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Dia: 29 de Dezembro, 2009

29 de Dezembro, 2009 Carlos Esperança

Os bispos e os referendos

Andaram os bispos portugueses 48 anos em paz, sem preocupações com a democracia, com direito a báculo e mitra apenas com autorização de Salazar, indiferentes aos crimes da ditadura e à guerra colonial, e tornaram-se agora os paladinos da democracia directa.

Todos os dias saltam prelados a agitar a mitra contra os casamentos homossexuais, a brandir o báculo contra o aborto, a perorar sobre a família, como se disso tivessem alguma experiência. Disparam ave-marias e salve-rainhas contra os “inimigos da moral e dos bons costumes” e, finalmente, exigem um referendo sobre matéria que fez parte da campanha eleitoral e dos conselhos pios aos eleitores para se afastarem de partidos que, na sua pitoresca linguagem, são contra a família.

Os bispos, que impedem a interrupção voluntária do celibato aos padres, em nome de uma decisão que lhes aumenta o poder, estão agora na vanguarda da defesa da família e da reprodução. Por que motivo não referendam, entre os padres, o celibato?

Com que legitimidade exigem a uma beata, amiga do peito e da missa, que decida sobre direitos de quem não vai à missa nem frequenta os sacramentos? Que dêem normas de conduta aos crentes é um direito, que exijam a outros que se rejam pelas normas pias é um acto prepotente e uma manifestação totalitária.

É altura de se dedicarem ao breviário e deixarem os políticos decidir em paz. Não têm, nesse campo, grande autoridade nem bons exemplos. E arriscam-se a perguntas incómodas.

29 de Dezembro, 2009 Luís Grave Rodrigues

O santo português que matou 36 mil espanhóis

 

Um artigo de Moisés Espírito Santo no «Jornal de Leiria»:

 

 Falo de Nun’Alvares.

Até há pouco, as mulheres ameaçavam os miúdos com «Olha que eu chamo o Dom Nuno!». Um papão.

Os portugueses só o conhecem porque ele derrotou os espanhóis. Em Aljubarrota foram 36.000, para além dos 7 de que se encarregou a padeira.

Invocou Santa Maria – que só será Mãe dos portugueses e não dos espanhóis – venceu. Esta mitologia merece tanto crédito como as lendas de feiticeiras; o problema é que, repetida hoje, significa estagnação cultural. Ideologia rústica fora do tempo.

O povo vai venerar um santo só porque ele derrotou os espanhóis. (Ficamos à espera que seja canonizado o régulo Gungunhana que se sacrificou pela independência da sua pátria, Moçambique…).

O Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, lemos isto: «[Nun’Alvares] exigia sempre uma disciplina rigorosa e o exacto cumprimento das suas ordens; se isso não sucedia tornava-se bravo como um leão, chegando a matar os cavalos e a ferir os corpos dos descuidados, se eram pessoas de mais pequena condição».

Entenderam: «se eram pessoas de mais baixa condição». 

Cavaco Silva, ao integrar a comissão de honra da canonização, disse que «pode ser um exemplo para os portugueses». Eu diria que exemplos desses já temos de sobra: uma Justiça que condena os pobres e absolve os ricos; os trabalhadores pagam impostos enquanto os políticos e suas famílias acumulam milhões com a corrupção, os banqueiros a apropriarem-se dos dinheiros dos clientes…

Preferia ver o responsável máximo da Nação – que, hoje, é amiga de Espanha – a abster-se desses conluios patriotiqueiros e a apontar os espanhóis como exemplo de civismo, criatividade e empreendedorismo.

Não foi pelas qualidades guerreiras do Condestável que o Vaticano o canonizou. Seria porque, já velho e impotente, se recolheu a um convento onde viveu 8 anos ? (Diz o ditado: «O diabo depois de velho fez-se ermitão»).

Não consta que tivesse dado as suas riquezas aos pobres, como se diz agora. Que se dedicasse a tarefas conventuais, milhões de frades o fizeram.

No entanto, o mesmo historiador que citei diz: «Por baixo do hábito de frade, Nun’ Álvares trazia por vezes vestido o seu arnez de combatente».

 Estão a ver? Um belicoso disfarçado de frade.

Foi pelo milagre do salpico de azeite quente que saltou para a vista duma mulher de Ourém e que não a cegou?

Porque foi? E porque só agora? Política vaticana.

A beatificação, em 1918, visou combater as Repúblicas portuguesa e espanhola, liberais. Depois o processo foi p’ra gaveta, por cumplicidade com os fascismos ibéricos.

 

Agora, como o Condestável foi anti-espanhol, saiu dos arquivos para a actual guerrilha entre a Espanha e o Vaticano (este já não tem mão duma nação que foi a mais católica do Globo).

Primeiro foi a lei sobre o aborto. Depois, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo que levou os bispos espanhóis a saírem à rua em manifestação (coisa nunca vista – para combater uma lei democrática).

 

Bento XVI até veio a Espanha apoiar os bispos num congresso em favor da «família tradicional».

Hoje há o problema das aulas de Religião e Moral que o governo substituiu por Educação Cívica, e o programa da Memória Histórica sobre a guerra civil a que a Igreja – que foi co-responsável nessa guerra – se opõe («para não abrir feridas», diz ela).

Se isto fosse em países como Inglaterra, Alemanha ou França, laicos ou protestantes de longa data, passons como dizem os franceses.

Vindo de Espanha que foi a católica por excelência, no pasaran como diriam os bispos espanhóis. E passaram.

Então… «Tomem lá com o Condestável português que vos derrotou!» (Sendo eles como são, faz-lhes tanta mossa como mostrar-lhes um espantalho).

 

Esta canonização é a reprodução da de Santa Joana d’Arc, rapariga francesa que derrotou os ingleses invasores da França, em Orléans (1429); mas foi entregue traiçoeiramente aos ingleses que a condenaram à fogueira por heresia (1431).

Só foi beatificada em 1909 e canonizada em 1920, uma época de fundamentalismo católico… contra a Inglaterra protestante.

 

E, com este costume medieval de inventar santos e de os pôr a fazer política, é a imagem do Vaticano que fica muito aquém das culturas da modernidade.