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19 de Abril, 2010 Ludwig Krippahl

Equívocos, parte 6.

Continuando a sua série de equívocos acerca do ateísmo, o Alfredo Dinis foca a oposição do ateísmo à religião. «Os ateus nada têm a opor a que cada um acredite subjectivamente em deus e pratique em privado a sua religião. Opõem-se, porém, a todas as manifestações públicas da religião e à sua interferência na vida social, económica e política.»(1) O Alfredo diz que isto é um equívoco porque «se baseia numa ideia equivocada de ser humano que concebe como indivíduo fechado em si mesmo […] Uma tal concepção de ser humano é bem triste, e conduz ao anonimato e à tristeza sobretudo nas cidades.» Pois, como nos outros equívocos até agora, é precisamente o contrário.

«Se partirmos do pressuposto de que o ser humano é estruturalmente aberto à relação», como escreve o Alfredo, percebemos que o diálogo, a crítica livre e a troca franca de ideias fazem parte do que é ser humano. Ser humano inclui participar activamente na comunidade. Não basta ficar-se por acreditar, aceitar ou, como gostam de dizer, “respeitar” as ideias dos outros. Essa participação passiva fica muito aquém daquilo que um humano consegue. Precisa também defender as suas ideias, aprender com as dos outros, ponderar opiniões, apontar erros e criticar aquilo do qual discorda. E é isto que caracteriza o tal “neo-ateísmo” cujo ateísmo é tão velho como a religião mas que, novidade, não fica escondido e calado, participando activamente na comunidade. O que há de novo no ateísmo é defender as suas ideias e exigir uma relação de diálogo racional em que cada posição deve ser justificada e não apenas aceite por “respeito” ou por obra e graça de um espírito supostamente santo.

O Alfredo sugere que os ateus são contra a manifestação pública da religião e que aceitam apenas a prática religiosa privada. Mas eu não defendo que os religiosos tenham de o ser às escondidas nem me oponho a que exprimam as suas crenças ou pratiquem a sua religião em público. O que se passa é um pouco mais complicado.

Eu acho que Zeus não existe e que é completamente inútil rezar a Zeus, independentemente de quantas pessoas o façam, e seja em público ou em privado. Mas se alguém me confessa a sua crença em Zeus numa conversa privada eu não a vou tornar pública só para criticar. Não é que adorar Zeus em privado seja menos disparatado. É apenas que se tiver algo a dizer acerca de uma conversa privada digo-o em privado também.

Em contraste, se houver uma procissão a Zeus pelas ruas de Lisboa e gastarem duzentos mil euros num altar para fazer missas, pedir favores e louvar esse deus então já é legítimo criticar isto publicamente. Mais que um direito, tenho até o dever moral de dizer a quem me quiser ouvir que isto é asneira. Esta crítica é legítima não só por o acto ser público mas precisamente porque não sou um “indivíduo fechado em mim mesmo”. Tal como o Alfredo Dinis, também me preocupo com os outros. E preocupa-me que as pessoas percam tempo e dinheiro a adorar deuses falsos.

Mas isto ainda não é oposição. Discordo que se gaste dinheiro com Zeus, ou em astrólogos, videntes e homeopatas. E critico quem se diga perito nestas coisas como se fossem mais que mera fantasia. Mas não me sinto no direito de me opor no sentido de colocar obstáculos ou criar impedimentos. Se alguém quer gastar dinheiro em disparates posso tentar explicar porque são disparates mas, desde que não seja o meu dinheiro, critico e argumento apenas na esperança de esclarecer e não tento impedir ninguém.

Um caso diferente é governantes do meu país decidirem pagar um altar a Zeus usando o dinheiro que é de todos e sem sequer prestar contas de quanto estão a gastar nisso. Ou o governo obrigar os empregadores a pagar um dia de trabalho a quem faltar ao emprego para ver o Alto Sacerdote de Zeus em visita a Portugal. A isso já me oponho. Admito que a minha oposição é fraca, pois há pouco que possa fazer dentro do que é aceitável na nossa sociedade. Mas posso dizer que me oponho e que votaria contra isto se quisessem saber da minha opinião. Por mim, que pagassem medicamentos a quem precisa em vez de escaparates para deuses.

