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Dia: 31 de Julho, 2010

31 de Julho, 2010 Ludwig Krippahl

Treta da semana: a assistente da Dra.

No preçário do Centro Maria Helena podemos ver o preço para as consultas «Presenciais com a Dra. Maria Helena», 110€, e as consultas «Presenciais com a Assistente da Dra.», só 55 € (1). A Maria Helena é “Dra” porque tem uma licenciatura em sociologia e, na mesma página, está escrito que «Todos os serviços são prestados por técnicos licenciados em Universidades Portuguesas». Por isso a “Assistente da Dra” deve ser tão “Dra” como a própria “Dra”. Faz-me lembrar a Susaninha, a amiga da Mafalda, que queria ter um filho médico para ser a dona Susaninha mãe do senhor doutor filho da dona Susaninha.

A Maria Helena dá também informação acerca dos anjos (2). Infelizmente, faltou descrever o processo de investigação que permitiu apurar quais são os Serafins, Querubins e afins, ou o que fazem. A lista não menciona Izual, o que até se compreende, mas – falha grave – também omite Tyrael, que ajudou os Horadrim num momento tão terrível da História. E é curioso que Mumaiah esteja tanto na categoria dos Anjos como na dos Arcanjos. Não sei se terá sido uma promoção rápida durante a elaboração do documento ou mera falta de imaginação.

O triste é haver quem paga para ouvir a “Dra” e a “Assistente da Dra” dissertar sobre estes disparates. E pagam porque estão convencidos que isto é verdade, que esta gente vê o futuro nas cartas ou nas posições das estrelas, que sabe o nome do anjo da guarda em função do signo e assim por diante. É um abuso indecente da confiança e credulidade destas vítimas.

O que me traz à distinção entre “crentes sofisticados” e “não sofisticados”, feita por crentes que se consideram entre os primeiros e que assim evitam ter de fundamentar pela religião as práticas religiosas da maioria. São pouco sofisticados, está-se a ver, não importa. E, pelos vistos nem sequer importa esclarecê-los. O Diogo Ramalho explica porque é que os crentes “sofisticados” não tentam educar os restantes:

«Por exemplo: eu não acho que o ir de joelhos até Fátima vá levar a que algum milagre médico ocorra. Mas quando vejo pessoas a praticarem estas formas de espiritualidade o que me parece é que elas têm sentimentos profundos de relação com Deus e que aquela é a melhor forma de que dispõe para manifestarem esses sentimentos.»(3)

Não é só ir de joelhos. É pagar ao padre para dizer o nome do falecido marido durante a missa julgando encurtar a sua estadia no purgatório. É pagar pernas e braços de cera cuja queima se crê tornar mais eficazes os milagres da virgem. É dar ouro, jóias e dinheiro à Igreja para purificar a alma ou obter favores sobrenaturais. É muita coisa que, sob o rótulo de “espiritualidade”, acaba por ser o mesmo que a Maria Helena faz aos seus clientes.

Dizem que a Igreja é diferente porque não exige dinheiro, que as pessoas dão porque querem. Mas quem paga consultas de astrologia também dá dinheiro porque quer, esse truque do pagamento voluntário é também usado por Mamadus de toda a espécie e o próprio santuário de Fátima tem um preçário (4). Por exemplo, no baptizado cobra-se 35€ de Taxa do Santuário mais 17,5€ de Taxa da Câmara Eclesiástica de Leiria. Para um serviço que, na prática, equivale a uma carta astrológica ou à invocação do anjo da guarda.

O Diogo Ramalho admite que não explicar aos crentes menos sofisticados que Deus não quer jóias, dinheiro ou que se arrastem de joelhos «Pode parecer grotesco, antiquado ou mesmo errado aos sofisticados mas estes remetem-se a um respeito pela solução que o não-sofisticado encontra de viver a força do seu sentimento religioso.» Antiquado não me parece que seja. Pelo que vejo, está sempre na moda levar o dinheiro das pessoas aproveitando o “respeito” pelo seu “sentimento religioso”. E não diria que é grotesco porque é mais trágico do que ridículo. Mas errado, é. E indecente, e imoral.

Deixam que aquela gente se arraste e dê as suas poupanças na esperança de comprar milagres, metem o dinheiro ao bolso e capitalizam a publicidade que lhes traz esses sacrifícios. Até encorajam estas coisas ensinando que é uma virtude peregrinar e dar dinheiro à Igreja. Mas dizem que estas são expressões “menos sofisticadas” de quem julga, enganado, que pode comprar favores divinos.

A Maria Helena ainda pode ser que esteja tão iludida quanto os seus clientes e os engane apenas por negligência, por não ter tido o cuidado de verificar se lhes vende algo eficaz em vez de placebo. A ela posso dar o benefício da dúvida, mesmo que o benefício tenha de ser grande por a dúvida ser tão pequena. Mas a Igreja Católica, e a sua hierarquia de crentes sofisticados, admite perpetrar o pior tipo de embuste por beneficiar da credulidade dos que considera menos sofisticados, sabendo que estes acreditam em falsidades e não fazendo nada para os esclarecer. E ainda têm a lata de dizer que é por respeito que recebem o dinheiro dos pobres e o sacrifício dos enfermos.

1- Centro Maria Helena, Tabela de Preços
2- Centro Maria Helena, Hierarquias Angelicais
3- Comentários em Agora é por ser blasfémia….
4- Santuário de Fátima, SEPALI – Serviço Pastoral Litúrgica

Em simultâneo no Que Treta!

31 de Julho, 2010 Carlos Esperança

Vaticano, pudor e ridículo

O Papa, santo por profissão e estado civil, infalível por conveniência e tradição, pudico por questão de imagem e interesse comercial, decidiu que as pessoas fossem impedidas de circular com ombros e pernas à mostra no Vaticano.

Certamente alguma catequista balzaquiana deixou escorregar a mantilha que lhe cobria os ombros e algum soldado americano, de férias do Iraque, mostrou os joelhos quando apreciavam, através do vidro à prova de bala, a Pietá que Miguel Ângelo esculpiu.

Terá assustado o Papa o desassossego das numerosas virgens que decoram a Basílica de S. Pedro, pintadas ou esculpidas, o sobressalto hormonal ou no rubor das faces, perante os joelhos tisnados de um mancebo em pausa na guerra contra os infiéis? Que pesadelos terá sentido com os ombros desnudos de mulheres capazes de excitarem os santos ou de fazerem estalar o mármore que esconde as partes pudendas de Cristos admiravelmente crucificados e escassamente vestidos?

Que fariam os monsenhores a espiarem os ombros nédios de uma catequista em busca de uma aspirina na farmácia, de um selo postal ou de vitualhas no supermercado papal? E se, em vez dos ombros de uma devota, os clérigos que povoam o bairro de sotainas desviassem o olhar lúbrico para os joelhos de um mancebo, a imaginar abominações e a esquecerem o breviário?

Que pensaria o Deus do Papa, no bairro que dele se reclama, perante a lascívia dos seus ministros e os pensamentos pecaminosos que os ombros e as pernas podem provocar em quem não conhece da anatomia outros pedaços mais suculentos e interessantes?

Para evitar tentações do demo, que o especialista em exorcismos descobriu no Vaticano, o Papa, ajudado na decisão pelo Espírito Santo, uma pomba que se julgava extraviada, estendeu as regras que impedem os turistas de entrarem na Basílica de S. Pedro com os ombros e as pernas ao léu aos outros locais da Cidade do Vaticano, como a farmácia, o supermercado e a agência dos correios.