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Dia: 24 de Abril, 2007

24 de Abril, 2007 Carlos Esperança

A moral e os bons costumes

Foi há cinquenta anos na Figueira da Foz. Eu era um adolescente muito magro obrigado a usar um fato de banho com uma saia dianteira que ocultasse eventuais entusiasmos e uma camisola interior que tapasse algum pêlo que despontasse no peito.

O cabo de mar era intransigente na defesa da moral e dos bons costumes. Um rapazinho de 14 anos não poria em causa a ordem estabelecida. Portugal não era um país onde o corpo se expusesse com soía em países de baixas temperaturas e elevada devassidão.

Hoje, se alguém se apresentasse numa praia portuguesa, nos preparos que a lei prescrevia então, seria de novo alvo de suspeita e não era a polícia que o incomodava, eram médicos que duvidariam da sanidade mental.

Lembrei-me deste episódio com a notícia iraniana de que a respectiva polícia passou a vigiar os abusos das mulheres (maldita misoginia) que usam véus incorrectos e deixam ver algum cabelo. A defesa dos costumes e a vigilância moral ficarão a cargo da polícia islâmica. Maomé pode dormir descansado, as prevaricadoras serão chicoteadas em público.

O Irão de hoje é o Portugal da minha adolescência. O Salazar de lá – Ahmadinejad – é o mesmo biltre moldado pelo seminário e pela demência dos bons costumes. A liberdade é uma ousadia que a polícia se encarregará de reprimir.

Diz um membro da comissão cultural do Parlamento: «um homem que veja estas manequins na rua não prestará mais atenção à sua mulher em casa, destruindo o fundamento da família». A tara não é exclusiva do Islão. A repressão sexual é uma forma de domínio e de exercício da tirania.

24 de Abril, 2007 jvasco

Querem melhor prova que esta?

Joel e Augusto estão na esquadra. São suspeitos de homicídio, e cada um deles presta depoimento, desconhecendo as declarações do outro. A PJ acredita que são cúmplices e espera que o interrogatório lance luz sobre os acontecimentos passados.

Filipe Soares está encarregado de dirigir a investigação deste caso. Como profissional experiente sabe perfeitamente o seguinte: se porventura os depoimentos de Joel e Augusto não contiverem qualquer incoerência; se cada um deles responder sempre da mesma forma a cada pergunta que é colocada; se nenhum dos pormenores de algo que se lembram for ligeiramente diferente; se cada detalhe é perfeitamente compatível, então é provável que tenham combinado juntos qual a história que iriam contar. Em princípio terão verificado todas as questões, procurando evitar qualquer ponta solta, tentando não deixar nada ao acaso.

Mas não é isso que acontece.
Joel diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era ele. Que estavam a beber cerveja, que o jogo estava entediante, e a conversa amena. Que não havia nada para comer.
Augusto diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era Joel. Que comeram piza até ficarem ambos muitos cheios, e que estiveram sempre a beber coca-cola. O jogo estava entediante e a conversa amena.

Filipe Soares continua a sua investigação. São reunidas as provas e indícios e Joel e Augusto, que não confessaram qualquer crime, vão a Tribunal.

O advogado de defesa diz que uma das maiores provas da inocência de Joel e Augusto são as contradições entre ambas as versões. Diz que se as versões fossem combinadas, coincidiriam em todos os pormenores.

O que é que o juiz achará disto?
O que é que o leitor acharia?

Fraca defesa aquela que recorre a tão tolo argumento.
Então não há centenas de criminosos cúmplices que se contradizem nos seus depoimentos? Depoimentos que se contradizem atestam a inocência de quem quer que seja?

Na verdade o advogado de defesa do Joel e do Augusto, ou tem um fraco conhecimento de lógica, ou espera que o juiz o tenha. Ele não sabe que quando A implica B, isso não quer dizer que a negação de A implique a negação de B.