É claro que o Alfredo dirá que o seu deus é totalmente diferente de Zeus ou de qualquer outro deus. Todos os crentes dizem isso. Até os muitos que acreditaram em Zeus, se ainda cá estivessem. Foi um deus muito popular no seu tempo, e fartaram-se de gastar dinheiro com ele também. Mas este é um aspecto do ateísmo que o Alfredo, como muitos crentes, parece ter dificuldade em entender. O ateísmo não é um movimento com um propósito, muito menos com o propósito de erradicar seja o que for. O ateísmo é a consequência de perceber que as religiões são superstições como as outras. Como qualquer superstição, as religiões têm algumas coisas engraçadas, outras até bem vistas, muitas ridículas e, em geral, estão fundamentalmente enganadas.

Não há aqui um equívoco de achar que os supersticiosos se devem isolar. Qualquer pessoa é livre de ter e exprimir superstições. No entanto, se por um lado cada um tem o direito de acreditar no que quiser, por outro lado tem também o dever de não prejudicar a comunidade com isso. De não esbanjar dinheiro público em altares nem prejudicar a economia por julgar que um homem é o representante oficial do criador do universo. É esse o meu critério. O privado critico em privado, o público critico em público, e só me oponho quando a crença se torna abuso.

1- Companhia dos Filósofos, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo

Em simultâneo no Que Treta!

18 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Turquia – um bárbaro infanticídio

Por

E – Pá

“Ontem, sete pessoas foram presas em Istambul, após o assassinato de um recém-nascido, no 2º. dia de vida, em circunstâncias classificadas como um “crime de honra”.
O bebé teria nascido de relações extra-conjugais e, segundo a notícia, foi sufocado pela sua avó, na sequência de uma decisão ‘familiar’… “

Notícia divulgada pela agência turca Anatolie e reproduzida na imprensa europeia de hoje

Porque razão camuflar um repugnante infanticídio chamando-lhe um “crime de honra”?

São, de facto, situações deste teor que dão argumentos aos opositores de uma futura adesão da Turquia à UE.

Por outro lado, não compreendo como imprensa europeia reproduz esta espúria classificação de “crime de honra”. O melhor será chamar “os bois pelo nome”…
Trata-se, tão-somente, de um bárbaro infanticídio, perpetrado por uma família subjugada a preconceitos sociais, culturais e, quiçá, religiosos…

Nenhuma “honra” pode (ou deve) ser invocada nestas abomináveis circunstâncias.

13 de Abril, 2010 Ludwig Krippahl

Convergência.

Muitos alegam que rejeito deuses, alminhas, vida depois da morte e afins apenas por assumir que não existem tais coisas. Como assumo que o universo é só matéria e natural, acusam, tenho de concluir que não há deuses. E se assumisse que o Senhor Jesus é o nosso Salvador ou coisa que o valha chegaria a uma conclusão diferente. Assumir a premissa certa salva a alma e dá paraíso. Como temos de partir de algum sítio, dizem-me, temos de assumir algumas premissas fundamentais que determinam tudo o resto.

Isto está só meio certo. É verdade que temos de partir de alguma premissa. Mas não é preciso ficar-lhe colados para sempre. Nem devemos, porque isso rouba-nos a capacidade de corrigir erros. À partida, tanto posso assumir que o chumbo é mais denso que a água como assumir que é menos denso. Porque, à partida, ainda não tenho dados que indiquem qual hipótese é mais plausível. E se escolhi a errada, quando vejo o chumbo afundar-se posso agarrar-me com toda a força à minha premissa dizendo que a água é impura, que o chumbo afundar não quer dizer nada, que não está no nível certo da realidade ou que é tudo obra do diabo.

Mas é melhor encarar todas as premissas como opiniões provisórias a rever conforme os dados que obtenha. Melhor porque não vicio a conclusão com algum erro nos primeiros passos, que são sempre os mais incertos. Se começar pela hipótese errada – e acontece muitas vezes – paciência. Posso corrigi-la mais tarde e mudar para algo mais plausível. E posso fazê-lo as vezes que for preciso.

