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Categoria: Não categorizado

9 de Março, 2007 jvasco

Ao Acaso (parte 1 de 3).

Muitos criticam a teoria da evolução dizendo que o acaso não pode explicar a formação das espécies. Isto revela o maior problema para a teoria da evolução: a ideia que não é preciso perceber nada do assunto para poder criticar.

Nesta mini-série vou falar do acaso em processos físicos, químicos, e biológicos. No último episódio pretendo mostrar que a evolução é muito mais que o acaso, mas nos primeiros dois veremos que mesmo o acaso é capaz de muita coisa quando lidamos com o número de moléculas e átomos que há em sistemas macroscópicos.

Um pneu, por exemplo. Lá dentro há moléculas a deslocar-se aleatoriamente e a bater contra as paredes da câmara de ar. Mas com 10,000,000,000,000,000,000,000 moléculas, o acaso do movimento de cada uma torna-se numa pressão constante, regulável, e extremamente previsível.

Um fenómeno mais interessante é a gota de sumo ou de óleo a cair num copo de água. A gota de sumo é quase só água, e as moléculas da gota rapidamente se espalham pelo copo. Por acaso. Há muito mais configurações possíveis para as moléculas quando estão espalhadas do que há quando estão juntinhas numa gota. Se uma configuração é seleccionada ao acaso, o mais certo é cair no grupo das «espalhadas» que no grupo das «juntinhas em gota».

Curiosamente, passa-se o mesmo com a gota de óleo. Mais ou menos. As moléculas de água são como a cabeça do Rato Mickey, com um oxigénio na cara e átomos de hidrogénio nas orelhas. Como o oxigénio atrai mais os electrões, essa parte da molécula é negativa, cada hidrogénio tem uma carga positiva, e os átomos de hidrogénio estão mal presos. Podemos ver um copo de água como um grande número de átomos de oxigénio a roubar átomos de hidrogénio uns aos outros, como miúdos a lutar pelos brinquedos.

Uma molécula de água rodeada por outras moléculas de água pode-se orientar de muitas maneiras diferentes para interagir desta forma com as suas congéneres. Mas se está encostada a uma molécula do óleo, para esse lado já não se pode virar. Uma molécula de óleo restringe as possibilidades às moléculas de água que a rodeiam.

Se por um lado há mais configurações possíveis com as moléculas de óleo espalhadas pelo copo do que com as moléculas de óleo juntas numa gota, por outro lado as moléculas de óleo espalhadas reduzem as configurações possíveis das moléculas de água. O resultado é que há mais configurações acessíveis às moléculas todas com o óleo todo junto numa gota do que com o óleo espalhado pelo copo. Seleccionando aleatoriamente uma configuração o mais certo é calhar numa das «juntinhas em gota».

É o acaso com um cheirinho de interacções que regula todo o metabolismo, a formação de membranas celulares, a regulação dos genes, e tudo isso. Até a cozedura do ovo é principalmente por acaso. Quando aquecemos o ovo damos às moléculas a energia que precisam para aceder outras configurações. Como há muito mais configurações na categoria «ovo cozido» que na categoria «ovo cru», quando arrefece, e por acaso, vai acabar cozido. Tal como o acaso do pneu, são acasos extremamente previsíveis.

——————————–[Ludwig Krippahl]

9 de Março, 2007 Carlos Esperança

Juízo Final

Os supersticiosos do Juízo Final crêem que Deus, no fim dos tempos, viajará até ao Vale de Josafá, para dirigir a batalha do Armagedão contra os homens e dedicar-se, depois, a julgar os vivos e os mortos.

Pensam os prudentes que será impossível ressuscitar Deus da morte lenta que o vai erradicando, de tal modo que será incapaz de ressuscitar outros mortos. Mas os beatos acreditam nas patranhas que alimentam o imaginário dos simples e o estômago do clero.

