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A pena de morte e a civilização

O que ontem era a regra está a caminho de ser excepção, mas há excepções que doem mais. Como podem os Estados Unidos da América, com uma Constituição democrática e laica, redigida por quem fugiu à violência das guerras religiosas, conviver com uma pena que mantém a incerteza sobre a condenação de inocentes?

Progressivamente, nas últimas décadas temos assistido ao aumento do número de países que excluíram do seu Código Penal o bárbaro castigo que as religiões promoviam como sendo a vontade de Deus. Não é por acaso que a pena de morte subsiste em países com forte influência religiosa.

As teocracias praticam-na com o mesmo entusiasmo com que a Inquisição queimava bruxas, hereges e judeus. Na América do Norte a pena de morte não é alheia à influência do protestantismo evangélico e nem o facto de posteriormente se ter provado a inocência de condenados, faz vacilar os juízes ou tremer a mão dos governadores que assinam as execuções.

Para lá da repulsa que tão bárbara pena inspira bastava a possibilidade de assassinar um inocente para fazer recuar um Governo. A piedade do último Bush, que dizia falar com Deus, fez dele, enquanto Governador do Texas, o campeão destacado das execuções que foram assinadas nesse período de tempo.

Há na Europa uma certa direita, de natureza fascista e xenófoba, que vê com bons olhos a reintrodução da pena de morte. Esses arautos da crueldade suprema sabem bem que a referida pena é um prolongamento dos sentimentos racistas, que as vítimas são na sua maioria negros e pobres, imigrantes atirados para guetos e infelizes sem trabalho nem meios de subsistência.

Acresce que as execuções não têm qualquer efeito dissuasor, apenas satisfazem o desejo de vingança dos seus defensores.

Há várias formas de desumanidade. A pena de morte é uma das mais cruéis.

Depois da sua reintrodução (USA) em 1976, a pena capital é aplicada em 34 dos 50 estados e custou a vida de 1254 pessoas cuja imensa maioria eram homens negros. Perto de 3330 pessoas esperam hoje a sua sentença nos corredores da morte – lia-se em «Le Monde» de 10 do corrente mês, dia internacional contra a pena de morte.