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19 de Junho, 2010 Eduardo Costa Dias

O obscurantismo religioso e o comunitarismo são, …

… neste momento na Europa, face e verso de uma mesma praga que urge estripar.

Muito embora o artigo tenha mais de um ano, pela sua actualidade recomenda-se a leitura do artigo “Os tribunais religiosos na Europa”
(http://www.europe-et-laicite.org/spip.php?article90).
De facto, como o seu autor demonstra, « l’Europe bascule lentement mais sûrement dans l’obscurantisme religieux et la communautarisation à outrance, dans tous les domaines. L’union européenne elle-même est de plus en plus noyautée par les lobbys religieux »

10 de Junho, 2010 Carlos Esperança

O 10 de Junho e a memória da ditadura católica

Parece que é a nossa vocação mórbida que conduz à celebração da morte em vez da exaltação da vida e à perpetuação das piores memórias da ditadura para alimentar rituais que a higiene democrática já devia ter banido.

Exumam-se os hábitos e tiques do salazarismo para ornamentar com veneras os peitos disponíveis das celebridades autóctones, algumas só conhecidas da família, dos amigos, do partido e dos negócios.

Vestem um fato de cerimónia, põem um ar grave e lá esperam que o nome seja citado para oferecerem o pescoço ao nastro, o peito à venera e as costas aos abraços.

É assim todos os anos e não se nota a ausência do Tomás. Faltam apenas as viúvas, os órfãos e os estropiados que davam à cerimónia o ar lúgubre da tragédia que teima em perseguir-nos e do ritual que não há coragem para mudar.

Mantém-se o presidente e os carregadores que transportam as medalhas, os figurantes e figurões que desfilam no ecrã das televisões, as vaidades reprimidas e as cumplicidades.

O 10 de Junho é a repetição da liturgia do Império a que faltam, agora, as colónias e os mutilados, as mães dos filhos mortos, as criancinhas a quem mataram o pai e os Pides que nunca foram julgados.

É o palco de vanglórias para mostrar à Pátria o presidente escolhido e os figurantes que ele aceitou distinguir. Tudo se pauta pelo mau gosto e por uma liturgia gasta, numa cumplicidade entre a vaidade dos que foram agraciados e a conveniência política de quem os distingue.

Faltam, por pudor, a missa e o cardeal, a caldeirinha da água benta e o hissope, orações e padres.  Mas não faltarão ave-marias e genuflexões, quem se persigne e quem vá ao beija-mão.

Para quem fez a guerra colonial e não perdeu a sensibilidade, é com um misto de revolta e de vergonha que vê o nome de Camões associado à palhaçada que a ditadura montava para legitimar a guerra ignóbil em que destruiu uma geração, com o cardeal a dizer uma missa por alma dos que mataram.

Eu saí da guerra colonial, dos quatro anos e quatro dias de tropa, mas nunca saíram de mim os 26 meses de Moçambique, o Moura que lá ficou no rio Zambeze e o Dias cujo calor do corpo esmagado ainda sinto a sangrar-me nos braços a fazer-me sangrar por dentro.

8 de Junho, 2010 Ludwig Krippahl

A diferença é ser treta.

Não concordo que o Estado gaste dinheiro a contratar padres para os hospitais, a subsidiar a vinda do Papa ou a pagar professores de religião nas escolas públicas. Mas quando digo isto muitos apontam que o Estado também gasta dinheiro em futebol, cinema e música. Se as pessoas gostam de padres e missas, dizem-me, então o Estado deve investir nisso também.

Não me parece. Admito que preferia menos futebol e mais programas de ciência. Ou de ilusionismo. Ou de praticamente qualquer outra coisa, que o futebol é um bocado seca. E acho que gastar oitocentos mil euros em concertos do Tony Carreira (1) é pior que deitar dinheiro ao lixo. Do lixo sempre podia ir parar a quem tivesse mais necessitado. Mas nestes casos a minha opinião é meramente subjectiva. Objectivamente, a mestria do drible ou da música pirosa é tão legítima como a da astronomia ou dos truques com cartas. Sendo o critério apenas a preferência pessoal, só posso exigir que o Estado não descure ninguém e tenho de aceitar que a fatia maior seja ao gosto da maioria.

