, dos quais cerca de 3000 terão sido abusadores de crianças – uma estimativa por baixo. No mesmo período de tempo, mais de 330 mil crianças terão sido abusadas.

E em Portugal?

Em Portugal as autoridades eclesiásticas têm fechado os olhos, afirmando não ter dados estatísticos ou dando a entender que, a haver casos em Portugal, eles seriam residuais, como noticiou o jornal Público em Maio deste ano. Em outubro, no seguimento da apresentação do relatório francês, o jornal Público voltou a contactar alguns padres e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), entidade que afiançou que se estaria a preparar a organização de uma comissão para analisar os casos em território nacional e elaborar também um mapa estatístico da distribuição de casos. Ao jornal Expresso, a CEP disse também estar a planear organizar ações de formação e a elaboração de um manual de boas práticas.

A história das denúncias de abusos sexuais por membros da Igreja nas últimas décadas mostra que os mesmos só foram levados a sério após denúncias pelos meios de comunicação social e por pressão da sociedade. Perante a passividade do clero português em dar passos resolutos, noticiou o jornal Público que católicos pedem investigação aos abusos sexuais pelo clero português nos últimos 50 anos.

Por incrível que pareça, e certamente pela primeira vez, vejo-me a concordar com o padre conservador Gonçalo Portocarrero de Almada (imagine-se!!) quando ele afirma que “é absolutamente necessário que se conheça toda a verdade e que a Igreja seja exemplar no exercício da justiça e da caridade para com as crianças, que são as principais vítimas deste terrível flagelo (…) Também sempre disse que os abusadores e encobridores, sejam clérigos ou leigos, bem como os que foram cúmplices destes crimes, por conivência ou omissão, devem sofrer todas as consequências legais e morais desses seus actos. Que a CEP siga estas palavras.

Conclusão

A Igreja pode e deve organizar as comissões que bem entender dentro do âmbito do seu funcionamento institucional. Porém, para haver uma comissão verdadeiramente independente, a mesma não deve ter membros do clero que possam condicionar ou influenciar o resultado das averiguações. Além disso, estamos a falar de uma situação grave, e até de índole criminal, que é o abuso sexual de menores, pelo que a investigação a estes potenciais crimes deve envolver as autoridades oficiais, nomeadamente a investigação por parte da polícia judiciária e do ministério público.

Fonte: Pixabay

Fontes:

Depois do silêncio”. Como a Irlanda se reergue dos casos de pedofilia – Euronews 2-12-2020

Mais de 300 crianças abusadas sexualmente por membros do clero na Alemanha. “A maior crise que a Igreja já viveu” – Diário de Notícias 18-3-2021

Abusos sexuais na Igreja portuguesa: um ano depois, 4 queixas e apenas uma investigação aberta – Público 29-5-2021

Papa determina que pedofilia é crime “contra a dignidade” – Euronews 1-6-2021

Cerca de três mil pedófilos na Igreja Católica francesa desde 1950 – Diário de Notícias 3-10-2021

330 mil crianças foram vítimas de pedofilia na Igreja Católica francesa – Euronews 5-10-2021

Plus de 300 000 victimes en 70 ans: les chiffres chocs de la pédophilie dans l’Eglise – L’Express 5-10-2021

Igreja Católica portuguesa admite investigação de casos de pedofilia desde que não seja limitada ao clero – Público 9-10-2021

Pedofilia na Igreja: bispos avançam com grupo coordenador nacional das comissões diocesanas de proteção de menores – Expresso 12-10-2021

Católicos pedem investigação aos abusos sexuais cometidos pelo clero português nos últimos 50 anos – Público 8-11-2021

Pedofilia na Igreja em Portugal: só a verdade nos faz livres – Observador 16-10-2021

4 de Novembro, 2021 João Monteiro

Lei do Divórcio

Texto de Carlos Esperança

Lei do divórcio – Viva a República (Efeméride)

Há 111 anos foi decretada a primeira lei do divórcio, logo publicada no dia seguinte, no Diário do Governo n.º 26, de 4/11/1910, pág. 282.

