Comentário: a laicidade significa liberdade religiosa para quem tem religião, e liberdade de expressão para quem a quer criticar. Não somos livres se não podemos dizer o que pensamos.
Comentário: será que, para os cristãos, a propriedade alheia não tem que ser respeitada se lá se passar algo que as suas autoridades eclesiais não aprovem?
Comentário: não será isto patrulhamento da linguagem? Em bom espanhol diz-se «me cago en la hostia»… querem multar quem blasfema?
O Natal está para os negócios como a Primavera para as sementeiras. É o tempo de arrotear e adubar os terrenos para semear a fé, a altura propícia para atrair indiferentes à recreação litúrgica e ao rebanho dos fiéis.
Sai uma missa cantada para o cavalheiro que troca a casa de alterne pela ida ao templo, uma confissão bem feita para a jovem que se excedeu nas carícias ao namorado com quem rompeu e exibe-se o presépio a quem desistiu da ida à discoteca.
Os padres não têm mãos a medir: remexem a vida íntima dos penitentes que ousam a confissão, abençoam os fracos que se ajoelham, borrifam de água benta os clientes que aturam a homilia e impregnam de incenso os que se demoram na igreja.
Não há tempo para o breviário, é altura de despachar as hóstias que criavam mofo, de animar os incautos a cantar hossanas ao patrão e dar o óbolo aos empregados, enquanto agitam o turíbulo e incitam os fregueses a atacar o cantochão.
O Natal é uma festa para todos. Das pastelarias saem bolos recheados de creme, das lojas embrulhos para todos os gostos e das igrejas bênçãos para todas as carências.
Na febre do consumo secam pias de água benta à entrada dos templos, esgotam as velas no supermercado, fazem fila os crédulos a caminho do confessionário, viajam de joelhos os beatos, em direcção ao altar, e até os padres fingem acreditar em Deus.
Passada a euforia, voltam os penitentes aos pecados do dia-a-dia, regressam os padres à ociosidade e ao breviário, encostam-se os bispos ao báculo com as orelhas debaixo da mitra e o Papa continua a uivar contra o preservativo e as uniões de facto, a vociferar contra os casamentos dos homossexuais e o divórcio e a querer queimar mulheres que interrompem a gravidez.
Depois do Natal, arrumam-se cálices e patenas, despejam-se turíbulos, põe-se naftalina nos paramentos, desmancham-se os presépios e guardam-se os animais na sacristia com o Menino, a Virgem, o acompanhante, os reis magos e os adereços que hão-de servir para o ano que vier.
Depois de empanturrarem os crentes no divino, os padres aguardam uma nova onda de piedade para voltar ao proselitismo. Mantêm os fregueses habituais que servem de lastro para aguentar abertos os templos.
À esquerda, estátua de Averrois em Córdoba; à direita estátua de Maimonides na mesma cidade.
Como já referi diversas vezes, as bases para a revolução intelectual no Ocidente situam-se na Espanha do século XII, à época ainda um importante centro da ciência árabe, e entre os seus principais mentores encontra-se o cordobês Averrois. De facto, o califado de Córdoba estabeleceu na Andaluzia uma sociedade cosmopolita, elegante e educada – com uma comunidade judaica muito importante de que se destaca um dos seus mais prestigiados filósofos, Maimonides (1135-1204)- em que se privilegiava a ciência e a difusão de conhecimento. Nomeadamente recordo que a biblioteca de Córdoba, fundada em 965, constituiu a terceira biblioteca do mundo islâmico. E foi a semente para a recuperação da ciência proscrita e para o despertar da Europa das longas trevas intelectuais impostas pelo cristianismo.
De facto, o contacto com esta civilização cultural e cientificamente muito mais avançada imposto pela Reconquista aos incultos cristãos, não obstante os denodados esforços inquisitoriais da Igreja da Roma, propiciou o Renascimento e o despertar da Europa da longa noite de milénio e meio de obscurantismo.
Córdoba foi berço de intelectuais que marcaram a História – para além dos referidos Averrois e Maimonides, Séneca, Abraham Cohen de Herrera e Marcus Annaeus Lucanus ou Lucan, que Dante no seu Inferno coloca ao lado de Virgílio, Homero, Horácio e Ovídio – e era a maior cidade do mundo no início do segundo milénio. O seu monumento mais importante – numa cidade de que o geógrafo Ibn Hawkal em 948 gabava as suas mais de 1000 mesquitas e 600 banhos públicos – era sem dúvida a Mezquita ou a mesquita Aljama (em tempos a terceira maior mesquita do mundo) cuja construção se iniciou no século VIII e foi transformada num templo cristão, a catedral de Córdoba, quando em 1236 o rei Fernando III de Castela conquista esta cidade aos mouros.
Em 2004, durante o papado de João Paulo II, um grupo de muçulmanos espanhóis enviou uma petição ao Vaticano para que, num gesto simbólico de reconciliação entre as duas religiões, fosse possível aos muçulmanos locais rezar na actual Catedral. Apesar dos esforços muçulmanos, o Vaticano na altura rejeitou o pedido através do arcebispo Michael Fitzgerald, então presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso.
A Junta Islâmica espanhola resolveu repetir o pedido ao novo papa, solicitando a Bento XVI que os muçulmanos pudessem compartilhar com os cristãos as orações na Catedral para «despertar as consciências» de ambas as confissões religiosas e «enterrar confrontos passados».
