19 de Janeiro, 2007 jvasco
10 perguntas para cristãos
A primeira pergunta deveria suscitar uma reflexão profunda em muitos crentes…
A primeira pergunta deveria suscitar uma reflexão profunda em muitos crentes…
«o bom cristão deveria estar atento aos matemáticos e a todos aqueles que fazem profecias vazias. Existe o perigo de que os matemáticos tenham feito um pacto com o diabo para obscurecer o espírito e confinar o homem no inferno». Agostinho de Hipona, aka santo Agostinho
Aparentemente os devotos do NÃO seguem à risca os conselhos do teólogo de eleição do actual Papa e fogem do rigor matemático como do Demo. Esta capa do Correio da Manhã de 14 de Janeiro ilustra perfeitamente o horror aos números dos pró-penalização e anti-liberdade de consciência da mulher. O mesmo jornal que anunciou há uns tempos que 350 000 portuguesas já abortaram (número que, dada a clandestinidade do aborto, peca necessariamente por defeito) vem agora na linha de Vasco Pulido Valente tentar passar a mensagem falsa de que o aborto é uma questão residual. Que não é!
Como já abordei, a extrapolação do que se passa na Europa civilizada, em que a IVG por opção da mulher é despenalizada pelo menos até às 10 semanas, há acesso a contracepção segura e a educação sexual desde os bancos da escola, permite prever que no mínimo 1 em cada 2 portuguesas, em média, já interromperam uma gravidez.
No debate de ontem a recomendação de Agostinho de Hipona àcerca de previsões estatísticas foi seguida «escrupulosamente» pelos devotos do NÃO presentes, que afirmaram ir a despenalização a IVG conduzir a um aumento exponencial do número de abortos. Na realidade, criminalizada ou não, quando uma mulher considera não ter condições para levar a termo uma gravidez indesejada interrompe-a mesmo. Sujeita a riscos consideráveis para a sua saúde, às mais diversas humilhações na praça pública e a uma pena de prisão até 3 anos se o fizer em Portugal, ou em segurança e condições dignas se se deslocar a Espanha.
Por esta última razão, é falacioso tentar usar informação da vizinha Espanha não só comparando directamente dados de 1985, ano em que foi aprovada a lei da despenalização em Julho, com os últimos valores disponíveis. Como deveria ser óbvio para todos, os primeiros anos em que a IVG é despenalizada num país não devem ser incluidos numa análise de tendências.
Mas principalmente esquecendo que cada vez mais portuguesas se deslocam a Espanha para cumprir a sua opção de consciência no país vizinho. Relembro que apenas na Clínica dos Arcos em Badajoz, uma entre 120 análogas em Espanha, 4000 portuguesas interromperam a gravidez no ano passado. Os dados de Espanha não discriminados por nacionalidades, que indicam ter existido em 2006 um aumento de 6.5% em relação ao ano anterior, não podem ser analisados sem ter em conta este factor.
Por outro lado deve ser analisada a evolução global das estatisticas, não podemos apenas olhar pontualmente para os dados. Isto é, uma vez que factores económicos e de segurança de emprego pesam substancialmente na decisão por uma IVG, em tempos de crise – como os que actualmente vivemos, em Portugal especialmente – podem existir flutuações pontuais numa tendência de diminuição.
tag Aborto

Quanto à percentagem de nascimentos fora do casamento, o cenário é o mesmo. Portugal tem maior proporção de nados-vivos de mãe não casada do que a Espanha, pelo menos desde 1999. Em 2005, Portugal já chegou aos 31%.

Conclui-se que, em Portugal, o afastamento em relação ao modelo de família católico é maior do que em Espanha. Os políticos deveriam meditar no significado político destes factos sociais.
Marcadores: Secularização, ICAR.
As manobras intimidatórias e a chantagem emocional sucedem-se a uma velocidade alucinante. Para além dos folhetos mais indescrítiveis de puro terrorismo psicológico, descubro via Renas e Veados que o cónego de Castelo de Vide e Portalegre, Tarcísio Fernandes Alves, no seu quarto boletim semanal sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, distribuído aos fiéis na missa do passado domingo, avisa que serão excomungados os que votarem SIM e os «que se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo que os irá impedir de participar na missa».
Acho que, tal como o João Oliveira, vou aproveitar o ensejo para ser retirada dos registos que me consideram católica pelo facto de a minha mãe me ter baptizado com alguns dias de vida. Face ao que explicou o empenhado pároco, espero que a minha desbaptização seja automática mal o pároco de Santos-o-Velho receba a minha carta registada confirmando a minha excomunhão e concomitante pedido para ser retirada da contabilidade que a ICAR esgrime para contar espingardas e exigir benesses. E espero que, a exemplo do que acontece em Espanha, o meu pedido não seja recusado. Suponho ser pouco católico fazer ameaças vãs…
Mas a próxima ameaça anunciada pelo cruzado contra a liberdade de consciência da mulher induz-me um frémito expectante pelas suas consequências. De facto, o pároco afirma que o próximo boletim avisará as católicas que «quem fizer aborto não poderá ter um enterro religioso».
