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Dia: 29 de Outubro, 2006

29 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

O clero e o perigo da confissão

Deus anda arredio da moral dos padres e só com muita devoção se pode acreditar que a Igreja católica é a sua Igreja. Deus fica indiferente às crianças abusadas e aos discursos compungidos do Papa.

Se alguém acredita no valor dos sacramentos aí estão as patifarias, que os recalcamentos sexuais exacerbam, a desmenti-los. De nada valem a água benta, o incenso e as orações. Os padres, vítimas do celibato que o Vaticano lhes impõe e do cio que os acicata para as maiores torpezas, não chamam a atenção para a bondade do seu Deus, atraem a atenção para as infâmias de si próprios.

Na Irlanda, um cristianíssimo país onde Santíssima Trindade infecta o preâmbulo da Constituição, os padres católicos colocam mal a ICAR. Podiam tomar como amantes os colegas, ter um bispo por conta ou um cónego privativo mas são as crianças as vítimas dos seus incontroláveis desvarios.

O pior de tudo são as confissões, um mundo de silêncios e cumplicidades, onde o clero se esquece do breviário e acende o fogo que o devora e conduz para as relaxações que envergonham a Igreja e aguardam o julgamento dos tribunais.

Era melhor que se casassem.

29 de Outubro, 2006 Palmira Silva

O referendo ao aborto: autonomia da mulher II

A referida prosa do actual Papa debitada enquanto Inquisidor-mor, é ainda uma elegia às teses agostinianas sobre os males do sexo, isto é, afirma que a «dimensão antropológica da sexualidade é inseparável da teológica» – o abominado sexo é uma consequência da «queda» – e como tal a humanidade deve «evitar as relações marcadas pela concupiscência», na realidade uma «tríplice concupiscência», a «concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida», pechas para o mal advindas «do pecado [original]».

Para a Igreja de Roma, o ideal de mulher deve ser uma mulher completamente anulada como pessoa, devotada à sua «capacidade para o outro», sendo completamente inaceitável por ateísta «um certo discurso feminista» que «reivindica exigências ‘para ela mesma’». A mulher, que se realiza apenas no casamento ou na Igreja, deve no primeiro caso subjugar-se totalmente ao marido e aos filhos, já que não tem valor intrínseco fora de ambos, na realidade tem menos valor que um qualquer óvulo fertilizado – nem em casos «de vida ou de morte, para a mãe» é admissível uma interrupção da gravidez!

De facto, são consideradas «modelos de perfeição cristã» a beata Isabella Canori Mora, que preferiu morrer às mãos de um marido abusivo a «violar a santidade do matrimónio», e a «santa Mãe de Família» Gianna Beretta Molla, que preferiu morrer a abortar.

Assim, a condenação histriónica do aborto (e da contracepção) pela Igreja de Roma e seus sequazes não tem nada a ver com uma pretensa «defesa intransigente» de algo que confessam não saber bem o que seja. Vida que «na sua condição terrena», como já tive oportunidade de abordar, «não é um valor absoluto» para a Igreja! Excepto, claro, na forma unicelular – células estaminais e óvulos fertilizados- e embriónica!

A oposição católica ao aborto, embora baseada nas raízes do cristianismo, que justificam igualmente a oposição à contracepção – misoginia e ódio ao sexo, que desvia os crentes das «virtudes» cristãs – insere-se simplesmente na luta da Igreja pelo poder sobre a sociedade. Poder manifesto cá no burgo, por exemplo, no tempo de antena da Igreja e organizações subsidiárias em todas as estações de rádio e televisão, em que, insidiosamente, se tenta impor ao país os ditames do Vaticano em todos os aspectos da sociedade, da Economia aos comportamentos individuais!

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29 de Outubro, 2006 Palmira Silva

O referendo ao aborto: autonomia da mulher

A guerra contra a modernidade da Igreja Católica, isto é, a guerra pela manutenção do integrismo católico, iniciou-se no plano político, essencialmente combatendo os ideais «hereges» do iluminismo – que ameaçavam a supremacia da Igreja sobre todos os aspectos da vida -, nomeadamente combatendo a soberania do indivíduo, dos seus direitos e da sua liberdade, denunciados como atentados à lei «natural», isto é, à submissão do homem ao Vaticano, representante na Terra de Deus.

Assim o discurso da igreja no século XIX é marcado pela «intransigência católica» em relação às modernices políticas e ao reconhecimento dos direitos humanos, denunciados como «loucura e erro».

No terreno puramente político, a Igreja perdeu a batalha, pelo menos na Europa. E assim no século XX assesta as baterias na sexualidade, «guerra à sexualidade» que no século XXI começa a ser suplantada pela «guerra à ciência». A obsessão da Igreja sobre a questão do sexo é tanto maior quanto ela perdeu, radicalmente, a batalha no campo das autonomias políticas.

Não é assim de estranhar que, em total discordância com a própria doutrina da Igreja, seja apenas em finais do século XIX, depois de Pio No No perder o poder político sobre Itália, que o aborto é declarado um pecado imperdoável. De igual forma, os meios contraceptivos «não naturais», usados desde sempre na História da Humanidade, são declarados «pecaminosos» e proibidos aos católicos somente no século XX.

A «guerra ao sexo» estende-se à igualdade dos sexos e aos direitos da mulher: no momento em que a autonomia da mulher for uma realidade, está ameaçado o reduto do poder da Igreja na sociedade. O combate aos direitos da mulher é disfarçado como sendo uma «ordem» da natureza: a Igreja não tem nada, ulula, contra as mulheres! É a própria ordem «natural» inscrita na biologia feminina que afirma a heteronomia, isto é, estipula os limites da autonomia e dos direitos da mulher.

Assim, tudo o que esbata os limites do «natural» em relação à mulher e reafirme a sua condição de ser humano de plenos direitos é combatido violentamente pela Igreja! Como se viu, por exemplo, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em que os delegados do Vaticano e os seus poucos aliados – os fundamentalistas islâmicos, Malta e alguns países latinoamericanos em que a Igreja detém de facto poder político – tentaram impedir que se alcançasse o consenso necessário à aprovação da Plataforma de Acção, nomeadamente no que diz respeito à universalidade dos direitos humanos, mais especificamente ao reconhecimento dos direitos humanos da mulher.

O ênfase no «natural»* e divinamente predestinado é encontrado ainda na carta aos bispos católicos de todo mundo, «sobre a colaboração do homem e da mulher no mundo e na Igreja» em que a auto-intitulada «Perita em humanidade», expertise conferida pela inenerrante «antropologia bíblica» – leia-se pecado original – denuncia como profundamente errada a «antropologia, que entendia favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico». Ou seja, a emancipação e independência da mulher são uma aberração ateísta que não reconhece a ordem «natural» do mundo divinamente ordenada!

*Estranhamente apenas em relação aos direitos da mulher, antagónicos da ordem divina, o «natural» é invocado! Por exemplo, no caso Terry Schiavo, a interrupção da sustentação artificial da sua vida foi considerado um «atentado contra a vida», um «homicídio» levado a cabo por «carrascos» implacáveis! Ou seja, conforme convém, quer interferir quer não interferir na ordem natural das coisas é considerado um pecado imperdoável, vendido à sociedade como um assassínio!

(continua)