Mas artistas e desportistas, como o Tony Carreira, o Cristiano Ronaldo e o Luís de Matos, fazem algo fundamentalmente diferente do que faz a Maia, a Alexandra Solnado e aquela amiga da Júlia Pinheiro que fala em inglês com mortos portugueses. O Tony Carreira pode fazer playback, o Ronaldo fingir que levou uma canelada e o Luís de Matos esconder uma data de coisas na manga, mas toda a gente sabe que é assim. Faz parte do espectáculo e sabê-lo não tira o prazer de os ver actuar. Em contraste, só gosta da Maia, dos livros da Alexandra Solnado ou do pessoal que fala com os mortos quem enfiar o barrete e julgar que aquilo é mesmo verdade. Quem sabe que é tudo inventado não acha piada nenhuma.

E nessas coisas o Estado não deve participar. Não digo que o proíba. Se a TVI quer dar programas de gente que fala com os mortos, que se lixe. Mas astrólogos na RTP1, pagos dos nossos impostos, não está certo. Porque o que leva as pessoas a ver a Cristina Candeias a prognosticar isto e aquilo é a convicção de que ela consegue mesmo ver o futuro na posição dos planetas. E disso não há quaisquer evidências. Nem é preciso provar a negativa, que a Cristina Candeias não prevê o futuro. Basta não haver nada que justifique assumir que aquilo funciona, porque o Estado não deve contribuir para que convençam as pessoas de coisas sem fundamento.

Foi este o problema da missa na Praça do Comércio. Pode haver quem goste de ver o Ratzinger a actuar de vestido branco e sapatinhos encarnados. Eu não acho piada, mas gostos não se discutem. O problema é que a maior parte das pessoas que lá esteve só quis assistir ao espectáculo porque estava convencida que o Joseph Ratzinger é o representante oficial do ser omnipotente que criou o universo, que com um gesto do Joseph Ratzinger esse ser omnipotente abençoa a multidão e que com umas palavras do Joseph Ratzinger altera a substância da hóstia, que deixa de ser água e farinha para se tornar o corpo de um carpinteiro que morreu há dois mil anos (mas, felizmente, sem alterar o sabor). Este espectáculo só pode ser apreciado por quem se convencer de muita coisa que as evidências não justificam.

A assistência “espiritual” nos hospitais e o ensino religioso nas escolas públicas sofrem do mesmo problema. Nestes casos não podemos considerar apenas as preferências das pessoas porque esses juízos de valor que fazem assentam em informação incorrecta ou em premissas infundadas. Mesmo que muita gente goste da Alexandra Solnado não se deve financiar do erário as suas conversas com Jesus. Nem as consultas do professor Mamadu, os prognósticos do Paulo Cardoso, a transubstanciação da hóstia ou o ensino de rezas a pedir favores menino Jesus.

1- I, Tesourinhos das adjudicações directas

Também no

6 de Junho, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: com esses meninos não brinco.

Recebi por email a notícia que o Conselho Pontífice para a Cultura vai encetar um “diálogo aberto” entre o Vaticano e os ateus, «criando uma fundação para focar as relações com ateus e agnósticos» (1). À partida a ideia é boa. Quando duas partes discordam faz falta uma conversa franca onde cada uma possa apontar as premissas que rejeita, justificar as suas de forma que a outra aceite e esteja disposta a mudar a sua posição se a justificação contrária for melhor.

Mas o Vaticano tem uma ideia diferente de “diálogo aberto”. Mais habituados à missa que ao debate, querem deixar a conclusão assente logo de início. A iniciativa responde ao desafio do Papa para que a Igreja Católica venha «renovar o diálogo com homens e mulheres que não acreditam mas que querem aproximar-se de Deus». Parece-me que será uma amostra pequena e tendenciosa do universo de ateus e agnósticos. Além disso, o objectivo não é determinar quem tem razão ou sequer encontrar pontos consensuais. É «ajudar as pessoas a sair de uma concepção pobre da crença e promover a compreensão que a teologia tem dignidade científica». Começar por dizer “diálogo aberto” e chegar a isto faz-me lembrar as velhinhas com a revista Despertai debaixo do braço que começam por perguntar “Jovem, gosta de ler?”. O que se segue está para o gosto pela leitura como esta iniciativa está para o diálogo aberto.

Para reforçar que isto é só para quem quer ouvir o sermão e não para quem quer debater, deixam claro que só estão interessados no «ateísmo ou agnosticismo nobre, não no polémico», e que não querem debater com «ateus como [Piergiorgio] Odifreddi na Itália, [Michel] Onfray na França, [Christopher] Hitchens e [Richard] Dawkins». Querem um diálogo aberto mas sem polémica.

Talvez seja um problema de generation gap. O topo da hierarquia da Igreja Católica tem apenas homens do tempo em que se levava o catolicismo tão a sério que ninguém apontava estes disparates. Mas hoje, por muito que lhes custe a admitir, as coisas mudaram. Se organizam um “diálogo aberto” só com fantoches, «para criar uma rede de pessoas agnósticas ou ateístas que aceitem o diálogo e entrar como membros na fundação e, portanto, no nosso dicastério», vão ser é gozados.