Vou dar um exemplo: «se eu estou a saltar, eu estou vivo» não quer dizer que «se eu não estou a saltar, eu estou morto».

Da mesma forma: «se o Joel e o Augusto têm depoimentos compatíveis ao mais pequeno pormenor, então provavelmente são culpados» não quer dizer que «se o Joel e o Augusto têm depoimentos com várias contradições (grosseiras?), então são inocentes».

Agora parece claro que o argumento do advogado de defesa do Joel e do Augusto é pateta. Pior, é absurdo. É indigno de uma defesa sólida.
Dá a impressão que não existem bons argumentos para defender o Augusto e o Joel das evidências contra eles, e que por isso é necessário recorrer a estas falácias tão descaradas.
E isto é verdade quer as contradições entre Joel e Augusto sejam muitas e graves, quer sejam pequenas e pouco importantes. Em nenhum caso provam a inocência de ambos.

Suponho que o leitor não discordou até este ponto do texto.
Agora diga-me, que devo eu pensar quando volto a ouvir, repetidamente, alguns cristãos afirmarem que «uma das maiores provas que o Novo Testamento é verdadeiro é a existência de algumas contradições nos Evangelhos»?

24 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «[O fim do limbo cria] um dilema doloroso aos pais católicos. Abortar o feto garante-lhe a salvação, mas deixar a criança nascer expõe-na à possibilidade de pecar e de ser condenada ao sofrimento eterno. Eterno. Porque, a menos que uns bispos mudem outra regra qualquer, quem vai para o inferno nunca mais de lá sai.

    Mas os pais que optem pela única forma segura e legal de garantir o paraíso aos seus filhos serão condenados ao inferno. O que será pior? Sofrer eternamente sabendo que todos os filhos estão no paraíso, ou estar no paraíso sabendo que, para lá chegar, pode ter condenado os filhos ao sofrimento eterno?

    Quanto mais aprendo sobre religião mais me agrada o ateísmo.»(«Crianças mortas suspiram de alívio.», no Que Treta!)

  2. «- Pois, mas curiosamente a energia contida em toda a matéria do universo é compensada pela energia negativa do campo gravitico que essa matéria gera. Somando todas as parcelas, o total de energia no universo é zero. A hipótese mais plausível e mais bem suportada é que este nada se expandiu como consequência de uma flutuação quântica, como previsto pelo principio de incerteza.

    – Ora aí está! Foi Deus quem causou essa flutuação quântica.

    – Não pode. Este tipo de acontecimento não tem causa. O conceito de causalidade nem se aplica.

    – Não tem causa. Muito bem. Mas, mesmo assim, foi Deus quem o causou!» («Um diálogo.», no Que Treta!)

  3. «Em mais uma das suas imperdíveis crónicas da 2ª feira, João César das Neves, num esmerado exercício de auto-vitimização em que é useiro e vezeiro, fala-nos de um “racismo”, dirigido à crença, que grassa na sociedade de hoje; fala-nos de uma Igreja contra a qual existe “desconfiança latente” e “severidade”.

    Provavelmente por habitar em paragens muito longínquas, ou numa cave insonorizada com água potável e conservas para uma vida inteira, JCN ignora que vive numa sociedade que não só não discrimina os crentes, não só não dá mostras de severidade para com a Igreja, mas que, pelo contrário, a trata com uma benevolência que roça, por vezes, a subserviência.

    Pode até dar-se o caso de JCN ter ouvido falar de um país, chamado “Portugal”, no qual a perseguição aos crentes não prima pela ferocidade: a Igreja tem direito a transmissão televisiva das eucaristias, a mensagem de Natal do patriarca, a emissões especiais por ocasião do aniversário da cidadã Lúcia de Jesus dos Santos, a uma Universidade, e, até há bem pouco tempo, a presença no protocolo do Estado.» («BRANDA SEVERIDADE», no umblogsobrekleist)