Não imaginam os devotos os problemas logísticos de uma ressurreição universal, a escassez do espaço para tantos, o caos à hora das refeições, a cólera quando faltasse o vinho e os impropérios quando Deus proferisse as primeiras sentenças.

Começa por não se saber com que idade o Deus abraâmico, de parco juízo e sem hábitos de trabalho, iria ressuscitar os mortos. Por questões de espaço era apropriado convocar os embriões mas era uma idiotice julgar inimputáveis apesar de a jurisprudência divina ser um catálogo de horrores.

Se acontecesse reunir todos os vivos e mortos na idade adulta não conviria a juventude propensa ao exacerbamento dos sentidos e a obrigar à separação dos sexos para bem da castidade e dos bons costumes.

A tolice com que sonham os créus e assustam as crianças desde pequenas, daria origem a cenas caricatas quando um ressuscitado pedisse a outro o coração que lhe sacaram no desastre de moto, para o transplantar num professor de latim, ou o engenheiro mecânico que tinha um rim alheio visse um torneiro mecânico com uma chave de fendas na mão a exigir-lhe a devolução.

Felizmente que Deus não pode ser juiz por falta de habilitações e de experiência. Como é que um aldrabão que, desde o princípio do Mundo, não concluiu um único processo teria condições para, de uma assentada, julgar os vivos e os mortos reunidos no Vale de Josafá?

E quem é que iria obedecer-lhe? Os mortos que teriam de abandonar as «delícias do nada» ou os vivos, deslocados de suas casas, com o reumático e o catarro a apoquentá-los? Deus morreu e essa é a boa notícia. A má é o clero recusar a certidão de óbito.

8 de Março, 2007 Carlos Esperança

Dia Internacional da Mulher

Não, não preciso de expiar ou envergonhar-me dos séculos de exploração feminina, das humilhações a que os homens sujeitaram a mulher, do sofrimento que lhe impuseram. Não sou culpado do anacronismo das leis, do carácter misógino da tradição judaico-cristã, dos preconceitos do clero e da violência das leis que a discriminam.

Não defendo os conteúdos misóginos da Tora, da Bíblia ou do Corão que legitimam a violência de que são vítimas e as penas a que são sujeitas, sem esquecer a lapidação e as vergastadas públicas a que o fascismo islâmico ainda submete as mulheres.

Nos primórdios da humanidade a força física foi determinante, a divisão do trabalho e a apropriação dos incipientes meios de produção conferiram ao homem a supremacia que o tempo se encarregaria de perpetuar e os homens de defender.

Impensável é que a modernidade tenha sido tão lenta no reconhecimento da igualdade, que os preconceitos permaneçam em homens ditos civilizados e a resignação seja aceite por mulheres que sempre foram vítimas da exploração e da violência.

Não aprecio dias internacionais, celebrações impostas pelo calendário, para condenar atitudes que envergonham e permanecer o resto do ano conivente com a tradição.

Abro hoje uma excepção para recordar, não a Idade Média, mas a ditadura salazarista, os valores e princípios que envergonham o passado recente resgatado pelo Portugal de Abril.

Cito de memória algumas ignomínias de que a mulher foi vítima. Aqui ficam algumas proibições:

– Casamento para as professoras do ensino primário, sem autorização superior e com a exigência de o futuro marido auferir maiores rendimentos;
– Administração de bens próprios dentro do casamento;
– Divórcio, para o casamento canónico;
– Magistratura;
– Carreira diplomática;
– Saída para o estrangeiro, sem autorização do marido;
– Justificação de faltas a mães solteira, por motivo de parto (função pública);
– Casamento para as enfermeiras, cuja proibição terminou ainda no salazarismo.

Doutros horrores, dos crimes de honra, das sevícias toleradas dentro do matrimónio, das violações, agressões físicas e reiteradas humilhações que, sobretudo, nos meios rurais e analfabetos eram constantes e impunes, permanece um rasto silencioso não erradicado. E já poucos se lembram do direito do marido a violar a correspondência da mulher.