Se querem dialogar com os ateus então organizem os debates com aqueles que os ateus consideram resumir melhor a sua posição. Se só escolherem os “ateus nobres” que querem fazer parte da Igreja Católica e aproximar-se desse deus o diálogo vai ser notável apenas pelo caricato da iniciativa.

1- Catholic News Agency, Atheists invited to join Vatican Council for outreach initiative
2- The Independent, Vatican reaches out to atheists – but not you, Richard Dawkins

Também no Que Treta!.

1 de Junho, 2010 Eduardo Costa Dias

Exército de Israel cada vez mais controlado pela direita religiosa

Para compreendermos um pouco melhor a vergonhosa acção militar israelita de ontem tenhamos também em atenção o seguinte:

Tsahal aux mains des religieux

L’armée n’attire plus les jeunes laïcs des classes moyennes, mais les pauvres des milieux les plus conservateurs. Certains craignent que leur allégeance à l’Etat en cas d’évacuation des colonies ne soit pas totale.

Si la gauche a raté l’occasion de parvenir à un accord permanent avec les Palestiniens, ces derniers portent aussi une part de responsabilité dans cet échec. Mais, durant ces années perdues, celles des accords d’Oslo [1993-2000], l’armée israélienne a subi un profond bouleversement. Elle aura à jouer un rôle crucial dans tout accord futur, en organisant sur le terrain les retraits territoriaux et les évacuations de colons. Or l’armée de 2010 n’est plus celle de 1993. La composition du corps des officiers d’infanterie, fer de lance de nos unités de combat, a été chamboulée. En 1990, 2 % des cadets étaient des religieux, ils sont désormais 30 %. Six des sept lieutenants-colonels de la brigade Golani sont des religieux et, dès l’été 2010, leur commandant sera lui-même religieux, tandis que trois des sept lieutenants-colonels de la brigade Kfir [infanterie antiterroriste en Cisjordanie] portent la kippa crochetée [des nationaux-religieux]. De même, deux colonels sur six de la brigade Golani et des paras sont également des nationaux-religieux. Enfin, dans certaines brigades d’infanterie, plus de 50 % des commandants locaux sont des nationaux-religieux, soit plus de trois fois la proportion des nationaux-religieux dans la population totale.
S’il ne s’agit pas ici de mettre en doute l’engagement de ces officiers envers Tsahal et l’Etat, il n’en reste pas moins qu’ils sont désormais originaires de régions très différentes de celles des générations précédentes. Il y a vingt ans, les officiers étaient largement issus du Goush Dan [le Grand Tel-Aviv] et du Sharon [plaine côtière entre Haïfa et Tel-Aviv]. Actuellement, la proportion d’officiers issus de ces régions est devenue négligeable, et les quelques officiers encore originaires de Tel-Aviv sont en fait issus des quartiers méridionaux [pauvres et conservateurs]. En termes d’effectifs, une tendance lourde s’est dessinée depuis la fin des années 1990 : dans le sillage de la première guerre du Liban [1982-1984] et de la première Intifada [1988-1992], le nombre d’Israéliens issus de la gauche [Parti travailliste] et de membres des kibboutzim inscrits à l’Ecole militaire numéro 1 [qui forme les officiers de l’armée de terre] n’a cessé de baisser. Désormais, cette frange de la population [sous-entendu : ashkénaze et travailliste] n’est plus présente que dans les rangs de l’Aman [renseignements militaires], de l’armée de l’air et des unités de reconnaissance. Cette désaffection commence aujourd’hui à se ressentir dans le profil des officiers supérieurs qui postulent à la tête de l’armée, et ce phénomène ira en s’amplifiant au cours des quinze prochaines années.
Tsahal continue de se fourvoyer dans les Territoires palestiniens, en apportant une assistance discrète aux avant-postes illégaux [colonies sauvages]. Mais la gauche laïque porte une responsabilité car, en désertant les échelons régionaux et locaux de l’armée pour se concentrer dans l’aviation et le haut état-major, elle a créé un vide dans des pans entiers de l’organigramme militaire, vide qui a été rempli par d’autres. Nombreux sont ceux qui, à l’échelon supérieur de la hiérarchie, estiment qu’il n’y aura pas d’autre possibilité que de procéder à une évacuation massive des colonies. Mais ils savent pertinemment que le prochain désengagement sera beaucoup plus difficile à réaliser que celui du Goush Katif [bloc de colonies de la bande de Gaza, évacué en août 2005]. En cas de désengagement, nombre de commandants locaux obéiront sans doute aux ordres de leur hiérarchie. Mais il est difficile d’imaginer que les officiers originaires d’implantations comme Kedoumim ou Kfar Tapuah [colonies ultranationalistes autour de Naplouse] exécutent sans rechigner l’ordre d’“arracher des juifs à leurs foyers”. Il n’est pas surprenant que la haute hiérarchie militaire ait peur de ce scénario. Lorsque sonnera l’heure du prochain désengagement, peut-être le gouvernement n’aura-t-il d’autre choix que d’envoyer des conscrits renforcer les effectifs des gardes-frontières [gendarmerie], car il semble désormais hasardeux de compter seulement sur les officiers de carrière de l’armée régulière.