Olhando para as estatísticas internacionais disponíveis sobre a taxa de aborto, considerando que Portugal tem uma taxa de natalidade das mais baixas da Europa e que não há qualquer razão para considerar que cá no burgo a eficácia dos contraceptivos sobe vertiginosamente em relação à que apresenta no resto da Europa, diria que, com base no indicador médio europeu sobre o número de abortos por mulher, no mínimo metade das mulheres portuguesas não terão direito a um funeral religiososo. Por exemplo nos Estados Unidos, com uma taxa de natalidade em 2004 de 2,05, muito superior à nacional de 1,42, em média 7 em cada 10 mulheres faz um aborto.
Na realidade, embora a clandestinidade a que o condicionalismo católico remeteu o aborto não permita qualquer tipo de estatísticas, uma vez que o mesmo condicionalismo e falsa moralidade inibem a educação sexual e o planeamento familiar encontrados nos países livres das teias de aranha religiosas, – que curiosamente são os que apresentam maiores taxas de natalidade na Europa – diria não ser arriscado extrapolar que a taxa de aborto em Portugal deve ser substancialmente superior à verificada nos restantes países europeus – com excepção das ex-Repúblicas soviéticas – e estar mais próxima das estimadas para a América Latina. Países em que todas as mulheres realizarão em média entre 1 a 1,5 abortos ao longo da vida!
Assim sendo, e acreditando mais uma vez que estas não são ameaças em vão, seria útil que os nossos governantes começassem a pensar seriamente na construção de tanatórios em todo o país já que espero que os portugueses não se deixem coagir pelas manobras da Igreja de Roma e o resultado do referendo de 11 de Fevereiro mostre claramente a maturidade cívica e de cidadania nacional!

Que a questão do referendo à despenalização da IVG é encarada pela ICAR como uma guerra sem tréguas, uma forma de pressão política para mostrar aos partidos quem manda em Portugal, é óbvio para todos sem precisarem de ler esta amostra de péssimo jornalismo, que mistura oráculos à la Pat Robertson com a contumaz vitimização católica.
Se alguém acreditasse no monte de disparates que passa por jornalismo no Semanário, só podia esperar de um José Sócrates, que a imaginação delirante do jornalista apresenta como profundamente arrependido, um mea culpa na Conferência o SIM RESPONSÁVEL – a realizar já no próximo sábado, dia 20, no Teatro Camões, Parque das Nações -, pela suposta perseguição à ICAR do seu governo manifesta no referendo que se avizinha! E será desenganado dessa ilusão quando as televisões transmitirem excertos da dita já daqui a uns dias!
Na realidade, a perseguição «implacável» carpida pelo jornalista ao serviço da ICAR e cruzado contra Vital Moreira reduz-se ao cumprimento (parcial) da Constituição. Nomeadamente traduziu-se na recente alteração do protocolo de Estado – episódio que o devoto jornalista descreve como lamentável e uma «humilhação da posição da Igreja Católica»- e na remoção de (alguns) crucifixos nas escolas públicas onde se registaram queixas pela sua presença. Mero cumprimento da lei máxima nacional que a Igreja Católica e seus cruzados, que se acham acima da lei dos homens, transformou numa guerra das cruzetas.
Mas especialmente, de acordo com o devoto jornalista do Semanário, a «perseguição» à Igreja Católica aduz-se da convocação do referendo de 11 de Fevereiro! Isto é, deixar os portugueses decidir sobre um problema de saúde pública e sobre o cumprimento da Declaração dos Direitos do Homem, nomeadamente sobre a liberdade de consciência da mulher, só pode ser uma «perseguição» à Igreja!!
Perseguição a que o Vaticano não podia deixar de responder e traduziu-se na recusa de Ratzinger em visitar o país, mais concretamente Fátima, em retaliação! Concordo plenamente que todos os episódios descritos sejam encarados como «perseguição» pela Igreja de Roma, que se acha no direito de impor a todos os seus dislates e se ulula perseguida quando coarctada nas suas ambições totalitárias e integristas. Mas parece-me um pouco bizarro que o mesmo Ratzinger que se deslocou com pompa e fanfarras à Espanha de Zapatero se recuse por estes motivos visitar o Portugal de Sócrates!