Hoje, da opacidade das burkas salta a inteligência, o afecto e a criatividade, saem para o sortilégio do amor, soltam-se para a aventura da ciência e a criatividade das artes. Só as mulheres conseguem ser mães sem deixarem de ser tudo o que os homens podem.

Origem do Dia Internacional da Mulher DA/Ponte Europa

8 de Março, 2007 Carlos Esperança

O Diário Ateísta e os crentes

Alguns crentes saem da missa e da hóstia, a trote, e, em vez do Paraíso, onde antevêem a divina fauna e santos patifes que o Vaticano canonizou, como Santo Escrivá, acham o Diário Ateísta onde proliferam ímpios. Vêm grávidos do divino à espera de literatura pia e indulgências plenas e sai-lhes uma prosa blasfema e o desprezo da religião.

Rangem os dentes e espumam de raiva porque, em vez do Cristo a fazer ginástica na cruz e da mãezinha que o teve pelo sovaco para manter a virgindade, tropeçam em ateus indiferentes ao martírio do Gólgota e ao truque de passear sobre as águas do Mar Morto, antes de lhe furarem os pés.

Encontram hereges que delatam a indústria dos milagres e o comércio das indulgências, indiferentes às maratonas dos simples aos santuários marianos e aos passeios religiosos atrás do andor da Senhora de Fátima.

Ficam desolados porque esperam Deus a relinchar de alegria, pelo seu proselitismo, e só encontram heresias que lhes aumentam a raiva e a azia.

Quem os manda andar por trilhos blasfemos se podiam cirandar de joelhos à volta de um oratório, oscular santinhos com as fuças de JP2, passar os dias a rezar orações e as noites a castigar o corpo com um cilício para gozo do Deus que lhes venderam?

O Diário Ateísta não é um órgão paroquial que se distribua à saída da missa ou durante a homilia nem um blog ao serviço das santas aldrabices ou instrumento de propaganda do ditador vitalício do Vaticano.

Escusam os devotos de procurar aqui a salvação da alma, o bilhete de ida para o Paraíso ou a clientela que alimenta os parasitas da fé. Vêm ao sítio errado. O Diário Ateísta é um local asseado onde Deus não entra.

8 de Março, 2007 jvasco

Calculem…

Pelos comentários que recebi (aqui e em privado) parece que não ficou claro porque é que a dificuldade de calcular a estrutura de uma proteína é irrelevante para o argumento criacionista. A proposta criacionista é que se uma célula produz proteínas com formas que nem um supercomputador consegue calcular, então os seres vivos só podem ter sido criados por um ser inteligente e omnipotente.

Este tema interessa-me porque trabalho em modelação, e sei bem o que custa calcular estas coisas. Sei também que a dificuldade de cálculo não tem nada a ver com ser vivo ou não, e que a proposta criacionista é treta.

Imaginem que estão na Lua e atiram uma pedra. A trajectória da pedra é fácil de calcular porque o sistema é simples: uma pedra, aceleração constante (a gravidade da lua), e uma velocidade e posição inicial. É uma parábola, e pronto. Mas se fazem o mesmo na Terra num dia de vendaval estão tramados. A resistência do ar, o vento variável, a pedra com forma irregular a rodar em relação ao vento, e lá se foi a parábola ou qualquer hipótese de resolver o sistema de forma simples.

A alternativa chama-se integração numérica, mas é mais simples de compreender que de pronunciar. Se conseguirmos parar o tempo e medir naquele instante a velocidade e posição da pedra e a velocidade do vento, conseguimos calcular a força que o vento exerce sobre a pedra, e quanto é que essa força vai alterar a velocidade (e direcção) da pedra. Se andarmos um instante de cada vez podemos fazer isto a cada passo e calcular a trajectória da pedra até cair no chão.