http://www.courrierinternational.com/article/2010/05/26/tsahal-aux-mains-des-religieux

1 de Junho, 2010 Eduardo Costa Dias

Mafioso uma vez, mafioso toda a vida!

Banco do Vaticano suspeito de lavagem de dinheiro

A justiça italiana está a investigar o banco do Vaticano por suspeita de envolvimento em esquemas de lavagem de dinheiro, avançou hoje o jornal La Repubblica.

O diário adianta que os alvos da investigação são o Instituto das Obras Religiosas (IOR), nome como é conhecido o banco oficial do Vaticano, e dez outros bancos italianos, incluindo grandes instituições como a Intesa San Saolo e a Unicredit.

Segundo o jornal, os investigadores desconfiam que pessoas que têm residência fiscal em Itália estão a usar o IOR como uma “cortina” para esconder diversos crimes, como fraude e evasão fiscal.

O IOR gere contas bancárias das ordens religiosas e associações católicas e beneficia do estatuto off-shore do Vaticano.

Os investigadores descobriram que foram feitas transacções de cerca de 180 milhões de euros, num período de dois anos, numa das contas geridas pelo IOR.

Em Setembro de 2009, o representante do Santander em Itália, Ettore Gotti Tedeschi, foi nomeado presidente executivo do IOR.

O arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, que liderou o banco entre 1971 e 1989, esteve envolvido numa série de escândalos, entre os quais a falência de um banco privado, o Banco Ambrosiano, em 1982, entre acusações de ligações à máfia e terrorismo politico

http://economia.publico.pt/Noticia/banco-do-vaticano-suspeito-de-lavagem-de-dinheiro_1440048

29 de Maio, 2010 Ludwig Krippahl

Apresentação na FMUP

Este é o vídeo da minha apresentação no debate do passado dia 21, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto:

Já agora, lembrei-me de uma história interessante que o padre José Nuno contou durante o debate. Era miúdo e estava a comer bolachas às escondidas da avó quando trovejou subitamente. A avó, apanhando-o em flagrante, disse que era Deus a ralhar. Mas ele contou que, felizmente, não tinha acreditado naquele deus que ralhava com trovões, senão nunca teria ido para padre. O deus em que ele acreditava era um deus que é amor, bonzinho e essas coisas.

Esta história singela ilustra bem como é falsa a ideia da religião como guia moral. A religião não é uma bússola que aponta para o bem. É um caixote delas, cada uma encravada na sua direcção, de onde cada crente tem de escolher uma que calhe apontar para algo minimamente aceitável. E se sabe escolher a bússola certa é porque já sabia distinguir, por si, entre o bem e o mal.

Quem sabe escolher uma religião decente não precisa de religião para ser decente. E quem não sabe é melhor não se meter nessas coisas…

Também no Que Treta!

28 de Maio, 2010 Ludwig Krippahl

Inteligência e croché

Eu sei como resolver equações diferenciais. A minha avó não faz ideia o que isso seja mas sabe fazer croché. Muita gente pensa que resolver equações diferenciais exige mais inteligência, mostrando que uma opinião não é mais fiável só por muitos opinarem o mesmo. Resolver equações diferenciais é tão trivial que com meia dúzia de linhas de código se põe um computador a fazê-lo. A minha avó faz croché ao mesmo tempo que segue os diálogos da novela, conversa com a vizinha e decide o que vai fazer para o jantar, coisa que ninguém faz ideia de como por um computador a fazer.

Não sei se um poeta é mais inteligente que um bailarino ou se ser professor e ensinar informática demonstra mais inteligência que ser avó e fazer croché. Quando tentamos ver em detalhe quanta informação se tem de processar para executar uma tarefa, muito do que nos parece trivial se revela extremamente complexo. E vice-versa. Temos programas de computador que vencem qualquer um no Xadrez mas nem um que perceba a piada da anedota mais simples. Por isso não sei dizer se um crente é mais ou menos inteligente que um descrente ou se a crença tem alguma coisa que ver com inteligência, uma capacidade tão abrangente que nem sei bem em que consiste.