Mais uma vez o pedido foi negado, desta vez pela voz de Juan José Asenjo, bispo de Córdoba, que afirmou que «esta partilha não contribui para a convivência pacífica dos diferentes credos».
Afinal parece que é apenas em questões mediáticas que são necessários «diálogo inter-religioso genuíno» e «gestos concretos de reconciliação». Ou apenas quando é necessário apaziguar embaixadores muçulmanos irados com Paleólogos sortidos – Paleólogo significa «da razão antiga», um excelente cognome para Ratzinger – se fala em ser «imperativo que cristãos e muçulmanos trabalhem em conjunto».
Excluindo, claro, o «monólogo inter-religioso genuíno» a que corresponde uma união em causas comuns – como sejam a condenação da laicidade, do reconhecimento dos direitos da mulher e de homossexuais!
De notar o recurso ao reductio ad Hitlerorum pelo cruzado Knight – secundando O’Reilly na falácia -, mais uma vez um tiro no pé já que se em vez de usar o filme «Música no Coração» como manual de História tivesse investigado minimamente o tema, teria verificado que o Natal era a grande celebração da Alemanha nazi, a Volksweihnachten que introduziu muitos dos rituais natalícios que ele lamenta estarem agora sob ataque dos radicais laicistas.
A Guerra ao Natal foi uma invenção velha de dois anos da Fox News, mais concretamente os seus generais contra um exército imaginário foram John Gibson, autor de «The War on Christmas: How the Liberal Plot to Ban the Sacred Christian Holiday Is Worse Than You Thought» e Bill O’Reilly, ambos figuras conhecidas da Fox News, ou, como começa a ser conhecida nos Estados Unidos, a Faux (falsa) News.
Pela invenção da Guerra ao Natal a Fox News foi agraciada pelo meu apresentador norte-americano favorito, Keith Olbermann da MSNBC, com vários prémios:
Da escalada de proselitismo contra a secularização do Natal fica o azedume de Bento 16, as diatribes das homilias, em missas com fregueses de ocasião, e a ruminação beata de alguns jornalistas avençados.
A ICAR, que confiscou a festa que precedeu o mito cristão, quer agora registar a marca e vender um cadáver coroado de espinhos como único pretexto genuíno dos desmandos gastronómicos do solstício de Inverno.
Ninguém é contra o Natal. Apenas a Igreja católica é contra as celebrações profanas do solstício e afadiga-se a confiscar o espaço público para expor a estrela da Companhia – o Cristo -, acompanhado da virgem que o pariu, do inocente pai, da vaca, do burro, dos reis magos e de outros animais que compõem o parque zoológico do presépio.
A prova de que o Natal é popular está na ostentação com que os autarcas de todo o País enchem de luzes, que apagam e acendem, os votos de «Feliz Natal», inúmeras Virgens de cores variadas e os milhares de Meninos Jesus que dormem em berços de lâmpadas com estrelas a vigiar o sono.
Vale-nos a mentira milenar e a encenação para que o Menino não corra o risco de ser electrocutado pelo desvelo beato dos vendedores de ilusões. Pior sorte têm os operários que fazem as decorações. No meu bairro, o electricista que procedia às decorações natalícias caiu da escada e foi hospitalizado. É falsa a religião. Assim o fosse a lei da gravidade.
Hell pizza, onde os mínímos detalhes são… divinais. Gosto especialmente do pequeno caixão «para os seus restos» que o picotado da caixa revela. Em relação às pizzas, acho que voto na «Underworld».
A Hell Pizza, que comercializa, entre outras receitas deliciosas, os sete pecados mortais, resolveu promover a Luxúria, uma pizza para amantes de carne, distribuindo 170 000 preservativos em caixas com o logotipo da empresa.
A campanha do Inferno não caiu bem nos meios católicos neo-zelandeses, que seguem à risca as instruções papais e consideram o preservativo uma emanação demoníaca. Assim, ainda não refeitos do episódio Bloody Mary da série South Park, que passou na Nova Zelândia não obstante as denodadas tentativas católicas para a sua proibição, não só apelaram aos católicos locais para boicotarem os produtos infernais como apresentaram 600 queixas à Autoridade que regula a publicidade.
Kirk MacGibbon da Cinderella Marketing, a empresa publicitária do Inferno, não está muito preocupado com o boicote católico:
«Não estou muito certo quantos católicos fariam compras no Inferno, de qualquer forma» e por outro lado, uma vez que o objectivo da campanha era igualmente a sensibilização do público para as elevadas taxas de gravidez adolescente e DSTs na Nova Zelândia considera que «São pessoas como a Igreja Católica que dizem que os preservativos não funcionam como protecção de doenças sexualmente transmíssiveis e que a melhor forma de as evitar é a abstinência. Isso é um monte de disparates».
É sempre interessante confirmar que os católicos, que gritam perseguição e inventam guerras ao Natal e outros disparates sem qualquer fundamento, se acham no direito de obrigar os outros a agirem de acordo com os preceitos da sua religião. E não estou a falar do boicote, aliás adoraria que a Igreja e seus representantes apenas apelassem ao boicote, seria divertido ver quantos crentes responderiam a esses (muitos) boicotes.
Estou a falar das queixas, das tentativas de proibição de «blasfémias» e «pecados», da exigência de pedidos de desculpa a professores que «atacam» a fé dos alunos por as respectivas aulas incluirem Nietzsche, etc..
Nunca conseguirei perceber os católicos que, como alguns dos nossos leitores, consideram «ataques» à religião a mera existência de pessoas que agem e pensam de forma diferente da deles…
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.