O decreto de 3 de novembro decidiu no seu Artigo 1.º que o casamento se dissolve:

1.º – Pela morte de um dos cônjuges;
2.º – Pelo divórcio.

O segundo ponto foi o avanço civilizacional que agitou mitras, báculos e sotainas. Sob as tonsuras ferveram raivas e rangeram dentes, enquanto a acidez gástrica aumentava e o ódio à República crescia.

«Marido e mulher terão desde então o mesmo tratamento legal, quanto aos motivos de divórcio e aos direitos sobre os filhos».

Não bastava o divórcio pôr em causa a ordem divina interpretada pelo clero, veio ainda a igualdade de género a contrariar preceitos pios que a Igreja defendia há séculos.

A paz e a ordem voltariam com Salazar, graças à Concordata, que eliminou a ofensa ao sacramento do matrimónio e satisfez os celibatários avençados do Divino.

Viva a República!

2 de Setembro, 2021 João Monteiro

Ainda os abusos sexuais exercidos por religiosos

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta Paços de Ferreira.

Já aqui divulguei que o jornal espanhol El País tem um departamento que se dedica a investigar casos de pedofilia protagonizados por sacerdotes, ou outros profissionais, em estabelecimentos de ensino administrados pela Igreja Católica. Tal departamento recebe depoimentos de ex-alunos (que dizem terem sido abusados sexualmente enquanto crianças ou jovens) e depois investiga.

(Bem sei que o abuso sexual não é exclusivo de agentes religiosos da fé católica com, ou sem, responsabilidades no ensino. Mas, dado o conceito de “amor” tão difundido pela Igreja, bastaria um único caso de crime sexual dentro da sua organização, para que o seu propalado amor fosse considerado uma farsa a merecer crítica severa).

Na sua edição de 24 de Julho último, o El País conta haver uma investigação criminal à instituição religiosa católica designada por Maristas, sediada em León. A investigação chegou a 20 colégios em todo o território espanhol e abarca casos de pedofilia cometidos entre as décadas de 1950 e 1990. Só na Galiza contam-se denúncias de 13 religiosos, e nas investigações já encetadas em 16 centros contam-se 18 vítimas. Em León há cinco acusados num só colégio.

As investigações espalham-se por instituições situadas em Madrid, Barcelona, Valência, Granada, Bilbao, Erandio (Biscaia), Artzeniega (Álava), Pamplona, Toledo, Badajoz, Málaga, Múrcia e Elche. Os abusos são relatados como sendo cometidos em salas de aula vazias e em dormitórios, por treinadores de basquetebol, pelo enfermeiro e pelo próprio tutor… todos eles professores com fama reconhecida.

A seu tempo houve várias denúncias de pais e alunos que não serviram de nada. Hoje, os queixosos são antigos alunos com idades que ultrapassam os 70 anos, contando-se entre eles profissionais como professores, médicos e empresários, que guardaram segredo por toda a vida, não revelando os abusos de que foram vítimas, nem às suas famílias nem às autoridades. A maioria dos sacerdotes acusados pelos ex-alunos mais idosos, já faleceram.

Nos últimos anos foram acusados 36 Maristas, maioritariamente em colégios catalães, onde a ordem religiosa chegou a acordo com a Justiça e as vítimas, pagando indemnizações no valor de 400.000€ a 25 famílias.