Mas há uma coisa que me parece estar relacionada a diferença entre crente e descrente. À falta de um nome melhor, e não querendo confundi-la com inteligência, direi que é prática na análise crítica de proposições. A minha avó tem a quarta classe e quase tudo o que julga ser verdade aprendeu porque confiou em quem lho disse. Nos professores, nos pais, nos padres, na TV. Apesar de ter vivido muito mais que eu, teve poucas oportunidades (e menos encorajamento) para questionar se essas afirmações eram verdadeiras ou falsas e como responder a essa questão. Só aprendeu a acreditar e, com poucas oportunidades de aprender pela dúvida, até acha que duvidar é má educação.

E como a minha avó há milhares de milhões de pessoas. Nas estepes da Mongólia, nas favelas do Brasil, nas aldeias do Paquistão. E também nos países mais ricos, que poucos têm a possibilidade de ganhar a vida questionando hipóteses e pensando em como distinguir o verdadeiro do falso. E assim proliferam as superstições, entre as quais aquelas a que chamam religião.

Sei que muitos que se dizem entendidos nestas coisas alegam que religião e superstição são diferentes. Só que nunca explicam a diferença*, e a religião sentida da maioria dos crentes, os que pedem e negoceiam os favores dos deuses, é igual a qualquer outra superstição. Só no ar rarefeito da teologia e da exegese é que se discute, a par do sexo dos anjos, a diferença entre crer que a ferradura dá sorte e crer que a hóstia se transubstancia.

Mas é com esses que discuto religião. Não é com a minha avó, ou com a maioria dos crentes, que crêem porque sim e para quem isso não se discute. Discuto apenas com os que dizem estudar essas coisas. E, ao contrário do que me acusam por vezes, não assumo que são menos inteligentes ou menos capazes de distinguir o verdadeiro e o falso. Discuto com quem me parece querer discutir o assunto e ser perfeitamente capaz de o fazer. No entanto, há na posição do crente um obstáculo difícil de transpor. Não é falta de inteligência ou de capacidades. Nem sequer é aquela falta de treino que me dissuade de discutir isto com a minha avó. É a crença.

Essa é a grande diferença. A minha descrença é uma conclusão que proponho defender no diálogo. É o ponto final de um raciocínio no qual posso mostrar a sequência de razões que me conduzem a essa conclusão. Todos sabemos que danos no cérebro afectam a mente e essa fragilidade é evidência que não resistimos à morte do corpo. Todos sabemos que há crianças que pisam minas e ficam estropiadas, ou morrem de cancro, ou nascem com deficiências, e isso indica não haver um deus omnipotente a cuidar dos inocentes. Eu posso apontar o porquê da minha descrença com razões que o meu interlocutor reconheça serem verdade.

Em contraste, o crente assume a verdade daquilo em que crê sem nada que a possa justificar a quem não creia. Acredita numa vida eterna sem dados que suportem essa hipótese. Acredita que existe um deus, aquele deus, sem evidências disso. Conclui as premissas. Mas não de forma banal. A caminho do ponto de partida invoca a tradição, cita autoridades, aponta que não se pode provar o contrário, fala em amor, relação e razão, usa maiúsculas q.b., chama liberdade ao infortúnio e faz corar o Dr. Pangloss. Não falta nisto inteligência nem revela capacidades diminuídas. Mas opta por não contribuir para o diálogo racional, cujo objectivo é encontrar as razões aceites por ambas as partes que justifiquem uma conclusão consensual. Em vez disso faz croché com as palavras.

Admito que o croché tem mérito. Não é qualquer um que consegue. Mas é uma arte meramente decorativa.

*Há uma excepção que devo notar. Uma vez vi um antropólogo entrevistado na TV, penso que na RTP-2. Não me lembro do nome do senhor, mas à pergunta acerca da diferença entre religião e superstição ele disse haver um critério simples. Em cada cultura, religião é a sua e superstição as dos outros.

Também no Que Treta!

22 de Maio, 2010 Carlos Esperança

Ateísmo, laicidade e democracia

Dia 21 de Maio – 18H30: Carlos Barroco Esperança

Tema: Ateísmo, Laicidade e democracia

Comentário: Não cabe ao autor pronunciar-se sobre o mérito. Embora com as diferenças normais entre um discurso de improviso e o texto escrito, vou procurar a forma de colocar à disposição dos leitores o referido texto.