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Dia: 28 de Julho, 2008

28 de Julho, 2008 Carlos Esperança

A guerra preventiva à descrença

Ultrapassada que está a fase histórica de exterminar infiéis, o baptismo é a primeira batalha do clero na guerra preventiva contra a descrença. Um lactente que berra com a água fria e a pedrinha de sal, peado pelos padrinhos, indiferente aos rituais cabalísticos do oficiante, leva a primeira dose da vacina contra o ateísmo.

Depois vêm a comunhão e a penitência, a primeira para se convencer de que a farinha se transforma em sangue e carne e a segunda para saber o que custa aturar um deus de que os padres precisam para viver.

A confirmação é uma cerimónia óptima para a fé, ainda que suspeita no que diz respeito à higiene. Quando a adolescência é passada entre constrangimentos místicos e tropelias clericais torna-se difícil ultrapassar a transição e atingir a fase adulta da cidadania.

Na religião, a guerra preventiva contra a heresia começa cedo e se, apesar dos cuidados pios, os crentes revelam sinais de cepticismo ou propensão herética, as religiões apelam aos castigos terrenos, que podem chegar à morte, ou ameaçam com os castigos divinos, uma crueldade em diferido, a ser executada depois da morte.

É esta rudimentar forma de proselitismo que perpetua a fé e os rituais pueris que abatem quem os pratica e põem em perigo quem os denuncia ou ridiculariza.    

28 de Julho, 2008 Carlos Esperança

Algumas reflexões sobre o divórcio

Faltando-me experiência para dar testemunho sobre o divórcio, corro o risco de parecer um padre a falar do matrimónio. Herdei o espírito monogâmico e o hábito de manter os laços conjugais mas sei da vida o suficiente para ter a convicção de que não é o divórcio que interrompe o casamento, é o fim deste que dá origem ao divórcio.

Há almas pias que vêem na consequência a causa e na tentativa de evitar males maiores uma conspiração contra a instituição que os tempos se encarregaram de tornar precária.

Claro que hoje já não é hábito assediar uma divorciada, apontá-la à execração pública e atribuir-lhe a culpa que é apanágio da mulher, uma espécie de complemento do pecado original. Mudaram-se os tempos e as leis, e o divórcio deixou de ser o ferrete vexatório que perseguia a mulher, enquanto o homem, como sempre, gozava de compreensão.

Lembro-me das primeiras divorciadas que conheci e da forma como eram recriminadas pela inépcia na sedução dos maridos, resquícios de tribalismo machista que a sociedade rural e beata se encarregava de perpetuar.

Quando, a seguir ao 5 de Outubro de 1910, a República instituiu o matrimónio, eram vulgares as manifestações de rua com catequistas, celibatárias e padres a condenarem a lei que resolveu situações intoleráveis.

Quando, depois do 25 de Abril, sendo ministro da Justiça Salgado Zenha, se permitiu o divórcio a quem tinha um casamento católico, que a Concordata tinha definido como perpétuo, houve apenas manifestações de júbilo e a faculdade de resolver casos de mancebia, incluindo o do Dr. Sá Carneiro, governante que não via necessidade de uma Concordata.

Agora, 34 anos depois do 25 de Abril, as alterações legislativas para facilitar o divórcio, a fim de o tornar menos traumático, uniram contra si as associações pró-família, vários sectores conservadores, meios religiosos, alguns magistrados e o próprio PR que a idade vai tornando cada vez mais devoto.

Grupos de pressão donde nunca partiu um aviso sobre violência doméstica, pessoas pias que jamais denunciaram maus-tratos conjugais e associações que nunca emitiram uma opinião sobre mulheres assassinadas pelos maridos (são elas as vítimas mais frequentes) vêm agora, tal como aconteceu em Espanha, fazer um enorme ruído sobre uma lei que, na minha opinião, traduz um avanço civilizacional.

É preciso lembrar que o divórcio é a consequência de um casamento falhado e jamais a causa do seu termo. Arrastar pelos tribunais a devassa da vida íntima e a crispação de uma ruptura é acrescentar um sofrimento suplementar para o casal e para os filhos, se os houver. Um tormento inútil por causa de um preconceito.