Os actuais responsáveis pela instituição Marista pedem perdão a todas as vítimas por terem falhado, reconhecendo que não foram capazes de proteger e cuidar dos seus alunos como era sua obrigação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Onofre Varela

Texto de opinião de Onofre Varela, sobre os abusos sexuais na Igreja.
Imagem de Zoltan Suga por Pixabay
25 de Agosto, 2021 João Monteiro

Abuso sexual. O caso Português

Texto de Onofre Varela

Os abusos sexuais exercidos por religiosos, aqui referidos no último artigo, são exemplos que vêm de fora das nossas fronteiras, concretamente de Espanha, onde um jornal diário (o madrileno El País) criou um gabinete específico para recolher denúncias, proceder à sua investigação e, posteriormente, divulgá-las. Esta actuação do jornal pode constituir uma barreira à continuação dos abusos, se for considerada um meio dissuasor. Se assim for, a atitude do El País tem valor acrescentado.

Por cá não conheço acção idêntica da imprensa, ou de qualquer outro organismo, que tenha a mesma função dissuasora da prática do crime de abuso sexual no seio da Igreja.

O jornal Público, na edição do dia 29 de Maio último, dá conta de que, no espaço de um ano (desde a criação das comissões diocesanas para lidar com eventuais queixas de abuso sexual de menores ou adultos vulneráveis cometidos por membros da Igreja Católica) houve quatro queixas e foi aberta uma investigação.

A Igreja Católica Portuguesa parece não querer dar atenção à directiva do Papa Francisco I no sentido de se denunciar e investigar os casos de abusos sexuais dentro da instituição religiosa. Um responsável pela Conferência Episcopal alegou não ter dados nacionais, e que não pode dar “números porque podiam estar errados, se é que os há…”, o que parece denotar pouco interesse no estudo dos casos, mas também nenhuma preocupação pelo mutismo de muitas dioceses sobre os abusos sexuais.

Em alguns casos as escusas para se proceder a tais inquéritos soam anedoticamente, como se vê pela declaração do bispo do Porto, Manuel Linda, ao jornal Público, que equiparou a pertinência de se avançar com uma comissão deste tipo, “à de se criar uma comissão para estudar o efeito da eventual queda de um meteorito na cidade do Porto” e só respondeu às perguntas dos jornalistas ao fim de duas semanas de insistentes tentativas.

Das 20 dioceses a que o jornal perguntou se foram recebidas queixas, quatro não responderam, as da Guarda, de Viana do Castelo, de Angra do Heroismo e de Viseu. E de entre as 16 que responderam “apenas Braga, Bragança-Miranda e Funchal, reportam um total de quatro denúncias” as quais teriam ocorrido antes da formação das referidas comissões, ou já estavam prescritas.

Por tudo isto se constata que, apesar do decreto papal “Vós Sois a Luz do Mundo”, que entrou em vigor no dia 1 de Junho de 2019, com a recomendação de que se considerasse urgente a criação das comissões de inquérito no prazo máximo de um ano (que expirou em 2020), muitas dioceses borrifaram-se para o papa e não consideraram a importância de que o caso do abuso sexual se reveste.

Não há casos de denúncia a partir da própria Igreja, nem da parte dos consumidores do credo, “o que não quer dizer que não existam, quer apenas dizer que não foram reportados”, salientou o bispo Américo Aguiar, coordenador da Comissão de Protecção de Menores do Patriarcado de Lisboa.

Anteriormente à formação das comissões de inquérito, na arquidiocese de Braga foram recebidas duas denúncias, sendo que numa delas, a vítima pediu sigilo absoluto, e o crime está prescrito por ter sido cometido há mais de 30 anos. E a segunda denúncia referia, como abusador, um sacerdote já falecido, pelo que o caso foi encerrado.

Em Setúbal também já havia uma queixa antiga, mas o inquérito acabou por ser arquivado por não se terem reunido “indícios suficientes da verificação do crime, nem de quem foi o seu autor”.

E tudo está bem, quando termina bem…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

30 de Abril, 2021 João Monteiro

Padre e Freiras escravizam e agridem jovens vulneráveis

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos.

