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Um obituário para dois modestos gigantes

Dois dos homens que mais influência tiveram nas nossas vidas, morreram nos últimos dias.

Um deles carregava com o fardo de ter construido as primeiras bombas atómicas e foi o primeiro observador informado no local, da destruição atómica em Hiroxima e Nagasaki. Foi um dos primeiros homens a propor o controle dos arsenais nucleares e a propor a observação do espectro dos microondas à procura de sinais de vida extraterrestre. O outro, sobrevivente de uma família destroçada pela pobreza e pelas doenças infecto-contagiosas, ao descobrir uma cópia escondida da «Origem das espécies» de Charles Darwin, encontrou o estímulo para estudar e tornar-se um dos maiores microbiologistas do século XX.

Falo de Phillip Morrison e Maurice Hilleman.

Talvez o leitor não os conheça, mas o facto de hoje estar vivo talvez se deva aos dois.

Phillip Morrison iniciou a crítica inteligente e informada dos cientistas atómicos (os mesmos que construiram a bomba) ao complexo político-religioso-militar-industrial americano que via a bomba como uma benção de Deus à américa e assim ajudou a afastar o espectro da guerra nuclear global. Maurice Hillerman criou mais de 20 vacinas ao longo da sua carreira como microbiologista. Salvaram, não-linearmente, centenas de milhões de pessoas ao longo da segunda metade do século XX.

Eu conheci Phillip Morrison a partir das páginas da Scientific American, e tive a oportunidade de seguir a sua excepcional série de divulgação científica, «The Ring of Truth».

Numa altura em que se glorifica e mistifica a imaginação do público pela ciência com a última masturbação da física teórica, Phillip Morrison conseguia tornar entusiasmantes e óbvios conceitos e experiências basilares da física.

É inesquecível o episódio em que o átomo é nos revelado. Como usando um lago e uma colher de óleo de cozinha conseguimos obter uma estimativa do tamanho dos átomos e sempre insatisfeitos, vamos de descoberta em descoberta até vermos, literalmente, os átomos á nossa frente.
Ou outro episódio, dedicado à natureza do método científico em que nos são apresentadas as duas faces da mesma moeda: a percepção e a ilusão. Recorrendo à magia e ao ilusionismo somos introduzidos à teoria dos erros e aos cuidados que temos que ter ao percepcionar o mundo que nos rodeia. Ainda hoje, a maioria dos divulgadores científicos foge desse assunto com preconceito, tratando-se na verdade, uma das maiores lições de vida que a ciência nos pode dar.

Apesar de ter passado a vida diminuído pela doença e preso a um carrinho de rodas, Phillip Morrison transbordava de uma sede de conhecimento e felicidade em explorar tudo, que lhe preenchia a vida e contagiava quem o podesse ouvir e conhecer.

Maurice Hilleman nunca se alardeou dos frutos do seu trabalho. Fazia-o porque estava apaixonado por ele. Criou as técnicas modernas de produção de vacinas em massa, bem como a forma liofilizada das vacinas modernas que podem ser guardadas durante longos períodos de tempo em segurança.
Em 1957, antecipou e eliminou uma pandemia global de gripe, tornando-se o primeiro homem a criar uma vacina para uma forma mutante futura de um vírus. Estima-se que o último surto equivalente, a gripe espanhola, matou pelo menos 100 milhões de pessoas.

Hoje, estamos vivos graças ao seu trabalho.
Vivos porque, algures em Montana, uma biblioteca salvou uma cópia da «Origem das Espécies» de Charles Darwin das leis de censura da cidade, fundamentalista cristã. O então adolescente Maurice Hilleman encontrou aí a sua paixão pela biologia, ao descobrir uma outra maneira de ver o mundo com que lidava como míudo do campo. E utilizou o que aprendeu com Darwin para prever e antecipar a evolução de vírus e salvar vidas.

Sem seguidores, crentes e máquinas de propaganda para enganar os homens, sem báculos e tiaras, eram luzes na escuridão. Modestos gigantes desconhecidos.

Humanos como nós, eu vos saúdo.

Links:
– Obituário no The Guardian de Hilleman
– Obituário no MIT de Morrison
– Morrison na Wikipedia
– Hilleman na Wikipedia