Quem assume como certeza absoluta que Jesus é um deus, que Krishna existe, que o deus uno é três, que a Terra foi criada há dez mil anos ou que Maomé é o maior dos profetas vai ficar sempre na sua. Não importa que indícios encontre do contrário. Pode sempre dizer que são um teste à sua fé, inventar uma desculpa qualquer ou alegar uma compreensão daquelas tão profundas que ninguém percebe. O cérebro humano tem uma capacidade excepcional para moldar as suas crenças aos preconceitos. Muita gente até é capaz de ver uma criança a morrer de cancro e ainda acreditar que há um deus omnipotente que nos ama a todos. Ao pé disso, acreditar que o chumbo flutua não é nada.

Mas o cérebro humano tem também a capacidade excepcional de vencer preconceitos e adaptar crenças às evidências. “Enganei-me” custa a admitir a princípio mas, como tudo, é uma questão de hábito. E quem gosta de perceber as coisas habitua-se depressa. Porque cada erro traz uma oportunidade para o corrigir e quem não a agarra fica sem perceber nada.

É claro que se perde as certezas absolutas. Mas é um preço baixo, que as certezas absolutas são mera ilusão. E se bem que não possa rejeitar em definitivo a hipótese de estar sozinho no universo, de vocês todos serem também ilusórios ou outro problema existencial igualmente profundo, consola-me essas hipóteses serem tão inúteis e, na prática, tão irrelevantes que as posso mandar para o fim da fila e não me preocupar com elas enquanto não explorar as alternativas.

Por isto declaro-me inocente da teimosia de que me acusam. Não tenho hipóteses sagradas acerca dos factos. Os factos são o que forem. Não se vergam à minha vontade só por me pôr de joelhos e juntar as palminhas. E também não preciso de certezas absolutas. Não tenho a certeza absoluta de estar acordado, que tudo o resto exista ou até de eu próprio existir. Se calhar Descartes enganou-se e lá por haver um pensamento não quer dizer que tenha de haver um eu a pensá-lo. É possível.

Mas não é plausível. Por isso o bicho papão da incerteza não me assusta. Sei que se olhar de frente para as várias hipóteses e as confrontar com os dados posso ir descobrindo como as coisas são. Mais vale uma ideia provisória e cautelosa que possa ir aproximando da realidade do que deixar-me entalar na ilusão da Verdade Revelada™.

Um bónus agradável é saber que chego às mesmas conclusões a que chegaria se tivesse partido de premissas diferentes. Sabendo o que sei e julgando as hipóteses pelos seus méritos, seria ateu ainda que tivesse crescido muçulmano, budista ou judeu. É uma grade diferença entre quem tem religião e quem é ateu. Os religiosos são puxados, cada um para o seu lado, pelas convicções que lhes impingem desde infância. Os rituais, os sacerdotes, os preceitos, mandamentos, proibições e obrigações que os deuses, sabe-se lá porquê, se entretêm a impor aos seus fiéis.

Em contraste, os ateus chegam à mesma conclusão, e cada um por si. Cada um parte de premissas diferentes, percorre caminhos diferentes e tem uma maneira diferente de ser ateu. São pessoas diferentes. Mas todos tiveram um momento em que notaram que isto das religiões não bate certo. Um momento de “espera lá…” a partir do qual passaram a ver as várias alternativas e a procurar as mais plausíveis. E a hipótese mais plausível é que essa história dos deuses, anjinhos e companhia é tudo treta.

Em simultâneo no Que Treta!

11 de Abril, 2010 Carlos Esperança

A rubrica que tardava a aparecer…

Bento 16 perseguido pelo passado

Por

E – Pá

Há alguns anos que se denuncia a existência de documentos secretos oriundos do Vaticano com o fim de instruir os bispos católicos sobre a melhor forma de ocultar e evitar acusações judiciais em caso de crimes sexuais contra crianças…link

Nesta situação estará o documento Crimen Sollicitationis, da responsabilidade do papa João XXIII, uma cartilha de 39 páginas, escrita em latim, no ano de 1962, e distribuída pelos bispos católicos de todo o mundo.
Este ignóbil escrito impõe um pacto de silêncio entre a vítima menor, o padre que é acusado do crime e quaisquer testemunhas ou pessoas a par do ocorrido. Quem quebrasse esse pacto seria excomungado pela Igreja Católica, conforme foi denunciado, em devido tempo, pela BBC.