OS ANTECEDENTES DESTE CASO

Em 2015, o jornal Público já noticiara que um Padre e quatro freiras da “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”, uma comunidade católica ultraconservadora que habitava num convento em Requião, Vila Nova de Famalicão, foram acusados de agressão e escravidão. Por essa altura descobre-se que, na realidade, as freiras não são bem freiras (porque nunca fizeram votos à Igreja Católica), que o convento não é um convento (porque não está sob alçada da CIRP – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal) nem uma Ordem Religiosa liderada por um padre. Quando muito, pode-se considerar um Centro Espiritual. É também dado a conhecer que a instituição acolhia jovens raparigas vulneráveis, a quem posteriormente agrediam verbal, psicológica e fisicamente e ainda as forçavam a trabalhar na instituição sem qualquer remuneração e em clima de terror e de humilhação. Para além dos castigos físicos, as vítimas eram por vezes impedidas de comer e contactar com a família. Esta situação ocorreu entre 1985 e 2015. Perante vários anos de maus-tratos, uma das vítimas desenvolveu um estado depressivo profundo e, não conseguindo fugir do local, suicidou-se atirando-se para um tanque. Pouco depois outras vítimas conseguiram apresentar queixa junto das autoridades, ficando a Polícia Judiciária a investigar o caso.

PADRE E FALSAS FREIRAS EM TRIBUNAL

O padre e as falsas freiras estão acusados de nove crimes de escravidão – crime punível entre 5 e 15 anos de prisão. Conforme noticia a edição do jornal Público de ontem, a falsa freira governanta “admite chapadas” às noviças, mas diz que “amava todas”. Convenhamos que é uma estranha forma de demonstrar amor através da violência física, verbal e psicológica.

Ainda a mesma freira chamou as noviças de “porcas e mentirosas, que não gostavam de trabalhar e não sabiam fazer nada. Chegou a referir-se a elas como “esse tipo de gente”. “Eu amava-as as todas e ainda as amo”, disse”. Ainda segundo a arguida, “admitiu que o convento tem regras e que ali havia mesmo um chicote que as noviças poderiam usar para se autoflagelarem. “Havia isso, se elas quisessem. Mas elas não o faziam porque não tinham a garra e a generosidade suficientes para isso, não eram capazes”, apontou”.

COMO TUDO ACONTECEU

Para compreender como tudo alegadamente aconteceu, nada melhor que ler a notícia do jornal Público de 2019. Toda a história é um caso claro de manipulação psicológica. De modo resumido, os arguidos procuravam jovens de origens “humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensão a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”. Após vista à instituição, convenciam-nas que tinham sido “escolhidas por Deus” e, caso recusassem seguir uma vida religiosa, seriam alvo “de castigos ‘divinos’, problemas familiares, mortes na família”.

Resignadas ao seu novo papel, receando represálias a nível espiritual para si ou para os seus, acabariam por ser alvo de punição aqui mesmo na Terra, por parte daqueles que as deviam proteger. Com restrição de liberdade, com a visita condicionada de familiares, com a correspondência lida pela governanta, com os documentos pessoais na posse da instituição, com acesso limitado a cuidados médicos e sem acesso a meios de comunicação, a dependência era total.

Algumas das agressões eram realizadas com recurso a vassouras, mangueiras, chicotes, chinelos e até com a bíblia, as jornadas de trabalho poderiam chegar às 20 horas e as bofetadas eram recorrentes. As jovens chegaram a ser privadas do seu banho semanal de água fria, a permanecerem nuas no jardim e a dormirem no chão. Estes castigos viriam a deixar marcas no corpo destas mulheres e sequelas psicológicas.

A NOSSA POSIÇÃO

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos. Esperamos que as vítimas tenham acompanhamento psicológico e apoio do Estado no que for necessário. Apelamos à Igreja Católica para que também condene publicamente este tipo de ações junto do meio religioso e que denuncie todos os casos que venha a ter conhecimento. Iremos ainda promover esta nossa opinião por todos os meios ao nosso alcance.

