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Dia: 25 de Junho, 2014

25 de Junho, 2014 Raul Pereira

Dois parágrafos que valem bem mais do que 500 paus

É inato ao homem o querer saber: a poucos é dado o saber querer; a menos ainda o saber. Para mim não abriu a fortuna excepção. Desde o começo da minha vida que eu, dado à contemplação da natureza, tudo perscrutava sem descanso. A princípio o meu espírito, ávido de saber, contentava-se com qualquer alimento que se lhe oferecia; a breve trecho, porém, se lhe tornou impossível digerir e começou a vomitar tudo o que ingerira. Tratava eu já então de ver com todo o cuidado o que havia de dar-lhe que ele digerisse e assimilasse bem: nada havia que satisfizesse os meus desejos. Passava em revista as afirmações dos passados, sondava o sentir dos vivos: respondiam o mesmo; nada, porém, que me satisfizesse. Algumas sombras de verdade, confesso, me entremostravam alguns; mas não encontrei um só que com sinceridade e duma maneira absoluta dissesse o que das coisas devíamos julgar. Voltei-me então para mim próprio; e pondo tudo em dúvida como se até então nada se tivesse dito, comecei a examinar as próprias coisas: é esse o verdadeiro meio de saber.

Levava as minhas investigações até aos primeiros princípios. Iniciando aí as minhas reflexões, quando mais penso, mais duvido: nada posso compreender bem. Desespero. No entanto persisto. Mais. Consulto os Doutores buscando neles avidamente a verdade. Que respondem? Foi-se cada um deles construindo a ciência com alheias ou próprias fantasias: destas inferiram outras, e destas outras ainda; e assim, nada ponderando bem e afastando-se da realidade, arranjaram um labirinto de palavras sem algum fundamento de verdade. Aí não obterás a compreensão das coisas naturais, mas aprenderás a textura de novas coisas e ficções, de cuja inteligência nenhum espírito é capaz. Efectivamente, quem será capaz de compreender o que não existe?

Francisco Sanches (1550-1623), Quod Nihil Scitur (Que nada se sabe), trad. Basílio de Vasconcelos, Lisboa, Vega, 1991 (1.ª ed. Lyon, Ant. Gryphium, 1581) .

Francisco Sanches 500 escudos

25 de Junho, 2014 Carlos Esperança

Resposta a um inquérito académico (2)

P – Num estado constitucionalmente secular e laico o que pensa da Concordata e desta num contexto em que existe a Lei da Liberdade Religiosa?

Resposta – Num Estado secular e laico a Concordata é uma aberração. As religiões deviam estar em igualdade e ao Estado competir apenas a defesa da liberdade de culto, uma vez que a liberdade de associação e reunião estão amplamente asseguradas.
A Lei da Liberdade Religiosa tornou-se uma necessidade, face à Concordata, para dar migalhas que escondessem os privilégios escandalosos da Igreja católica que, um pouco à semelhança dos países muçulmanos, vai aumentando progressivamente a sua influência no ensino, saúde e assistência, transformado direitos constitucionais, numa época de crise, em assistencialismo pio.
Num Estado laico o direito à crença e à descrença deve ter igual valor e não cabe ao poder de turno definir o que é a verdade religiosa ou ser um instrumento de propagação da fé e de sustentação de qualquer culto.

A existência de capelanias hospitalares, militares e prisionais (sempre católicas) são um instrumento de discriminação das outras confissões religiosas.