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República laica?

Por

Onofre Varela

Na edição da Gazeta de 18 de Agosto último, chamou-me a atenção o texto sobre a Escola Secundária de Freamunde. Noticiava-se que aquele estabelecimento de ensino público passaria a designar-se: “Escola Secundária D. António Taipa”, por proposta comum do presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Humberto Brito, e da directora do Agrupamento de Escolas de Freamunde, Amância Santos.

Nos discursos de circunstância, e na presença do clérigo honrado, a directora “manifestou a sua imensa alegria de ver a Escola Secundária com o nome de um ilustre professor que nasceu (ali), vive com as gentes de Freamunde e que, pelos seus méritos, chegou à ordenação episcopal”.

Parece-me forçado este elogio de excelência, uma vez que é sempre pelo seu próprio mérito que qualquer estudante termina a sua licenciatura com bom aproveitamento!… Por isso permito-me supor haver neste discurso algum exagero à boa maneira bairrista, o que se entende e desculpa, mas que está mais de acordo com o entendimento de uma catequista do que com o pensamento de uma professora (com responsabilidades directivas) de uma escola pública numa República Laica… o que já não se entende nem tem desculpa!…

O autarca, por seu turno, disse que “estamos num estado laico e republicano e é dentro deste princípio que propomos o nome de D. António Taipa, tão ilustre personalidade de Freamunde e do Concelho de Paços de Ferreira, para patrono desta escola” (?!).

Acredito que o cidadão António Taipa mereça toda a consideração dos seus conterrâneos, seja um bom vizinho e uma personalidade ilustre no entendimento dos freamundenses e pacenses que se sentem engrandecidos e orgulhosos por terem um conterrâneo bispo. Do mesmo modo aplaudo o facto de António Taipa ter atitudes populares que o levam a confraternizar e a partilhar um copo, numa tasca, com amigos de infância que não esqueceu, e que, só por isso, mereça a estima de todos.

Porém, tal como frisou Humberto Brito, vivemos num estado laico e republicano… e por isso não entendi a razoabilidade do acto de dar o nome de um clérigo (por muito mérito eclesiástico que tenha, e por muitos copos que partilhe com os amigos), a um estabelecimento de ensino público numa República Laica que tem a obrigação de fazer a separação daquilo que é do Estado e daquilo que é da Igreja!

Pergunto: Se António Taipa fosse Testemunha de Jeová ou ateu, e sendo-lhe reconhecido o mesmo grau intelectual (quiçá mais apurado se fosse ateu, pelo facto de ter ultrapassado o primitivismo da crença num fictício deus) a autarquia também lhe conferia tal honra? Provavelmente não!… Então podemos considerar que a autarquia (republicana?!) privilegiou o facto de António Taipa ser bispo católico?

A República Portuguesa tem 106 anos. Viveu os seus primeiros tempos sob um cariz ferozmente anticlerical que não a engrandeceu, mas que se percebe à luz da História, e depois ficou congelada durante quase meio século, na vigência do Estado Novo de António Oliveira Salazar. Neste contexto, o exercício republicano conta, entre nós, apenas 58 anos… o que talvez não seja tempo suficiente, nem conte experiências tão positivas, para que os valores republicanos se tenham enraizado em todos nós (até porque Salazar e Cerejeira ainda andam por aí, colados como santinhos de cartilha, no espírito de muitos políticos “republicanos”) para que os responsáveis pela Educação, e os autarcas, sejam, de facto, de “qualidade-republicana-certificada”, e possamos afirmar que vivemos numa República verdadeiramente Laica.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)