A vantagem é que quanto mais pequeno for o passo maior é a precisão. A desvantagem é que quanto mais pequeno for o passo mais passos temos que calcular. Mas com uma pedra e um computador bom se calhar o cálculo acaba antes da pedra cair.

Se em vez da pedra atirarem um balde de areia, o caso muda de figura. O cálculo é o mesmo, mas enquanto que a areia do balde vai toda ao mesmo tempo, o desgraçado do computador tem que calcular um grãozinho de cada vez, passo a passo, e já vocês acabaram de varrer a areia verdadeira ainda a virtual não saiu do balde.

A estrutura das proteínas é difícil de calcular porque são milhares de átomos a interagir de formas complexas. Mas isto não é uma característica única dos seres vivos, nem indicativo de origem milagrosa. Também é preciso muito poder de computação para cálculos de aerodinâmica, para simular reacções nucleares, para prever o estado do tempo e alterações climáticas, e muitas outras coisas.

E se é preciso um deus para explicar uma proteína, o que será preciso para explicar um deus?

——————————–[Ludwig Krippahl]

7 de Março, 2007 jvasco

Se não pode ser julgado, não lhe chames bom

Já apresentei neste blogue alguns artigos sobre o paradoxo do mal (I, II, III, IV e V), e obtive várias respostas curiosas a respeito deste assunto.

Uma das respostas defende que «Deus não pode ser julgado pelos nossos padrões de moralidade». É uma afirmação que oiço ser repetida, com a qual muitos crentes concordam.

Mas se os crentes acreditassem num Deus que não pudesse ser julgado pelos nossos padrões de moralidade, então não faria sentido dizer que ele é bom. É que dizer que Deus é bom é precisamente julgar Deus pelos nossos padrões de moralidade.

Um Deus que não pode ser julgado por tais padrões não pode ser considerado bom nem mau.

7 de Março, 2007 jvasco

O que as proteínas nos dizem.

Agradeço mais uma vez ao Jónatas Machado, desta feita pela referência ao artigo criacionista «Did God create life? Ask a protein». Interessa-me porque trabalho em modelação de interacção e estrutura de proteínas, e não pelo artigo em si, que sofre de defeitos comuns da literatura “cientifica” criacionista. Rebate hipóteses há muito descartadas pela comunidade científica e usa uma analogia enganosa: a IBM montou um supercomputador para prever como uma proteína se forma, e o cálculo pode demorar um ano, mas a célula faz uma proteína em menos de um segundo.

E daí? Eu dou um salto no ar em menos de um segundo, mas se me pedirem para calcular os parâmetros de um modelo matemático que descreve a trajectória de todos os meus ossos, a força em todos os músculos, a aceleração, a pressão nas articulações e assim, nem um ano me chega. E eu sou mais esperto que uma célula – essa nem se safa com o 2+2. Mas em vez de dissecar o artigo vou vos contar o que as proteínas respondem à pergunta dos criacionistas. Vou começar do início.

Uma proteína é uma molécula com milhares de átomos, produzida ligando moléculas mais pequenas (aminoácidos) numa sequência determinada pelo gene. Conforme a «lombriga» vai crescendo, vai se enrolando numa forma complexa que depende da interacção dos diferentes aminoácidos na sequência. Vou ilustrar com a mioglobina, uma proteína com 153 aminoácidos que armazena Oxigénio nos músculos dos animais. A figura 1 mostra a estrutura da mioglobina de humano, foca, e tartaruga.


Figura 1 (clique para ver maior)

A laranja marquei os aminoácidos que são diferentes da mioglobina humana. A foca tem 25 e a tartaruga tem 48 aminoácidos diferentes da nossa mioglobina. No entanto têm todas a mesma estrutura. Isto é surpreendente porque sabemos, por experiência, que a estrutura é muito sensível aos aminoácidos na sequência. Se mudamos um aminoácido muitas vezes a estrutura é preservada. Mas se mudarmos mesmo que uma meia dúzia o mais certo é estragar tudo. 48 aminoácidos é um terço da mioglobina – é surpreendente que um designer inteligente mude um aminoácido em cada três quando quer que a proteína fique exactamente na mesma.