13 de Outubro, 2020 João Monteiro

E o sol (não) dançou

As conhecidas aparições de Fátima, segundo os crentes, tiveram lugar nessa cidade no ano de 1917, começando a 13 de Maio e culminando a 13 de Outubro, data que hoje se assinala.

Uma história longa, e que merece ser analisada em momento oportuno, só pode ser compreendida à luz do contexto da época: um período de escassez de recursos, fome, miséria, analfabetismo, guerra e de tumulto político que opunha a Igreja Católica ao Regime Republicano. Este é o cenário em que o suposto milagre alegadamente teve lugar.

Mas não é do passado que hoje quero falar, mas do presente. Num dia em que os peregrinos se encontram em Fátima (este ano de modo mais contido do que em anos anteriores devido à situação pandémica que vivemos), o que os move é o fenómeno que acreditam ter acontecido naquele local, em particular o movimento do sol, que alguns contemporâneos descreveram como uma dança ou um bailado. A crença neste fenómeno é algo que sempre me fez muita confusão. Primeiro, pelo argumento utilizado de que todas as pessoas que estiveram no local presenciaram o fenómeno, algo que é desmentido consultando a imprensa e documentos da época. Em segundo lugar porque revela ou iliteracia científica ou que nunca pensaram a sério no acontecimento. O sol não gira em torno da Terra (é apenas um movimento aparente), mas é o nosso planeta que se movimenta em torno do sol, logo este não se poderia ter movimentado, dançado ou bailado. Se isso fosse verdade, como nos recorda Richard Dawkins no seu livro “A desilusão de Deus”, então o fenómeno seria observado noutros locais do país ou mesmo noutros países. Se tal fenómeno não foi registado em mais nenhum local, o mesmo não terá acontecido, por motivos óbvios.

Normalmente atribui-se como explicação uma alucinação coletiva, eu prefiro sugerir que se trata do fenómeno que sucede quando ficamos ofuscados. Lúcia pedira às pessoas para olharem para o céu após a chuva e enquanto as nuvens se dissipavam e o sol despontava no céu. É crível que após um momento de pouca luz e ao olhar diretamente para o sol se fique encadeado e, quando se muda o olhar noutra direção, o sol parece perseguir o nosso campo de visão e daí o “bailar” do sol.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
26 de Janeiro, 2019 Carlos Esperança

Há 4 anos

A insustentável leveza do ecumenismo

Na mesquita de Lisboa – disse a comunicação social –, juntaram-se, em oração, cristãos, judeus e muçulmanos, numa comovedora e fraterna devoção ao Deus abraâmico que os empurra para intermináveis guerras numa orgia de sangue que começou com um gracejo divino a dizer a Abraão para lhe sacrificar o filho, o que o troglodita faria se não tivesse sido uma brincadeira de Deus para pôr à prova a sua fé. O Deus de Abraão não confiava nos homens mas estes teimam em confiar nele.

Não penso que as orações pela paz sejam ouvidas, onde ou por quem quer que seja, mas é comovedor saber os três monoteísmos unidos por um intenso e unânime desejo de paz.

Foi lindo ver a notícia mas gostaria que o ato litúrgico tivesse ocorrido simultaneamente numa sinagoga de Jerusalém e numa mesquita da Palestina, que na Arábia Saudita e no Iémene, uns de joelhos, outros de cócoras e todos de rastos, anunciassem não mais matar.

Assim, em Lisboa, numa cidade cosmopolita, pode encenar-se uma cerimónia pacífica, mas onde a correlação das crenças não é mediada pela laicidade do Estado e pela força da democracia, há a sharia, bem mais de difícil de satirizar do que crenças anacrónicas.

Quem detesta decapitações, lapidações, amputações, vergastadas e outros castigos que fazem babar de gozo os funcionários de Deus e as multidões intoxicadas pela fé, não se conforma com espetáculos pios encenados.