Mas suponho não necessitar a sucursal nacional da Igreja de Roma, que nunca se engana e sequer alguma vez tem dúvidas, da ajuda de Ratzinger para delinear a cruzada pelo NÃO ao referendo.
O Conselho Pontifício para a Pastoral dos Emigrantes tem em vista a criação de espaços de oração e encontros pios nas áreas de serviço e lugares de descanso das auto-estradas.
É a nova pastoral do camionista, uma forma de proselitismo rodoviário.
Chega um condutor com a bexiga cheia e sai-lhe uma freira com uma pagela do Sagrado Coração de Jesus. Vem aflito, após quatrocentos quilómetros de estrada, a arrotar a uma sanduíche retardada, ansioso por uma sanita, e eis que um padre o pára para rezar uma ave-maria e, quando espera aliviar a tripa, pergunta-lhe se quer a confissão.
Vem esfomeado outro, a pensar em presunto e queijo, e aguarda-o uma missa no interior de um camião e, à saída, um versículo da Bíblia debitado por um diácono.
Antes do restaurante passa pela sacristia. Antes de alcançar a latrina leva com conselhos pios e, quando um camionista se prepara para comprar uma revista com fotos de corpos apelativos, dá com uma pagela de Santo Escrivá numa das mãos e a da Virgem Maria na outra, sem mão disponível para urinar.
O garoto que obriga o pai a parar, para comprar o gelado que há duzentos quilómetros reclamava, leva primeiro com um pai-nosso que a catequista de serviço reza com ele.
Em vez de prostitutas que aguardam camionistas, há semanas fora de casa, as estações de serviço vão parecer conventos de portas abertas e freiras à solta para reconduzirem ao redil da Igreja jovens com cio.
Quando, finalmente, permitem o alívio de uma sanita ao fatigado camionista, este já não precisa de se preocupar com o papel higiénico, leva consigo vários santinhos e, a cores, um desdobrável com imagens do Papa.
Benditos padres que recorrem aos «camiões para rezar» em vez de deixarem descansar os condutores. Certamente, conseguem substituir o habitual desabafo de um camionista, perante a manobra desastrada de outro condutor, por um piedoso e contido alívio:
«Vai para o padre Escrivá, filho de Deus».
Depois do Bispo de Roma, o Papa Rotweiller XVI, ter comparado a prática do aborto ao terrorismo, chegou a vez de um colega seu português, de nome António Montes Moreira, ter comparado o aborto à pena de morte, invocando galhardamente os valores da doutrina cristã e da civilização humana.
(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)
Amanhã, dia 18 de Janeiro, pelas 18:30, no Grande Auditório da Escola Superior de Saúde Egas Moniz.
Pelo sim irão estar presentes:
Miguel Duarte – Plataforma euvotosim.org
Palmira Silva – Plataforma euvotosim.org
Pelo não irão estar presentes:
Nelson Brito – Plataforma «Não Obrigada»
Catarina Almeida – Plataforma «Não Obrigada»
tag Aborto
Os principais opositores à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, proeminente entre eles a Igreja Católica, concordam todos que o aborto é uma questão de consciência.
Porque razão, a um ano do sexagésimo aniversário da proclamação pela Assembleia Geral da ONU da sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz claramente no seu artigo 18º «Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião», a Igreja de Roma não reconhece esse direito à mulher?
Porque razão a Igreja, supostamente do concílio Vaticano II, permanece com o espírito de 1864 expresso na encíclica Quanta cura e no seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros, que condena como «loucura e erro» as liberdades de pensamento, de consciência e de religião?
Porque razão aqueles que comparam uma decisão de consciência à pena de morte, usando a recente execução de Saddam para a sua campanha terrorista, se arrogam donos e senhores das consciências femininas?
Porque razão aqueles que ululam ser uma pessoa um embrião ou feto, sem consciência de si nem do meio ambiente, abortado por opção da mulher – e apenas esse – não consideram serem pessoas as mulheres?
Ao que escreve Madalena Barbosa num artigo imperdível no Público de 4 de Janeiro acrescento que é tempo de Portugal entrar no século XXI quebrando as «condicionantes históricas» que formam «uma representação do feminino que lhe tira dignidade e o respeito do outro alimentando a «crença na irresponsabilidade das mulheres».
Se todos aceitam a IVG por decisão de uma comissão ética ou médica porque razão rejeitam tão veementemente a mesmissima decisão se tomada exclusivamente no feminino?
Como lembra Madalena Barbosa, Adão e Silva disse que, quando o Homem não decide, deixa de ser um cidadão e passa a ser um servo. No referendo de 11 de Fevereiro vamos todos e todas decidir, como cidadãos e não servos de qualquer religião, que sociedade queremos para Portugal: uma em que as mulheres são cidadãos plenos ou uma de servidão humana para a mulher!
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O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.