Do design inteligente de sistemas complexos, como máquinas ou seres vivos, esperamos uniformização de partes. Se comprarem móveis no IKEA vêem que há alguns tipos de ferragens e cavilhas que servem para todo o mobiliário. A primeira coisa que as proteínas nos dizem é que, se a vida foi criada com alguma inteligência, foi por vários criadores, provavelmente em comité.

Mas nem isso. Mesmo num design por comité, o criacionismo prevê que a foca fique algures entre nós e a tartaruga. Pelas diferenças, 25 para a foca e 48 para a tartaruga, a foca devia ficar sensivelmente a meio. Mas a figura 2 mostra que não conseguimos encaixar a foca assim. É que entre a mioglobina da foca e da tartaruga há também 48 diferenças.


Figura 2

Para um criador omnipotente tudo é possível. Podia ter feito as coisas exactamente assim. Mas podia ter feito de outra maneira, e por isso como explicação não serve. Não há nada no design inteligente que nos leve a concluir que é assim que as proteínas deviam ser. Antes pelo contrário; esperávamos que fosse de outra maneira.

Felizmente, temos uma teoria muito melhor. Há muitas gerações havia uma população de organismos com uma mioglobina. Quase todos nasciam com a mioglobina igual à dos pais, mas de vez em quando, por um erro acidental, um nascia com um aminoácido diferente. Se essa mutação afectava a estrutura da mioglobina provavelmente o desgraçado morria logo, porque a mioglobina já funcionava bem e não havia muito que se pudesse mudar. Mas se a mutação não afectasse nada o organismo vivia, reproduzia-se, e passava a sequência diferente aos seus descendentes.

Partes desta população foram se isolando, mudando independentemente, e dando origem a novas espécies. Ao longo do tempo foram-se acumulando as tais mutações neutras, que não mudavam a estrutura da mioglobina. E como eram aleatórias eram diferentes em linhagens diferentes. Hoje em dia temos uma árvore de família como a da figura 3.


Figura 3

Nós e a foca partilhamos um antepassado mais recente, por isso somos mais parecidos, mas a tartaruga está equidistante de ambos, partilhando connosco e com a foca um antepassado mais antigo. Os humanos e as focas são primos mais próximos, e a tartaruga um primo afastado dos dois.

Isto é válido para a milhares de proteínas e milhares de espécies. Estas árvores de família aparecem todas as vezes que olhamos para as proteínas de espécies diferentes, e são coerentes entre si. Quando perguntamos às proteínas se foi um deus que criou a vida, a resposta é clara: «Não, que disparate.»

Detalhes técnicos:
As estruturas estão disponíveis no Protein Data Bank. Usei a 2MM1 para a mioglobina humana, 1MBS para a de foca, e 1LHS para a de tartaruga. A estrutura da mioglobina humana é um mutante, com a Cisteína 110 substituida por Alanina, mas contei com isso para as diferenças (se não dava 24 em vez de 25 comparando com a foca, o que também não era muito importante). Para os bonecos e as contagens usei o meu software favorito de modelação molecular: Chemera, acrescentando umas linhas de código para facilitar mudar as cores dos aminoácidos diferentes sem ter que os seleccionar um a um. As fotos foram tiradas da net, e não encontrei uma decente de tartaruga marinha, por isso foi mesmo esta da sua prima direita.

——————————–[Ludwig Krippahl]

7 de Março, 2007 Carlos Esperança

Bento 16 defende regresso do Latim às missas

O último ditador europeu, regedor vitalício de um bairro mal frequentado – o Vaticano -, defende o regresso do latim às missas para tentar que Deus perceba os padres.