A ICAR reagiu através do arcebispo Vincent Nicohls que tentou controlar danos referindo que o referido documento documento não se refere a eventuais actos de pedofilia por parte dos padres, mas apenas ao “uso impróprio do confessionário”. Em vez de esclarecer a questão da pedofilia no seio da Igreja levantou um outro problema: uma eventual utilização com inconfessáveis fins do segredo do confessionário…

Poderemos dizer que estes factos remontam a tempos passados em que o crime de pedofilia tinha outra moldura penal. Tal asserção que encerra alguma verdade não se pode aplicar à ICAR cujos parâmetros morais sempre pairaram à margem do Direito Civil.

Mas o que dizer, ou melhor, o que pensar, da carta em destaque (cuja autenticidade foi confirmada pelo jesuíta Federico Lombardi) link, assinada pelo punho do então cardeal Joseph Alois Ratzinger – hoje papa Bento XVI – datada de 1985, em que o então perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) se opôs à destituição do cura Stephen Keisle da diocese de Oakland (Califórnia), – acusado por abusos sexuais em menores praticados em 1981 – invocando “ o bem da Igreja Universal”?

Esta é a “Doutrina da Fé”!

10 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Padre Mário da Lixa

Papa Bento XVI vem a Fátima caucionar um crime, porventura ainda pior que o da pedofilia, que o clero de Ourém cometeu, em 1917, contra três crianças daquela freguesia.

Jornal Fraternizar, edição n.º 177, de Abril-Junho 2010

9 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Viagem de autocarro (Crónica)

Há tempos entrei num autocarro, tendo-me sentado no banco ao lado de um padre católico, do outro lado da coxia.

Olhei aquele rosto triste de um homem de 70 anos, com o colar romano a apertar-lhe o pescoço como o cincho onde se espremia o queijo para extrair o soro. Há muito que não via tal adereço na via pública. O uso deve ter-se mantido com a resignada dedicação ao múnus.
Não pude deixar de apreciar aquele homem só, a caminho de alguma casa da Igreja ou de um ritual qualquer que já perdeu o sentido, ou nunca o terá tido, e de que a sociedade se desinteressou.

Que sofrimento ajudou a desenhar aquelas rugas? Quantos desejos reprimidos e anos perdidos com o pescoço apertado por um colar e a lapela ornada com uma cruz?

Terá amado? Teve sonhos? Realizou-os? Próximo de mim estava um cidadão solitário, com olhos vagos e o ar de quem cumpriu a vida sem a viver.
Seria preciso ser cínico ou mau para não sentir compaixão por quem dedicou o tempo e a juventude a uma quimera, perdeu a vida perseguindo o sonho do Paraíso e se aproxima do fim da estrada sem saber porque a percorreu.

Somos ambos da mesma massa. Com poucos anos de distância ensinaram-nos a ajoelhar e a rezar. Eu levantei-me, ele ficou de joelhos. Eu vivi a vida, amei e passei incógnito na estúrdia, sem um colar que pressupõe a trela e sem a cruz a que não terão faltado espinhos. Ele imolou a vida por um mito e esqueceu-se de si próprio por coisa nenhuma.

Um homem nunca anda só, é certo, traz consigo as memórias que guarda e os sonhos que acalenta; mas, com o passar dos anos, sobram memórias e mingua o tempo para sonhar.

É injusto que aquele homem que sofreu o que eu não sofri e trocou a vida que recordará por outra que lhe inventaram, tenha os mesmos sete palmos de terra à espera, sem um filho que o recorde, sem alguém que o chore. Por um deus que inventaram para lhe tramar a vida.

Suportou jejuns, abstinências e mortificações, e passou os dias guardando horas para a leitura do breviário. Quanto terá sofrido na convicção de que podia atenuar o martírio do seu Deus?

(Publicada no Jornal do Fundão de 08-04-2010)