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Dia: 18 de Novembro, 2006

18 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Referendo à talibanização nacional

Como há muito alertamos, a conjuntura internacional que vivemos torna as populações vulneráveis aos ataques dos fundamentalistas de todas as religiões. Um pouco por todo o Ocidente, assistimos a um ataque sem tréguas das várias versões do cristianismo aos valores em que assenta a nossa sociedade democrática, tolerante e supostamente laica. Valores humanistas desde sempre especialmente combatidos pela Igreja de Roma.

Para além de unidos pelo ódio aos que não se subjugam aos ditames neolíticos do cristianismo, os responsáveis eclesiásticos de todos os flavours do cristianismo estão igualmente unidos na responsabilização da laicidade na crise que atravessamos. Crise que, paradoxalmente, tem na sua génese exactamente a panaceia que recomendam: o fundamentalismo religioso!

Por outro lado, os moderados de todas as fés desculpam por norma os excessos cometidos em nome da respectiva religião, já que confundem fanatismo e fundamentalismo com convicção ou coerência religiosas. Aliás, numa das suas homilias de segunda o nosso cavaleiro da pérola redonda, o J.C. das Neves que não faz a mínima ideia o que seja tolerância, ululava contra a laicidade e o oxímoro «fanatismo laico», carpindo serem os «fanáticos religiosos» «desequilibrados mas fiéis à sua fé» enquanto os tais «fanáticos laicistas» – que segundo o spin doctor do catolicismo mais ultramontano elegeram a tolerância como dogma – são «inconsistentes» já que não «toleram» ser regidos pelas patetadas debitadas como «valores radicados na natureza mesma do ser humano».

Os exemplos que nos chegam de todo o mundo e de todas as confissões religiosas indicam claramente que precisamos despertar desta complacência e não transigir no mínimo desvio à laicidade! A defesa da laicidade é de facto absolutamente essencial para que não assistamos ao retrocesso civilizacional que as diferentes versões do cristianismo querem impor nos países onde são maioritárias, com constantes ululações de «blasfémias» e afins, pressões políticas e mediáticas, e uma inadmíssivel imiscuição no Direito desses países!

Como o filósofo Sam Harris explica, a atitude complacente em relação às religiões é uma ameaça latente para o modelo de sociedade que queremos construir, uma sociedade tolerante assente em princípios democráticos e na defesa dos direitos do Homem.

Ameaça latente que cá no burgo se vai explicitar muito em breve, já que Portugal vai referendar não apenas a IVG mas igualmente a influência da delegação nacional da Igreja de Roma na esfera política! Apenas os mais distraídos – ou os mais ingénuos – ainda não se aperceberam que o desmesurado empenhamento da ICAR e seus apaniguados no referendo que se aproxima não reflecte qualquer «defesa intransigente da vida» mas sim uma defesa intransigente do poder político da Igreja!

Trinta anos passados sobre o 25 de Abril e acabada a travessia do deserto que a promiscuidade entre a ditadura e a Igreja impôs no Portugal democrático, os representantes mais fanáticos do catolicismo jurássico metralham em força os seus dislates nos orgãos da comunicação social nacional para recuperar o integrismo perdido na revolução dos cravos.

Não tenhamos ilusões: o referendo ao aborto não o é de facto. Não há qualquer razão objectiva, biológica, ética ou de Direito, para criminalizar a IVG. Há apenas arrogância católica explícita nos muitos vociferadores em nome de Deus que consideram legítima a criminalização dos «pecados» e condicionamento social católico naqueles que rejeitam motivação religiosa para a sua objecção ao livre arbítrio sobre o tema.

Assim, o que vamos decidir nas mesas de voto é o modelo de sociedade que queremos seja a nossa, isto é, o que vamos referendar é apenas se queremos a talibanização de Portugal!

Ninguém pense que se os pró-prisão vencerem o referendo a Igreja se contenta com tão pouco! O referendo é um teste que se ultrapassado será apenas o primeiro passo para a regressão civilizacional ao totalitarismo católico medieval por que o Vaticano tanto almeja!

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18 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Carta da Associação República e Laicidade

Transcrevo uma carta da Associação República e Laicidade à Comissão Nacional de Eleições a propósito do referendo à IVG.

1. Relativamente ao próximo referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a Associação Cívica República e Laicidade tomou conhecimento, através da Comunicação Social, de declarações dos responsáveis máximos da Igreja Católica portuguesa, segundo as quais a referida Igreja «não pode reconhecer ao poder constituído, na sua vertente legislativa, competência para liberalizar ou descriminalizar o que, por sua natureza, é crime», sustentando ainda que «carece de qualquer razoabilidade e sentido falar do ‘direito’ de abortar por parte da mulher».

As declarações que citamos, a partir do Diário de Notícias de 14/11/2006, são de Jorge Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), a instância dirigente da Igreja Católica em Portugal. Na mesma ocasião, o Secretário da referida estrutura, Carlos Azevedo, «deixou um apelo aos que ‘estão convictos do Não’ para que não deixem de votar» (conforme citado na notícia da Agência Ecclesia de 15/11/2006 titulada «Bispos aprovam nota sobre PMA e apelam ao ‘Não’ no referendo sobre o aborto»).

Estas declarações foram reforçadas pelo comunicado da CEP de 16/11/2006, onde se apela aos que tencionam votar «não» para que «marquem presença num momento tão decisivo», e vem na sequência de um documento da CEP datado de 19 de Outubro (a nota pastoral «Razões para escolher a vida») em que se dizia explicitamente aos «fiéis católicos» que «devem votar ‘não’»
A Associação Cívica República e Laicidade – tal como certamente sucede à maioria dos cidadãos – entende que, desta forma, a Igreja Católica portuguesa está a assumir e a reiterar uma posição clara perante o referendo sobre a Interrupção Voluntária de Gravidez, posição essa de apelo explícito ao voto «não»

Simultaneamente, a Associação Cívica República e Laicidade tem conhecimento da existência de símbolos religiosos católicos (de crucifixos, designadamente) em vários locais de funcionamento de assembleias de voto e, mais concretamente, em salas de aulas de escolas públicas.

A Associação Cívica República e Laicidade, considerando a posição expressa da CEP perante o referendo, entende que a realização da votação referendária em locais nessas condições constitui uma evidente infracção do disposto no artigo 133º da Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei 15/A-98, de 3 de Abril), onde se afirma que «é proibida a exibição de qualquer propaganda dentro das assembleias de voto (…) por propaganda entende-se também a exibição de símbolos (…) representativos de posições assumidas perante o referendo».

Nesta situação, a Associação Cívica República e Laicidade vem solicitar aqui à Comissão Nacional de Eleições que torne efectiva a proibição de propaganda nos locais de voto, concretamente mandando retirar quaisquer símbolos da Igreja Católica que ali se possam eventualmente encontrar.

Com os nossos melhores cumprimentos,

a bem da República,

Lisboa, 16 de Novembro de 2006
Luís Mateus (presidente) Ricardo Alves (secretário)

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