Segundo as últimas informações, transmitidas por aquela pomba estúpida a que chamam Espírito Santo, Deus entrou de baixa na psiquiatria quando as missas começaram a ser celebradas nas línguas autóctones e ainda não teve alta.

Senil e rabugento, já percebia mal o latim e não estava em condições de aprender novos idiomas quando o Vaticano II, na melhor das intenções, se convenceu de que o seu Deus era poliglota. Não era. Por isso, se lhe pedem a paz, vem a guerra; se rezam uma novena para que chova, calha um ano de seca; se pedem as melhoras de um doente, este estica o pernil; imploram-lhe que salve a vinha, vem o míldio; fazem uma procissão para salvar a seara, arma-se uma trovoada e lá se vai o grão. Enfim, as ligações com o Céu caíram.

Deus, além de surdo aos que passam o tempo de joelhos e a debitar orações, deixou de ser a cura e tornou-se a doença que aflige os crentes e desacredita o clero. Assim, não há milagres que restaurem a confiança em Deus. Este é a nódoa que cai na superstição dos devotos e não há orações que o reabilitem.

O regresso ao latim sempre tem uma vantagem, os crentes não sabem se é o padre que se engana no pedido ou Deus que não acerta com o desejo.

Além disso voltam ao redil os excomungados da Sociedade São Pio X, devotos de forte pendor fascista e seguidores do Concílio de Trento. A ICAR pode sonhar com cruzadas e, se as circunstâncias o permitirem, com novas fogueiras. Em latim, Deus vai ouvir o Sapatinhos Vermelhos e sair do manicómio.

É o mimetismo com o Islão, onde o Deus de lá só percebe árabe e faz dos crentes loucos e facínoras com uma legião de clérigos a servirem de tradutores da vontade divina.

6 de Março, 2007 Carlos Esperança

A oração é a A-1 para o Céu

«A oração não é um acessório ou algo de optativo, mas uma questão de vida ou de morte. Só quem reza, quem se confia a Deus com amor filial, pode entrar na vida eterna, que é o próprio Deus», referiu Bento XVI na oração dominical do Angelus.

O Sapatinhos Vermelhos bale metáforas, como a pitonisa de Delfos. Veio da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício) para a direcção da ICAR, montado no Opus Dei e com o boato posto a correr de que tinha sido por inspiração do Espírito Santo, a pomba estúpida homónima de banqueiros portugueses.

Dizer que a oração é uma questão de vida ou de morte é equipará-la a um medicamento, quando é placebo, e pensar que em doses terapêuticas pode curar e, em excesso, matar.

«A oração não é um acessório». Claro que não. Doutro modo seria usada nos bordéis sadomasoquistas e como cilício nas casas pouco recomendáveis do Opus Dei onde se usam pios acessórios.

Mas a mais idiota das afirmações é dizer que a «oração é o caminho» para a vida eterna. Imaginemos que uma beata adormece no pai-nosso e vai ter ao Purgatório, que um devoto tartamudeia a salve-rainha e se perde do Paraíso, que um bem-aventurado rumina o credo e se mete por um beco em vez da auto-estrada que, segundo B16, entra no próprio Deus, sem portagem. É o caos nos transportes celestes, uma viagem no deserto sem bússola nem GPS.

Se, quem reza, pode entrar no próprio Deus – como diz o Papa -, Deus não é o criador com que engana a clientela, é uma estação de serviço onde se chega pelos caminhos da oração, um nó rodoviário onde vão ter os ociosos que passam a vida a rezar, o centro viário dos pobres de espírito que olham para os vestidinhos do Papa sem se rirem e ouvem-no dizer asneiras com o ar bobino de quem espera um bilhete para a eternidade.

Afinal, o Céu não é um destino, é um autódromo onde as almas fazem ralis com o motor alimentado a ave-marias, salve-rainhas, credos, padres-nossos, terços, novenas e missas, almas adaptadas a combustíveis mistos e pias tolices, sendo o Angelus indicado para as almas-turbo.